Quando falamos sobre duelos entre Itália e Coreia do Sul, a primeira ideia que costuma surgir na mente dos amantes de futebol é o jogo apitado pelo equatoriano Byron Moreno na Copa do Mundo de 2002. Naquela ocasião, a Squadra Azzurra perdeu para a anfitriã graças ao gol de ouro e, também, pelos numerosos erros de arbitragem que fizeram a partida ser considerada como uma das mais polêmicas da história da competição. É verdade que tudo o que ocorreu na cidade de Daejeon gerou dissabores entre italianos e sul-coreanos, mas a animosidade que instiga essas seleções já havia dado as caras em 1986, quando europeus e asiáticos realizaram um confronto violento no Mundial do México.
Em 1986, o jogo era válido pela última rodada da fase de grupos e as duas seleções tinham chances de se classificar para as oitavas de final. Então campeã, a Nazionale de Enzo Bearzot, comandante do tri, vinha de empates contra Argentina e Bulgária, enquanto os asiáticos haviam perdido para os portenhos e arrancado um pontinho dos búlgaros. Em condições normais, poderia ser um compromisso qualquer um para os azzurri, mas a Coreia era um fantasma que assombrava a Itália.
Na única vez em que enfrentara uma adversária coreana em toda a história, a Itália havia protagonizado o seu maior vexame numa Copa do Mundo. Em 1966, exatos 20 anos antes da partida que ocorreria em Puebla, no México, a Nazionale foi derrotada clamorosamente pela Coreia do Norte e deu adeus ao Mundial de 1966, realizado na Inglaterra. O terceiro e, até o fechamento deste texto, último duelo contra uma das Coreias foi exatamente o de 2002, citado anteriormente. Como os demais confrontos, o primeiro com os Guerreiros de Taegeuk, e segundo na linha do tempo, foi cercado por fortes emoções.
O jogo no estádio Cuauthémoc foi para lá de violento e quase teve confusão na primeira etapa, muito porque o árbitro estadunidense David Socha demorou a tirar os cartões do bolso. Para se ter uma ideia, a partida foi encerrada com 48 faltas, sendo 14 feitas pelos italianos e 34 pelos sul-coreanos, que eram conhecidos como uma seleção que não se furtava a golpear os adversários. Ao todo, seis cartões amarelos foram mostrados – três para cada lado.
O jogo mal havia começado quando, na saída de bola, Salvatore Bagni achou Antonio Di Gennaro na grande área. O meia do Verona ficou cara a cara com o goleiro Oh Yun-kyo, mas perdeu a passada e se estatelou no chão na hora de chutar, por não alcançar a pelota. Poucos minutos depois, em cobrança de falta ensaiada, Bruno Conti chegou à linha de fundo e cruzou para Alessandro Altobelli, que cabeceou por cima do travessão.
A Itália era superior na partida e em mais uma bola aérea, Antonio Cabrini cabeceou e Oh Yun-kyo buscou no ângulo para encaixar. A situação começou a esquentar entre os jogadores quando Bagni, numa roubada de posse, deixou o braço em Cho Kwang-rae. Em seguida, após o árbitro mandar seguir, Conti sofreu um carrinho pesado. Dali em diante, as discussões entre sul-coreanos e italianos se tornaram habituais.
O primeiro lance de grande perigo por parte dos sul-coreanos aconteceu aos 15, quando Cho Kwang-rae engatou contra-ataque e arriscou de média distância, assustando Giovanni Galli. Três minutos depois, Conti tentou jogada e caiu na área; na sequência, a bola sobrou para Di Gennaro cruzar na medida para Altobelli, que havia marcado os dois gols da Itália na Copa até então. O artilheiro da Inter, com muita categoria, matou no peito e teve a tranquilidade para esperar Oh Yun-kyo se atirar ao chão e dar um toque sutil por cima do goleiro, abrindo o placar com uma espertíssima cavadinha.
Após o gol, Kim Joo-sung deixou o braço em Fernando De Napoli e recebeu o primeiro cartão amarelo do jogo. O restante da etapa inicial foi de considerável pancadaria e de pouquíssimas chances criadas. Aos 33 minutos, Bagni arrancou e escapou de duas faltas, mas não conseguiu se livrar de Huh Jong-moo, ex-volante do PSV Eindhoven, que chegou pesado. Quando se levantou, o meia do Napoli empurrou o rosto do sul-coreano, que também caiu no gramado. O árbitro Socha precisou intervir para conter o princípio de confusão que havia sido criado.
Quando o primeiro tempo ia se aproximando do seu fim, a Coreia do Sul chegou pela segunda vez com muito perigo. Após bola cruzada, Byun Byung-joo perdeu uma ótima oportunidade para empatar ao cabecear para fora. Em seguida, Cabrini levantou para Altobelli, que sofreu um leve tranco de Huh Jong-moo e teve pênalti para cobrar. No entanto, o camisa 18 da Itália acertou a trave.
Na volta do intervalo, a Itália continuou a se mostrar superior e, já aos 50 minutos, após escanteio, Fulvio Collovati viu seu voleio ser salvo, em cima da linha, pela defesa sul-coreana. A bola continuou com a Nazionale e, na sequência, Bagni arriscou da entrada da área, tirando tinta do travessão.
Porém, indo contra o roteiro do jogo, aos 62 minutos, a Coreia do Sul empatou – mesmo que seu principal nome, Cha Bum-kun, do Bayer Leverkusen, vivesse tarde apagada. Choi Soon-ho recebeu na quina esquerda da grande área italiana, puxou para perna direita e, depois de cortar Collovati e o capitão Gaetano Scirea, acertou um forte chute, sem chances de defesa para Galli. Após sofrer o empate, a Squadra Azzurra se acendeu novamente no duelo e De Napoli quase ampliou, em arremate de média distância. Em crescimento, os italianos matariam o confronto pouco depois.
Aos 73 minutos, Conti cobrou falta em jogada ensaiada, lançando Altobelli na área. O atacante não conseguiu dominar direito, no meio da zaga sul-coreana, e se enrolou com os asiáticos e o colega Giuseppe Galderisi num bate-rebate. Só que a bola costuma buscar os artilheiros e, na sobra, Sandro chutou de biquinho para colocar nas redes e chegar a seu quarto gol na Copa do Mundo.
Não demorou muito e a equipe de Bearzot fez mais um. Aos 82 minutos, De Napoli tabelou com Galderisi, chegou à linha de fundo após e cruzou rasteiro, buscando Altobelli, Cho Kwang-rae tentou cortar de carrinho, mas a bola tocou no seu braço e acabou em suas próprias redes. Aos 89, depois de falta cobrada na área, Huh Jung-moo recebeu passe nas costas de um desatento Cabrini e, contando com o escasso tempo de reação de Galli, diminuiu. Ficou nisso: 3 a 2 para os azzurri e hematomas para dar e vender.
Na Itália, a sensação era de certo alívio. Afinal, a seleção havia conseguido vencer os sul-coreanos e se classificar, mas havia jogado mal em todas as partidas da fase de grupos. Na defesa, até Scirea não atravessava os seus melhores dias e apenas Pietro Vierchowod convencia, enquanto Galli vinha sendo extremamente contestado pelas falhas nos gols da Argentina e da Bulgária – além de, segundo a imprensa da época, ser visto com desconfiança pelos seus próprios companheiros. Do meio para frente, só Altobelli, autor de quatro tentos, era poupado de críticas.
Havia um crescente temor de que a Nazionale não conseguiria ir além das oitavas de final, já que tinha muitos problemas e enfrentaria uma adversária fortíssima: a França de Michel Platini, Alain Giresse, Jean Tigana, Dominique Rocheteau e tantos outros. Para a imprensa e grande parte da torcida, Bearzot havia errado em rechear a lista de convocados com muitos campeões de 1982 que já estavam em fim de carreira – 10 dos 22 chamados haviam disputado a Copa anterior.
Dito e feito. No dia 17 de junho, mesmo após uma semana inteira de descanso, a envelhecida geração azzurra perdeu por 2 a 0 para a França e encerrou o ciclo de Bearzot e de vários atletas na Nazionale. Por linhas tortas, foi aberto o espaço para novos talentos levarem a Itália ao terceiro lugar na Copa de 1990, disputada em solo italiano.
Coreia do Sul 2-3 Itália
Coreia do Sul: Oh Yun-kyo; Park Kyung-hoon, Cho Young-jeung, Chung Yong-hwan; Byun Byung-joo (Kim Jong-boo), Cho Kwang-rae, Huh Jong-moo, Park Chang-sun; Kim Joo-sung (Chung Jong-soo), Choi Soon-ho, Cha Bum-kun. Técnico: Kim Jung-nam.
Itália: Galli; Collovati, Vierchowod, Scirea, Carbini; Di Gennaro, De Napoli, Bagni (G. Baresi); Conti, Galderisi (Vialli); Altobelli. Técnico: Enzo Bearzot.
Gols: Choi Soon-ho (62′) e Huh Jung-moo (83′); Altobelli (17′ e 73′) e Cho Kwang-Rae (contra; 82′)
Cartões amarelos: Joo-Sung, Kyung-Joon, Young-Jeung, Bagni, Scirea, Vierchowod
Árbitro: David Socha (Estados Unidos)
Local e data: estádio Cuauhtémoc, Puebla (México), em 10 de junho de 1986