Se a fantástica Juventus que vimos em campo na década de 2010 ostentou uma hegemonia de conquistas consecutivas e ampliou a vantagem como maior detentora de títulos da Itália, é porque no passado alguns grandes jogadores ajudaram a construir a sua reputação. Boa parte deles entrou para a galeria de ídolos do clube pela qualidade técnica, mas outros ganharam o convite por conta de sua dedicação. Com cara e jeitão de ogro, Antonello Cucureddu é, provavelmente, o “malvado favorito” da torcida bianconera.
Cuccureddu jogou na Juve entre 1969 e 1981. No entanto, antes de se tornar bandeira de um dos maiores clubes da Itália, teve de ralar bastante. Antonello nasceu no seio de uma família humilde de Alghero, no litoral da Sardenha. Seu pai era presidente de uma equipe amadora do bairro, a Rinascita, e foi por lá que Cuccu começou a jogar. Aos 17 anos, foi notado pelo Fertilia, time da cidade que disputava a oitava divisão. Após conquistar o acesso no grupo sardo da categoria, o jogador acertou com a Torres, segunda maior agremiação da região depois do Cagliari.
Adquirido por 2 milhões de velhas liras pela equipe de Sassari, Cuccureddu disputou a Serie C 1967-68 como meio-campista, sua posição de origem. A Torres fez um campeonato razoável e o jovem jogador se valorizou bastante, a ponto de chamar a atenção do Brescia e ser contratado por 30 milhões. A equipe biancoazzurra tinha acabado de ser rebaixada para a segunda divisão e Cuccu aproveitou o contexto para deslanchar: quase sempre escalado como titular pelo técnico Arturo Silvestri, o garoto contribuiu ativamente para o vice-campeonato e o consequente imediato retorno dos andorinhas à elite.
Cuccu ficou na Lombardia para a disputa da Serie A, mas sua permanência nas fileiras do Brescia duraria pouco tempo. A Juventus já havia arquitetado com a diretoria bresciana um acordo informal pela opção de compra do jogador sardo, que já estava no radar da seleção sub-21, mas em setembro de 1969 os bianconeri decidiram antecipar a sua contratação, antes mesmo de o campeonato começar.
Naquela época, a Coppa Italia tinha uma fase de grupos que acontecia antes de a Serie A ter a sua largada. Calhou de, na edição 1969-70, o sorteio colocar Brescia e Juventus na mesma chave. No duelo entre as equipes, em Turim, Cuccureddu marcou com perfeição o veterano Luis del Sol e impressionou o técnico Luis Carniglia, que pediu a contratação do jovem aos cartolas. Dessa forma, o time piemontês pagou a soma de 350 milhões de liras e fechou com Antonello. Ao vestir a camisa bianconera, Cuccu realizava um sonho de infância: desde menino era torcedor da Velha Senhora.
Quis o destino que Cuccureddu estreasse na Juventus na Sardenha, diante do Cagliari. No mesmo jogo, o meia ainda marcou o primeiro de seus 39 tentos pela Velha Senhora, dando números finais à partida (1 a 1) e ajudando o time a não cair mais ainda na tabela. Nos primeiros momentos em Turim, Antonello se ambientava, conseguia espaço na seleção sub-21, mas a agremiação enfrentava dificuldades – que incluíram até mesmo o afastamento do técnico Armando Picchi por uma doença que acabou levando à sua morte, em 1971.
Sob o comando de Cestmír Vycpálek, pouco a pouco a Juve entrou nos trilhos. Em 1971 foi vice-campeã da Copa das Feiras e, na sequência, foi bicampeã nacional – além de, em 1973, ter ficado com a segunda posição na Coppa Italia e na Copa dos Campeões. Cuccu não era titular com o treinador checo, mas no mesmo ano em que a equipe quase conquistou a tríplice coroa, se revelou importantíssimo. Na última rodada da Serie A, marcou o gol mais importante de sua carreira, com um tirambaço da entrada da área: contra a Roma, em pleno Olímpico, a Juve conseguia a virada aos 87 minutos e, com o triunfo por 2 a 1, estamparia no peito o décimo quinto scudetto de sua história.
O gol decisivo reposicionou Cuccureddu no elenco da Juventus. Com mais respaldo com Vycpálek, o sardo ganhou a titularidade da equipe e se tornou tão importante que foi nomeado pelo técnico como batedor oficial de pênaltis bianconero. A Juve acabou como vice-campeã italiana em 1974, dois pontos abaixo da Lazio, mas Cuccu teve sua temporada mais prolífica: anotou 12 gols (cinco de pênalti) e só perdeu a artilharia do time para o atacante Pietro Anastasi.
Afirmado, Antonello Cuccureddu se manteve no time titular também sob o comando de Carlo Parola, que ficou na Juventus entre 1974 e 1976. No biênio em que foi treinado pelo ex-zagueiro, Cuccu foi mais uma vez campeão italiano e se tornou, definitivamente, um coringa.
Numa época em que não havia numeração fixa e em que o número estampado nas costas do jogador indicava o seu posicionamento em campo, Cuccureddu chegou a entrar em campo com sete algarismos diferentes numa mesma campanha. Em 1975-76, jogou como lateral-direito (2), lateral-esquerdo (3), líbero ou volante (4), ala pela direita (7), meia central (8 e 10) e ala pelo flanco canhoto (11).
A versatilidade rendeu ao meio-campista, em 1975, a sua primeira convocação para a seleção italiana. Enzo Bearzot manteve Cuccureddu em seu radar nos anos seguintes e não poderia ser diferente, já que o bianconero, então com 26 anos, alcançou a sua maturidade em um dos maiores times da história da Juventus: aquele montado por Giovanni Trapattoni.
Cuccureddu fez parte da geração que, logo no ano de estreia de Trap, conquistou o primeiro troféu continental bianconero – a Copa Uefa 1976-77, vencida sobre o Athletic Bilbao. No caminho para a taça, a Juventus também deixou para trás Manchester City, Manchester United, Shakhtar Donetsk, Magdeburgo e AEK. Antonello marcou dois gols nas quartas, diante dos alemães, e um nas semifinais, contra os gregos. A temporada ainda terminou com mais um scudetto para a Velha Senhora; o quarto de Cuccu.
A temporada 1978-79 foi bastante cansativa para Cuccureddu e todo o time da Juventus, já que Bearzot havia apostado no chamado “bloco juventino” na expedição à Argentina. Como boa parte do elenco teve férias reduzidas, a situação física dos principais jogadores do grupo acabou comprometida e a Juve teve dificuldades de se impor. Ainda assim, a equipe faturou uma Coppa Italia.
Cuccu ficou na Juventus até 1981, quando se despediu com o sexto scudetto de sua carreira. Com quase 32 anos de idade, começaria a perder espaço na equipe para jogadores mais jovens em todas as funções que ocupava: na ala, Pietro Fanna despontava, no centro do meio-campo, a Juve tinha Domenico Marocchino e Massimo Bonini. Com Claudio Gentile no setor direito da defesa e Michel Platini e Liam Brady na criação não era necessário improvisar ninguém. Com isso, Cuccureddu se despediu da agremiação de Turim com 438 partidas e 39 gols anotados: acertou com a Fiorentina.
Na primeira temporada em Florença, Cuccureddu se viu envolvido numa disputa ponto a ponto pelo scudetto contra sua antiga equipe. Juve e Fiorentina chegaram empatadas à última rodada, mas enquanto o time de Turim venceu, a equipe violeta tropeçou contra o Cagliari – e o gol mal anulado de Francesco Graziani gera discussões acaloradas até hoje. Cuccu, porém, atuou poucas vezes naquela temporada e nas duas subsequentes na Toscana, já que se viu às voltas com lesões nas costas.
Cuccureddu não tinha a mesma mobilidade de antes devido aos problemas físicos, mas se recusava a parar de jogar. Em fim de contrato com a Fiorentina, o sardo tentou dar sobrevida à carreira no Novara, então na Serie C2, mas não conseguiu sequência. Depois de apenas 22 partidas na quarta divisão pela equipe piemontesa, Antonello decidiu se aposentar, com quase 36 anos.
Após se aposentar como jogador, Cuccureddu ficou cinco anos afastado do futebol, mas em 1990 voltou ao mundo do esporte como treinador. O clube que lhe abriu as portas para a nova carreira foi aquele em que foi mais feliz: a Juventus. O sardo ficou nas categorias de base do clube bianconero por cinco temporadas e conquistou os três títulos sub-19 mais importantes do país – a Copa Viareggio, o Campeonato Primavera e a Coppa Italia Primavera, nos quais contou com Alessandro Del Piero no elenco.
Em 1997, Cuccureddu passou a treinar equipes profissionais, mas nem de longe teve o mesmo sucesso que alcançou como atleta. Antonello passou por diversas equipes, mas só é realmente lembrado com carinho pelas torcidas de Crotone e Grosseto, clubes que conseguiu colocar, pela primeira vez na história, na Serie B – o que ocorreu, respectivamente em 2000 e 2007.
Em 2014, Cuccu se aposentou do futebol e voltou a viver na Sardenha. Três anos depois, voltou às manchetes através das páginas policiais: foi investigado por um esquema de fraude em licitações que culminou na detenção e na renúncia do vice-prefeito de Alghero. O ex-futebolista chegou a ser impedido de deixar a cidade em que nasceu sem autorização judicial, mas, mais tarde, foi inocentado.
Antonello Cuccureddu
Nascimento: 4 de outubro de 1949, em Alghero, Itália
Posição: lateral-direito e meio-campista
Clubes como jogador: Fertilia (1966-67), Torres (1967-68), Brescia (1968-69), Juventus (1969-81), Fiorentina (1981-84) e Novara (1984-85)
Títulos como jogador: Serie A (1972, 1973, 1975, 1977, 1978 e 1981), Copa Uefa (1977) e Coppa Italia (1979)
Clubes como treinador: Juventus (1990-95; juvenis), Acireale (1997-98), Ternana (1998), Crotone (1999-2001), Al-Ittihad-LIB (2002-03), Avellino (2004-05), Torres (2005-06), Grosseto (2006-07 e 2013-14), Perugia (2007-08 e 2008), Pescara (2009-10) e Alghero (2013)
Títulos como treinador: Copa Viareggio (1994), Campeonato Primavera (1994), Coppa Italia Primavera (1995), Serie C1 (2000 e 2007) e Supercopa da Serie C1 (2007)
Seleção italiana: 13 jogos
Fez boa Copa em 78