“Não nasci genovês, mas sou genoano: o Genoa foi tudo para mim e sempre será”. Com essas palavras, o zagueiro Vincenzo Torrente descreveu sua relação de 15 anos com o clube mais antigo da Itália, do qual foi ídolo. Pudera: o defensor fez mais de 400 partidas com a camisa rossoblù, é um dos três jogadores que mais vezes entraram em campo pelos grifoni, e se tornou uma bandeira para a torcida lígure.
Ao salientar o fato de não ter nascido em Gênova e, ainda assim, ter se ligado tanto à equipe, Vincenzo evidencia o quanto sua vida seria diferente se não fosse o futebol. Afinal, ele é originário da pequena Cetara, uma comuna de pescadores da Costa Amalfitana, na província de Salerno. Quando criança, entre o fim dos anos 1960 e início de 1970, ele só pensava no esporte. Era o seu sonho se tornar um jogador de futebol – e também o de seu pai, que queria que ao menos um filho fosse profissional.
As primeiras lembranças que Torrente tem do futebol são as das figurinhas sobre a mesa da cozinha. Com uma tesoura, o garoto recortava os jogadores que lhe interessavam e colava no seu “time”. Vincenzo também se recorda com emoção das primeiras chuteiras, debaixo da árvore de natal. Seus primeiros chutes foram dados no time da sua província, a Cetarese, que disputava a Prima Categoria (sétima divisão nacional. Gaetano, seu pai, era o presidente. Pasquale, seu irmão mais velho, era atacante. Antes de ir a campo, porém, Vincenzo tinha uma grande missão como gandula: era o principal responsável por buscar as bolas, quando acabavam no mar. O time tinha apenas três pelotas e não podia correr o risco de perdê-las.
A Cetarese era uma grande paixão de papà Gaetano, que cuidou da pequena agremiação por 20 anos – depois, ela caiu no esquecimento e renasceu na nona divisão, graças a Luigi, irmão de Vincenzo. Pela mítica Cetarese, Torrente entrou em campo pela primeira vez aos 15, jogando como ponta no primeiro tempo e como meia, no segundo. Por lá, jogou poucas partidas: o suficiente para ser notado por um olheiro da Nocerina. Na despedida, seu pai vaticinou: “Vá sem problemas. Mas, no dia em que não estiver mais se divertindo, volte para casa”.
Torrente passou um período de formação na Nocerina e, aos 16 anos, estreou na Serie C1. Vincenzo ficou três anos em Nocera Inferiore, atuando principalmente com os juvenis, mas, fez algumas partidas da Coppa Italia e da terceirona. Nelas, chamou atenção de Spartaco Landini, então diretor esportivo do Genoa, que o quis por empréstimo para a Copa Viareggio. Suas apresentações na competição sub-19 convenceram o Genoa a comprá-lo em definitivo, em 1985.
Vincenzo chegou ao Genoa aos 19 anos, e na sua terceiro temporada no clube, subiu à elite italiana. Em 1991, o Genoa estreou na Copa Uefa em virtude de um quarto lugar conquistado na Serie A anterior – é o melhor resultado dos grifoni desde 1941-42, quando também concluíram o campeonato na quarta posição. No torneio continental, os estreantes rossoblù foram uma autêntica revelação. Eliminaram Real Oviedo, Dinamo e Steaua Bucareste, e os ingleses do Liverpool, caindo apenas para o Ajax, campeão, nas semifinais.
Após a saída de Osvaldo Bagnoli, o Genoa não conseguiu mais repetir campanhas tão boas. Em 1995, acabou sendo até rebaixado para a Serie B, o que ocasionou a saída do capitão, Gianluca Signorini. Torrente ficou e assumiu a braçadeira, que envergou por cinco anos. Na temporada de queda para a categoria inferior, coube a Torrente fazer um anúncio importante. Em 29 de janeiro de 1995, antes de jogo contra o Milan, brigas entre as torcidas deixaram um jovem torcedor genovês morto. Vincenzo foi até o sistema de som do Marassi e anunciou ao estádio que a partida não seria jogada em sinal de luto.
Torrente ainda viveu o inferno da Serie B por cinco temporadas e permaneceu em Gênova até 2000, quando já completara 34 anos. Acabou não se aposentando no Genoa, contudo: seu canto do cisne aconteceu com a camisa do Alessandria, na terceira divisão. Por isso, Vincenzo não conseguiu superar os números de Fosco Beccatini e Gennaro Ruotolo e é, até hoje, o terceiro jogador com mais presenças na história do Genoa, com 412 aparições.
O zagueiro ficou na Ligúria por 15 anos por desejo próprio. Nesse longo período, recebeu diversas propostas para deixar o Genoa. Em uma noite de verão em 1990, por exemplo, jantou acompanhado de seu pai e de seu procurador com Luciano Moggi. O cartola gostaria de levá-lo ao Napoli, mas a família Torrente aceitou o convite da reunião por mera cortesia: Vincenzo já havia dito não a seu clube do coração. Antes, o zagueiro também já havia rejeitado proposta feita por Dino Viola, que o desejava na Roma.
Em Nápoles ou Roma, Torrente seria apenas mais um. Possivelmente, seria esquecido após poucos anos. A idolatria da torcida genoana, para ele, era uma satisfação inigualável, como “vencer um scudetto”, em suas próprias palavras. Um sentimento que permanece vivo, conforme demonstrado por uma faixa estendida por torcedores em 2006: “il cuore non mente… solo Signorini e Torrente”. Em tradução livre, seria algo como “o coração não mente… tudo por Signorini e Torrente”.
Após ter se aposentado, Torrente voltou ao Genoa como treinador em 2002-03. Como ainda não tinha licença profissional, ocupou o cargo em dupla com Rino Lavezzini, e recebeu uma dura missão: o Genoa encontrava-se à beira da falência e se salvou do rebaixamento graças à repescagem, que ocorreu devido ao Caso Catania. Nos anos seguintes, Vincenzo foi treinador das categorias de base dos grifoni e, em 2007 comandando a Primavera, se sagrou campeão da Copa Viareggio.
O sucesso nos juniores fez com que Torrente ganhasse uma chance numa equipe profissional – igualmente rossoblù. O ex-zagueiro recebeu o chamado de Luigi Simoni, que fora seu treinador no Genoa e assumiu o comando do Gubbio, clube em que Gigi era dirigente. Nessa nova jornada, obteve duas promoções seguidas e levou os eugibini da quarta à segunda divisão, da qual estavam ausente desde a temporada 1947-1948.
Vincenzo Torrente ficou em voga após a dupla promoção do Gubbio e acabou acertando com o Bari. Em dois anos, porém, não conseguiu extrair o máximo dos apulianos e foi demitido. O ex-xerife reencontrou Simoni na Cremonese, em 2013-14, mas também não correspondeu às expectativas: foi demitido quando o time se encontrava na quarta posição da Lega Pro. As ambições eram maiores para os grigiorossi.
Em 2015, Torrente retornou para “casa”: Salerno, a dez quilômetros de Cetara. A gestão na Salernitana começou bem, com vitória no dérby campano, contra o Avellino, mas durou apenas 24 rodadas. Daí em diante, o histórico camisa 2 do Genoa não se reencontrou mais como técnico: foi rebaixado para a Serie C com o Vicenza e fez uma campanha apenas mediana com a modesta Sicula Leonzio, integrante da terceirona.
Até hoje, Torrente não esconde que o seu maior sonho é treinar o Genoa, time que adotou como seu. Não interinamente e em parceria com outra pessoa, mas como comandante verdadeiro, tal qual era nos tempos de jogador. A julgar pelos últimos resultados como técnico, porém, ele precisará de uma verdadeira reviravolta na carreira.
Vincenzo Torrente
Nascimento: 12 de fevereiro de 1966, em Cetara, Itália
Posição: zagueiro
Clubes como jogador: Nocerina (1982-85), Genoa (1985-2000) e Alessandria (2000-2001)
Títulos como jogador: Serie B (1989) e Copa Anglo-Italiana (1996)
Clubes como treinador: Gubbio (2009-2011), Bari (2011-2013), Cremonese (2013-2014), Salernitana (2015-2016), Vicenza (2017) e Sicula Leonzio (2018-2019)
Títulos como treinador: Copa Viareggio (2007), Lega Pro Seconda Divisiona (Grupo B; 2010) e Lega Pro Prima Divisione (Grupo A; 2011)