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Oleksiy Mykhaylychenko venceu pela Sampdoria, mas não se adaptou à Itália

“Ganho 700 rublos por mês, duas vezes do mais que um cirurgião. Você quer que eu reclame? Quando eu estou em campo, a última coisa que penso é no dinheiro”. As palavras de Oleksiy Mykhaylychenko em uma entrevista para um jornalista italiano, em 1988, mostravam os contrastes entre o mundo capitalista ocidental, do qual a Itália fazia parte, e o comunismo que vigorava na União Soviética. Nascido em uma família proletária de Kyiv, na república da Ucrânia, Micka foi ensinado a ser humilde desde criança e nunca quis estar no topo. Esse traço de sua personalidade ficou evidente durante a experiência vivida pelo jogador na Sampdoria, na temporada 1990-91.

Apaixonado pelo Dynamo Kyiv desde o berço, Mykhaylychenko ingressara nas categorias de base do clube ainda criança. Aos 18 anos já estava no time principal e impressionara ao marcar três gols em seus cinco primeiros jogos, atuando como trequartista. Em 1984, o lendário treinador ucraniano Valeriy Lobanovskyi retornava ao Dynamo após um ano de ausência e logo reconheceria o jovem meia canhoto como uma das grandes promessas da equipe.

Com Lobanovskyi, Micka foi potencializado e, com os métodos únicos do técnico, se tornou um jogador tão forte fisicamente quanto versátil: atuou em diversas posições durante os anos no gigante de Kyiv, sempre utilizando a habilidade a seu favor. A melhor temporada de Oleksiy pelo Dynamo foi em 1986, quando o meia-atacante foi artilheiro do time no Campeonato Soviético, com 12 gols, e uma das peças principais no esquadrão que contava com nomes como Oleg Blokhin e Igor Belanov. A equipe alviazul conquistou quatro títulos naquela temporada, incluindo o da extinta Recopa Uefa.

Mykhaylychenko estreou na seleção em 1987, na partida entre União Soviética e Alemanha Oriental, válida pelas Eliminatórias da Euro 1988. O meia ucraniano marcou um único gol na trajetória do exército vermelho rumo à Eurocopa, no jogo contra a França, terminado em 1 a 1, mas contribuiu bastante para que a equipe treinada por seu mestre Lobanovskyi terminasse invicta na campanha para o torneio continental.

O ano de 1988 seria o mais brilhante da carreira de Mykhaylychenko. No primeiro semestre, Micka disputou a Euro com a União Soviética. No jogo contra a Inglaterra, válido pela fase de grupos, o meia participou de dois gols na vitória por 3 a 1: anotou o segundo, de cabeça, e deu o passe para Viktor Pasulko confirmar a vitória vermelha. A seleção, cuja base era o Dynamo Kyiv, eliminou a Itália na semifinal e só não coroou a belíssima campanha com o título porque perdeu para a estrelada Holanda de Frank Rijkaard, Ruud Gullit e Marco van Basten.

Poucos meses depois da amarga derrota para a Laranja Mecânica, Oleksiy ganhou a oportunidade de representar sua seleção na Olímpiada de Seul. Fazendo parceria com Igor Dobrovolski, Mykhaylychenko marcou cinco gols e liderou o grupo que chegou à final contra o Brasil. No jogo decisivo, Micka sofreu um pênalti e Dobrovolski não o desperdiçou, empatando o duelo – que terminaria com gol de Yuri Savichev na prorrogação e ouro para a União Soviética.

Com as magistrais exibições naquele ano, o trequartista canhoto ganharia pelo segundo ano seguido o prêmio de melhor futebolista ucraniano e, pela primeira vez, o prêmio de melhor jogador de toda a União Soviética. Na Bola de Ouro de 1988, Mykhaylychenko abocanhou um incrível quarto lugar, atrás somente do trio holandês do Milan.

Mancini, Vialli e Mykhaylychenko eram as três grandes esperanças ofensivas da Sampdoria em 1990-91 (Getty)

No verão de 1990, Micka recebeu de Lobanovskyi a informação de que não jogaria a Copa de 1990 devido a uma lesão: o técnico não queria comprometer as suas condições físicas, visto que já havia operado o joelho algumas vezes e uma recuperação apressada poderia lhe prejudicar. Ao mesmo tempo, por causa da abertura da União Soviética, impulsionada pelas iniciativas conhecidas como perestroika e glasnost, Oleksiy iniciava tratativas com a Sampdoria: acabou sendo comprado por Paolo Mantovani, magnata e presidente da agremiação doriana, por 6,5 bilhões de velhas liras. O ucraniano firmou um contrato de três anos.

As expectativas acerca do soviético eram altas, já que se imaginava que ele seria um verdadeiro coringa no esquema de Vujadin Boskov, por conta da flexibilidade tática que adquirira nos anos que passou com Lobanovskiy. O técnico iugoslavo esperava contar com a polivalência, as características físicas diferenciadas para a função (na época, era raro encontrar um meia-atacante de 1,86m) e a potência de Micka – ainda que as duas operações no joelho pudessem gerar um efeito negativo em seu nível de atuações. Mykhaylychenko se alinharia ao talento de Toninho Cerezo, Fausto Pari e Attilio Lombardo, colegas de setor: parecia uma união perfeita para um time que, pelos esforços econômicos realizados, vinha em crescente naqueles anos.

Aos 27 anos, Mykhaylychenko estreou pela Sampdoria num duelo de Coppa Italia, contra o Brescia, empatado em 1 a 1. O debute na Serie A ocorreu em outra paridade: 0 a 0 com a Fiorentina, pela segunda. Na partida seguinte, diante do Bologna, o soviético fez uma partida primorosa: melhor em campo, foi o grande criador de jogadas dos dorianos, chegou a acertar a trave e, com um bom chute de canhota, marcou o seu primeiro gol com a camisa blucerchiata. O início parecia bom, mas a desilusão veio logo depois.

Apesar do tremendo esforço que Mykhaylychenko fazia para aprender o idioma italiano, tudo parecia ser em vão. A esposa do ucraniano se recusava a conhecer a língua e chegava a passar dias trancada dentro de casa para não ter que se comunicar. No vestiário que parecera amigável com a presença de alguns estrangeiros e o bom humor de uns itálicos, Oleksiy não conseguiu se enturmar e pouco falava com os companheiros. Quando os jogos acabavam, o soviético rapidamente arrumava suas coisas e ia para sua casa.

Micka certamente acreditava que o idioma que valia mais era saber o que fazer com a bola nos pés – e nisso ele era mestre. O soviético demonstrou que os problemas extracampo não o afetariam tanto, pelo menos no início. Na primeira partida da Supercopa Uefa disputada contra o Milan, em outubro, Mykhaylychenko marcou um belo gol no empate por 1 a 1 entre blucerchiati e rossoneri. Mesmo fazendo outra boa exibição na volta, o time de Oleksiy não conseguiu segurar o esquadrão de Arrigo Sacchi, que venceu por 2 a 0.

Como nem tudo são flores – e quase tudo era cravo para o soviético –, as críticas começaram a aparecer quando o meia de classe invejável, outrora era julgado como “rápido”, passou a ser taxado como um jogador lento e fora do ritmo do Campeonato Italiano. Mykhaylychenko chegou a falar para seus companheiros de time que não era ele que era lento, e sim o futebol que “corria demais”. Mesmo assim, alguns lampejos, como a atuação dominante contra o Pisa, levavam a crer que o ucraniano podia calar os críticos.

Só que a solidão no vestiário era devastadora para Micka. O meia ligava frequentemente para familiares e amigos que estavam em Kyiv, e cada vez mais se distanciava da realidade de Gênova. Sua esposa sentira uma enorme melancolia pela vida que levava na Itália.

Depois de início encantador pela Sampdoria, Micka perdeu crédito com torcida, colegas e técnico (imago)

Os problemas de convivência e as consequências das operações nos joelhos que Mykhaylychenko fizera em anos anteriores começaram a atormentá-lo na metade do campeonato. Para a Sampdoria, tudo corria bem: no começo de 1991, o time disputava a liderança com Inter e Milan, e parecia ter total capacidade de faturar o scudetto. Por outro lado, Oleksiy começou a sofrer boicotes dos seus próprios companheiros: Roberto Mancini, principal jogador doriano, chegou a pedir que o técnico Boskov deixasse o soviético no banco.

Em março de 1991, Mykhaylychenko sofreu o golpe final: Boskov o sacou do onze inicial. O ucraniano virou apenas um reserva do time que se sagraria campeão em maio, contra o Lecce. No jogo do título, no Marassi, Oleksiy entrou aos 71 minutos, substituindo Cerezo, que foi ovacionado pela torcida blucerchiata, o que não acontecia com Micka. Quando a conquista foi confirmada, o meia vibrou com seus companheiros e o presidente Mantovani. Mas, provavelmente, o gosto da vitória foi um pouco amargo para o soviético, já que ele não conseguira se firmar e seria despachado um mês depois. O habilidoso canhoto disputou apenas 39 jogos pelos genoveses e marcou quatro gols.

No final da temporada, o soviético foi lançado ao mercado e logo saltou aos olhos do Glasgow Rangers, da Escócia. Micka assinou um contrato de três anos com o clube britânico e, para alegria de sua esposa, a Itália ficava para trás após um ano detestável. Mykhaylychenko encontraria êxito internacional pelos Light blues: Oleksiy guiou o time para um épico pentacampeonato e conquistou cinco vezes as copas locais. O jogador se aposentou dos gramados em 1996, aos 33 anos, quando os problemas físicos começaram a ficar mais frequentes.

Após a dissolução da União Soviética, em 1991, a Comunidade dos Estados Independentes representou o espólio da nação por um curto espaço de tempo. E foi sob esta bandeira que os atletas da extinta URSS disputaram competições esportivas em 1992, como os Jogos Olimpícos de Barcelona e a Euro. Como era o capitão do exército vermelho, que garantira vaga na Eurocopa, Mykhaylychenko foi a principal peça da CEI na competição. O meia se empenhou, mas não conseguiu evitar a desastrosa campanha da seleção, que deixou o torneio continental sem vencer uma partida sequer.

As últimas aventuras de Micka por seleções aconteceram pela recém-formada equipe nacional da Ucrânia. Em 1992, disputou um amistoso contra Belarus e, dois anos depois, representou os auriazuis num duelo das Eliminatórias da Euro contra a também novata Eslovênia.

Depois de se aposentar, Mykhaylychenko voltou para o Dynamo Kyiv e se tornou auxiliar do seu velho mestre Lobanovskiy. Com a morte do técnico, em 2002, Oleksiy assumiu o posto do mentor e venceu o campeonato nacional por dois anos seguidos. Micka também treinou as seleções sub-21 e a principal da Ucrânia entre 2004 e 2009, sendo o primeiro a representar os auriazuis como atleta e treinador – Andriy Shevchenko viria a igualá-lo pouco depois. Ídolo do gigante da capital de seu país, o ex-jogador ocupa o posto de diretor esportivo da equipe, função que já desempenhara anteriormente.

Oleksiy Oleksandrovych Mykhaylychenko
Nascimento: 30 de março de 1963, em Kyiv, Ucrânia
Posição: meia-atacante
Clubes como jogador: Dynamo Kyiv (1981-90), Sampdoria (1990-91) e Glasgow Rangers (1991-96)
Títulos: Campeonato Soviético (1981, 1985, 1986 e 1990), Copa Soviética (1985, 1987 e 1990), Recopa Uefa (1986), Supercopa Soviética (1986 e 1987), Ouro Olímpico (1988), Serie A (1991), Campeonato Escocês (1992, 1993, 1994, 1995 e 1996), Copa da Escócia (1992) e Copa da Liga Escocesa (1993 e 1994)
Carreira como técnico: Dynamo Kyiv (2002-04 e 2019-20), Ucrânia Sub-21 (2004-08) e Ucrânia (2008-09)
Títulos como técnico: Campeonato Ucraniano (2003 e 2004) e Copa da Ucrânia (2003 e 2020)
Seleção soviética: 41 jogos e 9 gols (5 partidas pela Comunidade dos Estados Independentes)
Seleção ucraniana: 2 jogos

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