Brasileiros no calcio

O artilheiro Sergio Clerici foi o estrangeiro que defendeu mais times diferentes na Serie A

O ítalo-brasileiro Sergio Clerici foi um verdadeiro cigano da bola. Natural de São Paulo, o ex-atacante defendeu apenas times italianos durante sua carreira como jogador profissional. Cria do Nacional Atlético Clube, o “Gringo” teve no Lecco a sua primeira experiência na Itália, passando posteriormente por Bologna, Atalanta, Hellas Verona, Fiorentina, Napoli e Lazio. É o estrangeiro que mais atuou por equipes diferentes na Serie A e também está no rol dos 100 maiores artilheiros da história da competição, com 103 gols anotados.

Clerici ficou muito pouco no Brasil. Neto de italianos oriundos de Florença e Milão – que tiveram o registro alterado erroneamente para “Clerice”, ao entrarem no Brasil – o atacante se transferiu para o Belpaese aos 19 anos, depois de ser revelado pelo Naça e ter tido estágios no Palmeiras e na Portuguesa Santista. Em 1960, Sergio desembarcou no aeroporto de Malpensa para assinar contrato com o Lecco, pequeno time da Lombardia. O clube centenário disputa atualmente a quarta divisão do futebol italiano e, naquele momento, estreava na elite.

O começo da trajetória do paulistano na equipe bluceleste foi péssimo. Clerici marcou apenas dois gols nas duas temporadas iniciais e não conseguiu ajudar seu time a cair para a segunda divisão, na segunda delas. Muito novo, Sergio continuou devendo na Serie B, mas teve a continuidade bancada pelo presidente Mario Ceppi, cartola que passou quase 30 anos no cargo, em diferentes períodos. Clerici era uma aposta pessoal do filho de Eugenio Ceppi, primeiro máximo dirigente da sociedade.

Clerici chegou ao Lecco muito novo e se tornou um dos maiores da história bluceleste (Arquivo/Calcio Lecco)

O Gringo recompensou a confiança de Ceppi, a quem teve como segundo pai. O atacante provou que o presidente estava certo em acreditar nele e deslanchou em 1964-65, terminando como artilheiro da Serie B ao lado de Virginio De Paoli, ambos com 20 tentos. Clerici voltou a brilhar na temporada seguinte e foi o vice-artilheiro da competição, com 17 gols. Assim, ajudou os blucelesti a serem vice-campeões da segundona e voltarem à elite.

Na terceira oportunidade na elite, Sergio Clerici teve um desempenho melhor do que nas duas anteriores, ainda que não tenha se destacado muito. O brasileiro atuou em 31 partidas na temporada 1966-67 e foi um dos artilheiros do Lecco, com apenas quatro gols – os blucelesti fizeram apenas 21 e, segurando a lanterna da Serie A, foram rebaixados. Após o descenso, Clerici mudou de clube: se despediu do time da Lombardia com 59 tentos em 201 partidas.

Clerici fechou com o Bologna para suprir a saída do artilheiro dinamarquês Harald Nielsen, que estava de partida à Internazionale. Teve dificuldades na equipe rossoblù e, não à toa, marcou apenas quatro gols em 22 jogos da campanha do sexto lugar bolonhês. Em uma entrevista de 1976, o ítalo-brasileiro definiu aquela passagem pela cidade das duas torres como “um dos piores anos” de sua vida. “Estava sempre às voltas com o fantasma de Nielsen e a torcida não gostava de mim”, declarou.

Sua passagem pelos felsinei durou apenas uma temporada, pois em 1968 firmou contrato com a Atalanta. Ele também não guarda muitas boas lembranças de Bérgamo. Clerici colocou nove bolas na rede em 26 partidas e foi o artilheiro nerazzurro na Serie A, mas a Atalanta acabou rebaixada. Mais uma vez na carreira, o atacante fez parte de um elenco que ficou com a última posição no campeonato.

Clerici teve duas passagens pelo Bologna (Ansa)

Depois da decepção em Bérgamo, o ítalo-brasileiro trocou a Lombardia pelo Vêneto: a próxima parada seria o Hellas Verona. Clerici aguçou seu faro goleador nas duas épocas em que defendeu a equipe scaligera (1969-70 e 1970-71) e marcou 18 gols em 54 jogos. Artilheiro nas duas campanhas de meio de tabela do Hellas, “El Gringo” teve atuações regulares, que lhe conferiram o posto de jogador mais importante do clube naqueles tempos, ao lado de Emiliano Mascetti, bandeira dos butei.

Tais credenciais levaram Sergio Clerici à Fiorentina, clube em que teve desempenho ainda melhor: em duas temporadas, entrou em campo 56 vezes e anotou 24 tentos. O atacante se tornou um dos principais jogadores da equipe viola, juntamente ao meia Giancarlo De Sisti. Os toscanos haviam sido campeões italianos em 1969 e, se não conseguiram repetir o feito, ao menos fizeram boas campanhas sob o comando da dupla: quinto e quarto lugares na Serie A, respectivamente, além dos vice-campeonatos da Copa Mitropa e da Copa Anglo-Italiana.

Nas duas temporadas em que viveu em Florença, Clerici se consagrou como artilheiro. Dentre os gols marcados pelo ítalo-brasileiro, 20 aconteceram na Serie A – 10 em cada ano. Nesse período, o atacante se notabilizou por punir suas antigas equipes. O atacante fez três gol em dois dérbis dos Apeninos, diante do Bologna, e ainda fez valer a “lei do ex” contra Atalanta e Verona.

Tudo ia bem na ensolarada toscana. Até que, em 1973, Clerici despertou o interesse do Napoli. No clube napolitano, o ex-atleta nascido em São Paulo viveu seu auge, ao lado dos compatriotas Cané e Luís Vinício – então treinador, Vinício havia sido ídolo como atleta.

O atacante encantou a torcida partenopea durante dois anos, nos quais foi o artilheiro do time, com 15 e 14 gols, respectivamente. Dessa forma, Clerici foi o principal jogador nas campanhas do terceiro lugar de 1974 e do vice de 1975. A segunda colocação repetia o desempenho azzurro em 1967-68 – até então, o melhor da história do clube.

Nos tempos de Napoli, Sergio Clerici ainda foi o pivô de uma tentativa de fraude esportiva, episódio conhecido como “scandalo della telefonata” – ou “escândalo da ligação telefônica”, em tradução livre. A história recebeu atenção ao fim da temporada 1973-74, graças a uma denúncia de um jornal de Nápoles: Saverio Garonzi, presidente do Verona, teria tentado subornar Clerici para que ele não se empenhasse diante do antigo clube, que brigava contra o rebaixamento. A partida, válida pela 26ª rodada (eram 30, à época) terminou com vitória dos veroneses por 1 a 0. O Hellas escapou do descenso.

O “gringo” Clerici também teve bons momentos por Verona e Udinese (L’Arena)

Segundo informações da época, Garonzi teria prometido ajudar o ex-jogador a abrir uma concessionária da Fiat no Brasil, prometendo-lhe valores em dinheiro, mas sem mencionar o que desejava em troca. Sergio Clerici comunicou o acontecido aos dirigentes do Napoli imediatamente e não deixou de se empenhar: obrigou o goleiro adversário a oito defesas na partida. Como não havia aceitado qualquer vantagem e não diminuiu seu ímpeto, o brasileiro não denunciou o fato à justiça esportiva, mas foi interrogado quando a procuradoria começou a investigar o caso.

No fim das contas, o Verona foi punido com o rebaixamento pela conversa nada republicana – o regulamento previa punições duras em caso de tentativa de manipulação de resultados. Parte interessada, o Foggia também caiu. O time apuliano foi punido com a perda de seis pontos, pois um diretor tentou presentear um trio de arbitragem com relógios de luxo – com isso, a Sampdoria acabou sendo repescada para a elite. Clerici não sofreu nenhuma sanção e caiu mais ainda nas graças da torcida azzurra. Afinal, não se vendeu para a equipe veronesa, uma de suas maiores rivais.

Entretanto, a passagem do ítalo-brasileiro pelo time do sul da Itália chegou ao fim de forma inesperada no ano seguinte. Em 1975, após o vice-campeonato da Serie A, a diretoria do Napoli surpreendeu e envolveu o seu artilheiro em uma troca com o Bologna: aos 34 anos, Clerici retornaria para o time rossoblù, enquanto Giuseppe Savoldi, 28, reforçaria os napolitanos.

O objetivo dos azzurri era substituir um veterano que deixava seus gols, mas não era um centroavante de fato por um jogador mais novo, essencialmente de área. Enquanto a negociação se concluía, Clerici passava férias em São Paulo e, pego de surpresa, não gostou nem um pouco do que estava acontecendo.

“Savoldi foi um grande campeão, mas ainda me resta o arrependimento. Poderíamos ter feito tantas coisas juntos, eu e ele. Muitos disseram que seríamos a dupla perfeita. Mas o futebol é assim e isso já é passado. Neste esporte há momentos bons e outros menos bons”, recordou o atacante, em 2015, ao site Il Napolista. O ex-jogador deixou o Napoli com 30 gols em 62 jogos.

Em Nápoles, Clerici (esq.) colaborou com o time do capitão Antonio Juliano, mas também se envolveu em polêmicas (LaPresse)

No retorno ao Bologna, o Gringo, já em fase final da carreira, não teve uma média de gols semelhante às dos tempos de Fiorentina e Napoli: disputou 53 partidas em duas temporadas e foi às redes 15 vezes. Ainda assim, caiu nas graças da torcida por entregar sempre o seu máximo dentro de campo. Seu último clube como jogador foi a Lazio, em 1977-78, clube pelo qual anotou somente um gol em 12 jogos.

Naquela mesma época, os brasileiros José Altafini, Nenê e Angelo Sormani já não estavam mais em atividade no futebol italiano. Dessa forma, Clerici foi o último estrangeiro a disputar o Campeonato Italiano depois do fechamento das fronteiras para jogadores não-italianos, o que aconteceu em 1966 – atletas que já estavam inscritos puderam continuar em seus clubes. O embargo caiu em 1980.

Depois de pendurar as chuteiras, com 354 jogos e 111 gols no futebol italiano, Sergio Clerici voltou ao Brasil e buscou seguir a carreira de treinador. Não emplacou, contudo. Desempenhou o comando técnico de quatro times: Ferroviária (1979), Palmeiras (1980), Santos (1981) e Inter de Limeira (1982), mas não obteve sucesso e só voltou a dar as caras na profissão na própria Ferrinha, em 1996. Até hoje, aliás, ele reside em Araraquara.

Se não deu certo como treinador, por outro lado, Clerici tinha bons olhos para descobrir talentos. Não por acaso, levou para a Itália os ex-atacantes Juary (Avellino), Evair e Careca Bianchezi (Atalanta).

Clerici largou o futebol e, mesmo com uma carreira tão extensa, não teve o prazer de levantar um título sequer. O máximo que conseguiu foi um um prêmio individual: a artilharia da edição 1964-65 da Serie B, ainda em sua época de Lecco, com 20 gols. O atacante tampouco chegou a ser convocado para alguma seleção (brasileira ou italiana, no caso). No entanto, pode se gabar por ser o gringo – literalmente – que defendeu mais times na elite do futebol italiano.

Sergio Clerici
Nascimento: 25 de maio de 1941, em São Paulo (SP)
Posição: atacante
Clubes como jogador: Lecco (1960-67), Bologna (1967-68 e 1975-77), Atalanta (1968-69), Verona (1969-71), Fiorentina (1971-73), Napoli (1973-75) e Lazio (1977-78)
Clubes como treinador: Ferroviária-SP (1979 e 1996), Palmeiras (1980), Santos (1981) e Inter de Limeira (1982)

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