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A breve passagem de Fernando Torres pelo Milan foi um fiasco retumbante

Aos 35 anos, o atacante Fernando Torres anunciou aposentadoria do futebol no dia 21 de junho de 2019. Um dos centroavantes mais letais deste século, “El Niño” teve uma grande carreira. Atingiu brilhantes marcas pessoais, ganhou os maiores títulos por clubes e pela seleção espanhola, esteve entre os três melhores jogadores do mundo, virou ídolo nacional e internacional. Porém, em baixa na carreira, o atleta topou reforçar o Milan, em 2014, e fracassou.

Em entrevista coletiva, realizada no Japão, dois dias depois do anúncio de que pararia de jogar, Torres lamentou sua rápida passagem por Milão. “(…) e quando me transferi para o Milan, que era um clube que eu adorava desde criança, acho que não era o momento certo para mim e para eles”, admitiu. “Mas, por ido para o Milan, eu voltei ao Atlético [de Madrid], que é o clube do meu coração e o clube que eu amava”, concluiu o espanhol, xodó da torcida colchonera.

Natural de Fuenlabrada, município a 20km da capital Madri, Torres começou a se interessar pelo esporte bem cedo. Logo aos quatro anos já demonstrava desejo pela bola de futebol. É verdade que a família dele ajudou a impulsionar sua paixão pela prática, mas o anime japonês “Super Campeões” alimentou ainda mais sua fome por futebol. Fernando sonhava em ser Oliver Tsubasa, craque da animação. “Eu comecei a jogar futebol por causa desse desenho e porque meu irmão me forçou, já que eu amava o desenho”, explicou, em entrevista ao site oficial do Chelsea, em 2014.

Com cinco anos, Fernando disputou seu primeiro torneio amador de futebol, realizado no município em que morava. Ele gostava de ser goleiro, mas mudou de ideia depois que uma bolada na cara lhe quebrou alguns dentes. Já como atacante (ou melhor, pivô), o jovem jogou futsal por três anos. Em 1995, aos 11, chamou a atenção de olheiros e ingressou nas categorias de base do Atlético de Madrid.

Até sua escalada ao time principal do Atlético, Torres recusou uma proposta do Real Madrid, conquistou a Copa Nike, foi eleito o melhor jogador europeu sub-15, ajudou a seleção espanhola a vencer o Europeu Sub-16 e assinou seu primeiro contrato profissional aos 15 anos. O clube madrilenho rapidamente entendeu que tinha em mãos uma joia a ser lapidada. Prova disso é que, com apenas 16, Fernando já fazia parte do plantel profissional da equipe rojiblanca.

No início do milênio, o Atlético de Madrid não era considerado uma potência espanhola como é nos dias atuais. Não por acaso a agremiação entrou nos anos 2000 batalhando na segunda divisão. Entretanto, El Niño servia de alento a uma torcida fanática e ansiosa para retornar à elite. Com sobras, o centroavante magro e grandalhão provou aos torcedores que poderiam confiar nele. Em seu segundo jogo como profissional, provocou duas expulsões e marcou o gol da vitória por 1 a 0 sobre o Albacete, fora de casa, pela 40ª rodada de La Liga 2, a segundona espanhola. Detalhe: ele havia entrado em campo faltando 17 minutos para o fim da peleja.

Em 2002, o Atlético foi campeão da segunda divisão e finalmente retornou a La Liga. Daquele momento até a transação milionária ao Liverpool, Torres chegou a capitanear o time colchonero e cansou de fazer gols por sua equipe e pelas seleções da Espanha – de base até a principal. Aliás, em 2003, o bomber estreou pela Fúria, e nos anos seguintes se tornou um dos protagonistas da seleção, com a qual disputou a Eurocopa de 2004 e a Copa do Mundo de 2006.

O espanhol tentou de tudo para reerguer sua carreira na Itália, mas não deu sorte (Getty)

Cobiçado por vários clubes ingleses, entre eles Chelsea e Newcastle, Torres acertou com o Liverpool, em julho de 2007, por 27 milhões de libras, valor este que o transformou no jogador espanhol mais caro da época. O atleta era um pedido explícito do treinador Rafa Benítez, que não havia conseguido extrair o melhor de Fernando Morientes, compatriota de Torres contratado dois anos antes. No entanto, ao contrario de Morientes, El Niño se deu muito bem no Anfield.

Logo em sua primeira temporada, Torres foi o artilheiro do time, com 33 gols em 46 partidas. Devido aos 24 tentos anotados na Premier League 2007-08, ele superou Ruud van Nistelrooy como o estrangeiro que guardou mais gols em sua temporada de estreia na competição. Nessa campanha, ele fez três hat-tricks, contra Middlesbrough, West Ham e Reading. Também não passou mais do que três jogos sem estufar as redes.

O ano de 2008 foi um dos melhores de sua carreira. Fundamental na conquista da Eurocopa, marcando o gol da vitória por 1 a 0 contra a Alemanha na final, o camisa 9 do Liverpool e da seleção espanhola foi eleito pela Fifa como o terceiro melhor jogador do planeta, atrás apenas das bestas Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, que iniciavam seu reinado. Ele também marcou presença na seleção do mundo da FIFPro (2008 e 2009), da Premier League (2008 e 2009), da Euro (2008), da Uefa (2008), entre outros. As premiações individuais só aumentavam, portanto.

Se no Liverpool o centroavante ia bem, mas não ganhava troféus, na seleção da Espanha ele já conseguia juntar boas atuações com títulos. Na Copa das Confederações de 2009, realizada na África do Sul, a Fúria terminou na terceira posição, e Torres acabou escolhido para o ataque da equipe ideal do torneio. Um ano depois, na Copa do Mundo, o atacante não estava em boas condições físicas e, por isso, geralmente entrava no decorrer dos jogos. De todo modo, participou da campanha que culminou no título inédito da Espanha, que bateu a Holanda por 1 a 0 na grande decisão. Fernando passou em branco nesse Mundial.

Insatisfeito no Liverpool, Torres optou por deixar o clube em janeiro de 2011, após 81 gols, 142 jogos e nenhum título. No último dia da janela de transferências de inverno, o Chelsea pagou 58 milhões de euros aos Reds e, depois de muito tentar, finalmente conseguiu contratar o bomber. À época, o negócio quebrou o recorde de transação mais mais cara de um clube inglês.

Porém, ao contrário do que a maioria esperava, o atleta não teve dias fáceis em Stamford Bridge. Estreou contra seu ex-time, o Liverpool, foi vaiado pelos torcedores e pouco produziu. Os londrinos perderam por 1 a 0, graças ao gol do meio-campista português Raul Meireles. Torres foi balançar as redes pela primeira vez vestindo a camisa do Chelsea após jejum de 13 jogos. Provavelmente seu novo posicionamento em campo estivesse trabalhando seu desempenho: o então técnico do time, André Villas-Boas, vinha utilizando-o mais longe da área, como um segundo atacante.

O treinador português, inclusive, estava na berlinda e acabou perdendo o emprego em março de 2012. O italiano Roberto Di Matteo entrou em seu lugar. Um cargo temporário – até junho daquele ano. Contudo, o desacreditado Chelsea ganhou injeção de ânimo após a remontada sobre o Napoli, no jogo de volta das oitavas de final da Liga dos Campeões, em Londres, e foi superando as barreiras até vencer o Bayern de Munique, em plena Allianz Arena, na final. Torres, um reserva de luxo, entrava no decorrer dos jogos. Contra o Barcelona, no jogo de volta da semifinal, no Camp Nou, marcou o gol que garantiu o passaporte dos Blues à finalíssima.

Uma atuação que tirou a torcida do Chelsea do sério foi na final do Mundial de Clubes de 2012, frente ao Corinthians, no Japão. O Timão bateu a equipe inglesa por 1 a 0, gol do atacante peruano Paolo Guerrero. Os Blues não fizeram bom jogo, e, para piorar, Torres perdeu grandes chances de balançar as redes de Cássio, arqueiro corintiano. O espanhol foi massacrado por torcedores e pela mídia esportiva da Inglaterra.

Poucos meses, dez jogo e apenas um golzinho: Torres fracassou feio na Itália, numa época de vacas magras da dupla de Milão (Getty)

Apesar da má fase no Chelsea, Torres seguia fazendo história na seleção de seu país. Sagrou-se campeão da Eurocopa de 2012 e vice da Copa das Confederações de 2013. Na Euro, foi responsável por uma assistência e três gols, que o garantiram como artilheiro da Fúria no torneio. O destaque ficou por conta de sua performance na goleada por 4 a 0 diante da Itália, na final: nesse duelo, balançou as redes e deu o passe para Mata passar a régua. Na Copa das Confederações, ganhou a chuteira de ouro graças aos cinco gols anotados – quatro deles contra o frágil Haiti, na fase de grupos. Fred, do Brasil, também foi às redes cinco vezes, mas El Niño alcançou a marca antes do camisa 9 da Canarinho.

Na temporada 2012-13, Torres se redimiu com a torcida do Chelsea, sendo artilheiro do clube na triunfante campanha da Liga Europa, com seis gols em nove confrontos. Foi titular em todas as partidas que os londrinos fizeram na competição – na qual entraram no mata-mata, já que ficaram em terceiro em seu grupo na Liga dos Campeões. No entanto, o desgaste provocado por três anos e meio atuando em um nível aquém do esperado fez o Chelsea negociá-lo com o Milan. A transferência ocorreu no fim de agosto de 2014, meses depois de uma fraca exibição da Espanha na Copa do Mundo. Os espanhóis sucumbiram na fase de grupos no Mundial do Brasil.

Torres chegou ao Diavolo com a expectativa de relançar sua carreira, que estava em baixa. Em tese, tinha tudo para conseguir ter, no mínimo, um bom desempenho individual. Afinal, o elenco milanista era um dos piores desta década, já que o então presidente, Silvio Berlusconi, fechara a torneira do dinheiro havia algumas temporadas. Seus companheiros de ataque eram Jérémy Ménez, Stephan El Shaarawy, Giampaolo Pazzini, M’Baye Niang e alguns moleques da base. Com a saída do polêmico Mario Balotelli, Torres ficou encarregado de marcar os gols do time. Todavia, o bomber “flopou”.

Ao todo, Torres disputou dez jogos e estufou as redes apenas uma vez. Foi no empate em 2 a 2 com o Empoli, na Toscana: Ignazio Abate cruzou na medida, o camisa 9 cabeceou com estilo e mandou no canto direito do goleiro Luigi Sepe. Depois do embate contra a equipe treinada por Maurizio Sarri, o espanhol passou em branco oito vezes e, em janeiro de 2015, foi envolvido em uma troca com o Atlético de Madrid: Torres iria para a Espanha e Alessio Cerci faria o caminho inverso. A passagem de Fernando pelo Milan durou pouco mais de quatro meses e meio. Tornou-se mais uma vítima da camisa 9 rossonera, que não encontra um bom dono desde a aposentadoria de Filippo Inzaghi, em 2012.

Após o fiasco retumbante em Milão, Torres conseguiu reencontrar o brilho de jogar futebol no Atlético, seu clube de coração. Apresentado no Vicente Calderón para cerca de 45 mil torcedores, Torres ultrapassou a marca de 100 jogos pelo time rojiblanco, realizou três temporadas alcançando dois dígitos de partidas disputadas e gols anotados e encerrou sua segunda passagem pela equipe colchonera com o título da Liga Europa de 2017-18. Os madrilenhos bateram o Olympique de Marseille por 3 a 0, em Lyon.

Em julho de 2018, Torres se transferiu para o Sagan Tosu, do Japão. Depois de quase um ano, anunciou que pendurará as chuteiras. “A razão é pessoal. Eu sinto que, fisicamente e mentalmente, estou chegando num estágio em que não vou conseguir ter performances no nível em que eu gostaria e eu não quero estar em atividade quando chegar nesse ponto. Eu não quero olhar para trás em alguns anos e ver que joguei em um nível que não gostaria, então [decidir pela aposentadoria] foi algo fácil”, comentou o agora ex-atacante, em entrevista coletiva.

Apesar de sua apagada passagem pelo Milan e das várias lesões que prejudicaram sua condição física, Torres se firmou como um atacante brutal e deixa o futebol pela porta da frente, consagrado como um dos melhores e mais vitoriosos centroavantes de sua geração.

Fernando José Torres Sanz
Nascimento: 20 de março de 1984, em Fuenlabrada, Madri
Posição: atacante
Clubes: Atlético de Madrid (2001-07 e 2015-18), Liverpool (2007-11), Chelsea (2011-14), Milan (2014-15) e Sagan Tosu (2018-2019)
Títulos: La Liga 2 (2002), Eurocopa (2008 e 2012), Copa do Mundo (2010), Copa da Inglaterra (2012), Liga dos Campeões (2012) e Liga Europa (2013 e 2018)
Seleção espanhola: 110 jogos e 38 gols

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