Em 1989, o Napoli venceu o Stuttgart de Jürgen Klinsmann e conquistou o seu primeiro título europeu, a Copa Uefa. O troféu da 18ª edição da competição continental coroou uma temporada que, apesar dos vices da Coppa Italia e da Serie A, não deixou de ser especial para os azzurri. Afinal, além do feito inédito, o time do sul da Itália deixou pelo caminho rivais como a Juventus e o Bayern de Munique – este último, eliminado com autoridade nas semifinais.
Antes de enfrentar os bávaros e impedir uma decisão totalmente alemã, o Napoli teve que levantar a cabeça. O time treinado por Ottavio Bianchi só foi jogar a Copa Uefa porque perdeu, no detalhe, o scudetto para o Milan, em 1987-88. Na competição europeia, se reergueu ao eliminar PAOK (por 2 a 1 no placar agregado), Lokomotive Leipzig (3 a 1), Bordeaux (1 a 0) e ao protagonizar uma incrível virada sobre a Juventus, sua eterna rival, nas quartas de final: perdeu a ida por 2 a 0, devolveu o placar no tempo normal na volta e, na prorrogação, fez 3 a 0.
O Bayern de Munique, por sua vez, foi vice-campeão da Bundesliga 1987-88, ficando quatro pontos atrás do Werder Bremen. Em sua estreia na Copa Uefa, o time alemão aplicou um sonoro agregado de 10 a 4 sobre o Legia Varsóvia e ainda passou por Dunajská Streda (5 a 1), Inter (3 a 3, com vantagem no gol qualificado) e Hearts antes de encarar o Napoli. Contra os escoceses, os Roten repetiram o feito dos italianos e reverteram a derrota na ida, proporcionando um 2 a 1 na soma dos confrontos.
Com isso, em abril de 1989, os times se enfrentaram em dois embates. O primeiro ocorreu na Itália, no estádio San Paolo. Já o segundo encontro teve como palco o Olympiastadion, construído para os Jogos Olímpicos de Verão de 1972, em Munique. Naquele momento, as duas formações vinham fazendo ótimas campanhas em seus respectivos campeonatos nacionais. O Bayern, inclusive, se sagraria vitorioso na Bundesliga naquela temporada. Já o Napoli, como dissemos anteriormente, foi vice das duas competições de que participou na Velha Bota. O foco, porém, era buscar o primeiro título internacional da história do clube.
A expectativa era enorme e, no dia 5 de abril, a torcida napolitana não decepcionou ao marcar presença para acompanhar a partida de ida das semifinais e incentivar o time para a intensa batalha que iria enfrentar contra o tradicionalíssimo Bayern: cerca de 77,5 mil pessoas rechearam as arquibancadas do San Paolo. A festa nas tribunas foi exemplar, aliás: bandeirões e diversos outros aparatos fizeram o espetáculo ficar ainda mais belo.
O Napoli sabia que estava à frente de um forte candidato ao título da competição. Sob o comando de Jupp Heynckes, os gigantes da Baviera contavam com grandes jogadores em seu elenco. Eram nomes como o defensor e capitão Klaus Augenthaler, os meio-campistas Olaf Thon e Stefan Reuter, o goleador Roland Wohlfarth, o atacante sueco Johnny Ekström, ex-Empoli, além de um tal de Hansi Flick – sim, o técnico do próprio Bayern e da seleção alemã.
Mas do outro lado havia um time embalado e com um astro acostumado a jogos grandes. O meio-campista italiano Fernando De Napoli – ou Rambo, como foi apelidado pela torcida – comentou que Maradona sempre deu confiança à equipe para disputar confrontos decisivos. Toda essa liderança do Pibe, que já havia sido campeão mundial em 1986, fazia com que os partenopei entrassem dispostos a dar o máximo nas partidas.
O clima era de final, o que acabou preocupando os vizinhos do estádio – muitos moradores do bairro de Fuorigrotta temiam por sua segurança, em caso de animosidade entre os torcedores, como havia ocorrido na vitória sobre a Juventus, na fase anterior da competição. Mas a festa não passou dos limites e a única dor de cabeça foi imposta à defesa do Bayern.
O Bayern, aliás, começou assustando. A primeira grande chance do jogo surgiu após um salseiro na área e a cabeçada para trás de Norbert Nachtweih, que encontrou Thon: o meia soltou um foguete, mas o goleiro Giuliano Giuliani mostrou tempo de reação e rebateu para longe. Dali em diante, o Napoli se equilibrou e, embalado pela atmosfera de um San Paolo que pulsava de tanto barulho, tomou as rédeas da peleja.
Aos 41 minutos, o Napoli justificou a melhora. Maradona recebeu de De Napoli e tentou um passe por elevação para Careca, a defesa bávara tentou cortar, mas acabou ajeitando a bola para o brasileiro, que finalizou no contrapé de Raimond Aumann e abriu o placar em um San Paolo em obras para a Copa do Mundo de 1990.
No segundo tempo, o brilhantismo de Maradona originou mais uma grande jogada. O argentino deu um passe em profundidade nas costas da defesa para Careca, que cruzou na medida para Andrea Carnevale testar de peixinho e carimbar a trave. Aos 60, depois de uma cobrança de escanteio, o Pibe levantou na área e, dessa vez, a cabeçada do centroavante foi letal. No fim do jogo, Giancarlo Corradini ainda efetuou um corte preciso para evitar que o Bayern diminuísse e garantiu o triunfo por 2 a 0 dos partenopei. Um importantíssimo resultado para o confronto de volta, em Munique.
Após duas semanas de espera, o Bayern tentaria reverter o resultado para garantir a vaga na final e teria o apoio de mais de 73 mil torcedores no Olympiastadion. Primeiro, esse grande público presenciou foi um show à parte de Maradona. Confiante como sempre, o camisa 10 chamou a bola para dançar e exibiu toda habilidade durante uma rotina de aquecimento que entrou para a história. Parecendo um acrobata de circo, o argentino bailou ao som de Live is Life, da banda austríaca Opus, e quebrou todo o gelo ao dar, novamente, segurança aos seus companheiros e adicionar um novo elemento à batalha psicológica com os alemães. A extroversão do craque era a antítese perfeita do comedimento de Bianchi, que precisaria lidar com a ausência de Carnevale no duelo.
Precisando do resultado, o time da casa começou pressionando – ainda que não contasse com Thon, suspenso. A primeira chance apareceu quando Ludwig Kögl cruzou da esquerda e Wohlfarth se antecipou para cabecear com perigo, à direita da baliza de Giuliani. Aos 6 minutos, o arqueiro napolitano foi fundamental ao voar no cantinho e espalmar uma testada bem colocada de Jürgen Wegmann. A resposta dos italianos, claro, saiu dos pés de Maradona: numa cobrança de falta magistral, El Diez obrigou Aumann a se atirar e se enrolar nas suas próprias redes para evitar o gol.
Aos 19 minutos, pouco depois de Wohlfarth desperdiçar uma grande oportunidade cara a cara com Giuliani, Maradona chegou a anotar um gol de cabeça, aproveitando cruzamento de Careca, mas a arbitragem conduzida pelo escocês David Syme assinalou impedimento. Frenético, o primeiro tempo ainda teve mais uma ótima defesa de Giuliani, que impediu que a tabela entre Stefan Reuter e Nachtweih terminasse com o tento do lateral dos Roten.
No início do segundo tempo, Massimo Crippa poderia ter aberto o placar, mas não teve a calma necessária para aproveitar o escorregão de Aumann e chutou em cima do arqueiro. Acabou não fazendo falta, já que, aos 61, a dupla de craques do Napoli mostrou que estava afiada e jogando no mesmo tom. Augenthaler recuou para Nachtweih, que cometeu erro grosseiro e furou na frente de Maradona; o argentino roubou a bola e só rolou para Careca, que acompanhava o lance, estufar as redes e levar à loucura os mais de 15 mil torcedores azzurri que viajaram até o sul da Alemanha. Nem mesmo o empate imediato de Wohlfarth, que se valeu da falha de Giuliani para marcar, esmoreceu os visitantes. Afinal, o Bayern precisaria marcar mais três vezes para avançar.
O desespero dos bávaros, aliás, deixava generosos espaços para o Napoli. E, como as estrelas de Maradona e Careca estavam brilhando mais forte que todo o time alemão, o gol não demorou a sair, em contra-ataque. Nachtweih errou um passe simples em campo de ataque, Crippa interceptou e só lançou o craque argentino, que inverteu de primeira para o colega brasileiro. O camisa 9, que havia perdido uma chance clara minutos antes, dessa vez não desperdiçou: bateu rasteiro e venceu Aumann.
Àquela altura, o Bayern precisava marcar cinco gols para eliminar o Napoli – que, a bem da verdade, já tinha os dois pés na final. Reuter chegou a empatar com um chute de bico, mas foram os azzurri que tiveram a chance mais cristalina nos derradeiros minutos. Antonio Carannante ficou cara a cara com Aumann e ciscou várias vezes, sem saber o que fazer. Acabou concluindo em cima do arqueiro e impediu o time campano de retornar à Itália com uma vitória imponente na bagagem. A classificação, porém, estava assegurada.
E não era qualquer classificação: era um feito histórico, visto que o Napoli jamais havia disputado uma final de competição europeia. Mais tarde, a trajetória do time de Bianchi, Maradona, Careca e grandes coadjuvantes terminaria com a glória, em Stuttgart, na coroação de um clube que, anos antes, apenas podia sonhar com títulos da envergadura do scudetto e da Copa Uefa. Naquele momento, podia brigar por eles e, ainda por cima, levantá-los.
Napoli 2-0 Bayern de Munique (ida)
Napoli: Giuliani; Ferrara, Renica, Corradini; De Napoli, Fusi, Alemão, Francini; Maradona (Carannante); Carnevale, Careca. Técnico: Ottavio Bianchi.
Bayern de Munique: Aumann; Reuter, Augenthaler, Johnsen (Grahammer); Nachtweih, Flick, Dorfner, Kögl; Thon; Ekström (Eck), Wohlfarth. Técnico: Jupp Heynckes.
Gols: Careca (41’) e Carnevale (60’)
Árbitro: Michel Vautrot (França)
Local e data: estádio San Paolo, Nápoles (Itália), em 5 de abril de 1989
Bayern de Munique 2-2 Napoli (volta)
Bayern de Munique: Aumann; Nachtweih (Johnsen), Flick (Ekström), Augenthaler, Pfügler; Reuter, Eck, Dorfner, Kögl; Wegmann; Wohlfarth. Técnico: Jupp Heynckes.
Napoli: Giuliani; Corradini, Ferrara, Renica, Francini; De Napoli (Carannante), Fusi, Alemão (Bigliardi), Crippa; Maradona; Careca. Técnico: Ottavio Bianchi.
Gols: Wohlfarth (63’) e Reuter (81’); Careca (61’ e 76′)
Árbitro: David Syme (Escócia)
Local e data: Olympiastadion, Munique (Alemanha), em 19 de abril de 1989