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O Maestro encerra a sinfonia: a brilhante carreira de Andrea Pirlo

6 de novembro de 2017 é uma data de luto para o futebol, especialmente o italiano. Afinal, nesta tarde, Andrea Pirlo anunciou oficialmente sua aposentadoria e não mais veremos sua mágica pelos gramados. Um dos poucos jogadores que teve o prazer de vestir as camisas dos principais times da Itália, Pirlo talvez tenha sido o maior exemplo de jogador que entra em campo sob o som de música erudita, vestido com um terno de grife e com uma taça de um caro vinho em mãos – não à toa, recebeu durante sua longa carreira apelidos como Maestro, Professor, Arquiteto ou Mozart. Por onde passou, foi um líder silencioso, que falava com os pés, segundo Marcello Lippi.

Ao contrário de tantos craques, Pirlo não começou sua carreira futebolística nos grandes centros. Nascido em uma família ligada à siderurgia e estabelecida há séculos na região de Brescia, desde cedo Andrea mostrava talento para o esporte. Após girar por escolinhas da cidade da Lombardia, chegou às categorias de base do Brescia aos 13 anos, em 1992, onde começou jogando de atacante. Com o passar do tempo, ele teve de recuar alguns metros no gramado, para deixar de ser um promissor atacante de técnica apurada e se transformar num dos pilares de uma geração italiana.

Destaque do time juvenil do Brescia, Pirlo estreou na Serie A aos 16 anos, no campeonato 1994-95 – até hoje é o mais jovem a ter entrado em campo pela equipe. Andrea venceu a Copa Viareggio em 1996, com a equipe Primavera, e começou a fazer parte do elenco principal das andorinhas a partir daquele ano. Após ajudar a equipe a subir para a primeira divisão e se destacar na elite durante a temporada 1997-98, o jovem de 19 anos acabou negociado com a Internazionale.

Até hoje os interistas se ressentem quando precisam assumir que Pirlo já passou pelo clube, afinal o craque foi muito mal aproveitado em La Pinetina. O bresciano ainda atuava mais avançado no meio-campo, mas os treinadores da Inter no período, no entanto, não perceberam o potencial daquele jovem, que foi emprestado duas vezes para conseguir minutos em campo. Primeiro, Pirlo foi cedido à Reggina para disputar seu primeiro torneio como protagonista de um time.

Pirlo em campo com a camisa da Inter: raro momento (Allsport)

Após um ano, voltou para Milão e nem mesmo as excelentes atuações pela seleção sub-21 (campeã europeia da categoria com dois de Pirlo na final) e na Olimpíada de 2000 lhe abriram as portas: continuou sem chances no primeiro semestre da temporada 2000-01 – no total, foram 20 jogos nas duas passagens. Acabou de novo emprestado, agora ao Brescia que havia o revelado.

Para conseguir jogar ao lado de Roberto Baggio, foi recuado por Carlo Mazzone para a posição na qual atua até hoje. Foram apenas dez jogos no returno da Serie A. O suficiente para a Inter decidir não apostar em seu futebol – e o Milan investir. Em um negócio que mais tarde entraria na lista dos mais surreais da história do futebol, Pirlo foi trocado pelo croata Drazen Brncic e uma soma em dinheiro e acabou no Milan. Ao encontrar o técnico Carlo Ancelotti, o meia deu o salto de qualidade em sua carreira.

O primeiro ano foi duro para Pirlo, que passou longe de convencer. Só depois de uma temporada completa e várias especulações sobre mais uma negociação na janela de transferências é que conseguiu se afirmar. Aproveitando-se das lesões de Massimo Ambrosini e Gennaro Gattuso, passou a ser aproveitado por Ancelotti na mesma posição em que jogava no Brescia.

Virou titular absoluto e ídolo, fazendo com que o Milan se confirmasse com o 4-3-1-2 que manteve por tantos anos, com ele à frente da defesa ao lado de Gattuso e Clarence Seedorf, enquanto Rui Costa ficava na armação. Mais recuado, Pirlo pode usufruir de sua enorme visão de jogo e de seu senso tático para ser o cérebro rossonero. Assim, se tornou protagonista do Diavolo por uma década.

Por quase uma década, Pirlo foi um dos jogadores mais emblemáticos do Milan de Ancelotti (AFP/Getty)

Com esse meio-campo, o Milan conseguiu o título da Liga dos Campeões, em 2003. Pirlo tornou-se “um Zico à frente de sua defesa”, nas palavras de Carlos Alberto Parreira. Com o Milan, o bresciano ainda venceria outra Liga dos Campeões, em 2007, além de um Mundial de Clubes, uma Coppa Italia, uma Supercoppa e um título da Serie A.

Pirlo também alcançou a seleção, depois da decepção na Copa do Mundo de 2002: o Maestro não disputou o Mundial, pois ainda defendia a sub-21, e só foi chamado após a competição. Na seleção italiana, à qual chegou aos 23 anos pelas mãos de Giovanni Trapattoni, só conseguiu se transformar de vez em titular durante a Euro 2004. No mesmo ano, ainda participou dos Jogos Olímpicos pela segunda vez e ajudou a Itália a ficar com o bronze.

Vestindo azzurro, o meia teve suas melhores prestações durante a Copa do Mundo seguinte, na Alemanha, com direito a um golaço na estreia contra Gana e mais duas ótimas assistências, uma na semifinal e outra na final – não à toa, foi eleito o melhor em campo nas três partidas. Seu ritual antes dos jogos que valeram o tetracampeonato para a Itália, em 2006? Uma bela soneca e uma jornada de PlayStation.

Após a saída de Ancelotti do Milan, em 2009, Pirlo acabou ficando mais dois anos no clube, mas sem exercer o mesmo papel de destaque, principalmente na última temporada: os rossoneri foram campeões italianos, mas o regista sofreu com as lesões e foi pouco utilizado. Após 10 anos de casa, Andrea acabou descartado por Massimiliano Allegri e se transferiu gratuitamente para a Juventus, clube em que também foi ídolo. À época da transação, Pirlo se tornou o décimo jogador com passagens pelos três gigantes do futebol italiano.

Com a seleção, Pirlo foi tetracampeão mundial e vice europeu (AFP/Getty)

Pirlo chegou desacreditado após problemas físicos, mas sob o comando de Antonio Conte cresceu ainda mais e viveu alguns dos melhores momentos de sua longa carreira: envelheceu tão bem quanto os vinhos que produz na vinícola de sua família, em Brescia. O regista foi central para os quatro primeiros títulos da dinastia vencedora da Velha Senhora, hexacampeã italiana.

No ano de estreia em Turim, Pirlo foi responsável por 13 assistências e três gols na campanha que reergueu uma Juve que andava com moral em baixa, nos anos pós-Calciopoli. Nas temporadas seguintes, o meio-campista marcou cinco e seis gols, todos de falta. O talento e a precisão nas bolas paradas sempre compuseram seu leque de características fundamentais, mas Pirlo foi capaz de melhorar no quesito no final de sua carreira. A partir de 2005, passou a cobrar faltas inspirado em Juninho Pernambucano (ao contrário do brasileiro, Pirlo cobra usando o peito do pé, não de trivela), e se aprimorou nos últimos anos em Milão e na passagem pelo Piemonte. Dessa forma, conseguiu alcançar o recorde de maior número de gols de falta na Serie A: são 28, ao lado de Sinisa Mihajlovic.

Em sua última temporada pela Juventus, Pirlo voltou a encontrar Allegri, com quem não havia se entendido. Se no Milan o treinador não encontrava lugar para o regista, na Velha Senhora, Andrea continuou ocupando papel de protagonista. Em 2014-15, o eterno camisa 21 faturou a dobradinha nacional, com as conquistas da Serie A e da Coppa Italia, mas, graças ao Barcelona, amargou o vice da Liga dos Campeões.

Enquanto esteve na Juventus, Pirlo também foi peça-chave da gestão de Cesare Prandelli à frente da Nazionale, com a qual foi vice-campeão europeu em 2012 e terceiro colocado na Copa das Confederações de 2013. O regista também fez parte da péssima campanha azzurra no Mundial de 2014, no qual a Itália repetiu 2010 e caiu na fase de grupos. Na seleção, chegou a 116 partidas e se tornou o quarto jogador com mais presenças com a camisa azul.

Na fase final da carreira, Pirlo foi amado pelos juventinos (Getty)

Ao fim de seu contrato com a Juve, Pirlo decidiu se aventurar na MLS e aproveitou o final da carreira no New York City, treinado por Patrick Vieira. Em três anos de Estados Unidos, não ganhou nada e só marcou um gol, embora tenha sido responsável por 11 assistências em 2016. Após problemas físicos no último ano, decidiu se aposentar, aos 38 anos.

Durante os mais de 20 anos de carreira, Pirlo colecionou títulos, mas também prêmios individuais: as prateleiras de sua casa estão abarrotadas de honrarias. O italiano ficou quatro vezes entre os 10 primeiros da Bola de Ouro (sua melhor colocação foi o quinto lugar, em 2007) e foi o Bola de Bronze da Copa do Mundo (2006), integrando ainda a seleção do torneio.

Pirlo também foi eleito para as seleções da Uefa (2012 e 2015), da Euro (2012) e da Serie A (2012, 2013, 2014 e 2015). Para terminar a lista, o meia foi escolhido como o melhor jogador da Serie A em três anos seguidos (2012, 2013 e 2014) e foi homenageado com um Prêmio Scirea (2013), concedido por seus feitos durante a carreira. Parece muito, mas tudo isso é pouco para definir um gênio.

Andrea Pirlo
Nascimento: 19 de maio de 1979, em Flero
Posição: meio-campista
Clubes: Brescia (1994-98 e 2001), Inter (1998-99 e 2000), Reggina (1999-2000), Milan (2001-11), Juventus (2011-15) e New York City FC (2015-17)
Títulos: 6 Serie A (2004, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015), 2 Coppa Italia (2003 e 2015), 3 Supercopas Italianas (2004, 2012 e 2013), 2 Ligas dos Campeões (2003, 2007), 2 Supercopas Uefa (2003, 2007), 1 Mundial de Clubes (2007), 1 Serie B (1997), 1 Europeu Sub-21 (2000), 1 Copa do Mundo (2006), Bronze Olímpico (2004)
Seleção italiana: 116 jogos, 13 gols

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1 Comentário

  • Esse cara é um dos jogadores mais “classudos” que conheci no pequeno tempo que acompanho futebol (desde de 2002). Gosto muito do Milan, principalmente com aquele meio-campo mágico – Gennaro Gattuso, Massimo Ambrosini, Clarence Seedorf, ANDREA PIRLO, Ricardo Kaká e Rui Costa. Uma geração excelente do gigante Milan.
    Na Juventus, ele continuou toda a sua classe e sempre será fonte de história para os meus filhos, como o Ronaldinho Gaúcho no quesito magia. Grande craque e maestro!

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