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O xerife Glenn Hysén rejeitou o Manchester United para defender a Fiorentina

Carismático, bonachão, fotogênico, seguro, regular e líder: todos esses adjetivos servem para qualificar Glenn Hysén, um dos maiores jogadores suecos dos anos 1980. O zagueiro brilhou em seu país de origem e no Liverpool, além de ter sido uma peça importante para a Fiorentina. Inclusive, ele rejeitou o Manchester United para acertar com o clube italiano.

Hysén nasceu em Gotemburgo, segunda maior cidade da Suécia, no final da década de 1950. Glenn começou a carreira no Warta, pequeno clube local, em 1977. Logo no ano seguinte, acertou com o IFK Göteborg, time com o qual sua família tinha ligação de longa data: lá já haviam atuado Erik, seu avô; Carl, seu tio-avô; e Kurt, seu pai.

O debute pelo IFK aconteceu em 1979, aos 19 anos, num empate em 2 a 2 com o Norrköping, pelo Campeonato Sueco, e depois disso trilhou um caminho de ascensão. Mostrando habilidade na marcação homem a homem, nas jogadas aéreas, na cobertura e nos desarmes, Hysén se consolidou pela equipe alviazul, treinada por um jovem Sven-Göran Eriksson. O time tinha como pontos fortes os lançamentos e o ataque pelos flancos. Isso também fez com que Glenn se aperfeiçoasse nas bolas alçadas e no auxílio na saída de bola, tornando-se um defensor com presença no ataque. Em 1981, então, recebeu as primeiras chances na seleção de seu país.

No início dos anos 1980, a cidade de Göteborg virou “a terra de Glenns”. O IFK tinha quatro jogadores com esse nome: além de Hysén, Schiller, Holm e o craque Glenn Peter Strömberg. Esse quarteto contribuiu para que a equipe faturasse os Campeonatos Suecos de 1982 e 1983, além da fabulosa conquista da Copa Uefa de 1982 – a primeira de um time escandinavo em toda a história. Dessa forma, “Glenn” se tornou sinônimo de sorte.

Em 1983, depois de ser agraciado com o prêmio Guldbollen, dado ao melhor jogador sueco de cada temporada, Hysén rumou ao PSV Eindhoven. Na Holanda, o zagueiro foi treinado por Jan Reker, que costumava fazê-lo atuar fora da posição. Além de entrar em campo como líbero, beque central ou lateral-direito defensivo – funções que tinha o hábito de desempenhar –, Glenn também chegou a ser escalado como meio-campista e até atacante, pela qualidade que apresentava ao pisar na área.

Hysén chegou a marcar 12 gols em duas temporadas nos Países Baixos. No entanto, não estava satisfeito e, como era jovem, buscava aperfeiçoar as suas qualidades defensivas e melhorar em sua posição de origem. Em 1985, Glenn retornou ao IFK Göteborg e, mais uma vez, marcou época no time sueco: os änglarna foram semifinalistas da Copa dos Campeões em 1986, ocasião em que perderam para o Barcelona, e no ano seguinte, venceram o título nacional e mais uma Copa Uefa.

Requisitado por Eriksson, Hysén chegou à Fiorentina para liderar a defesa (TT)

Após tantos feitos pelo time bicolor, Hysén foi escolhido para a seleção de 1987 da revista World Soccer e voltou a chamar a atenção de times do exterior. Com quase 28 anos, o zagueiro recebeu uma proposta do Manchester United e outra da Fiorentina. Em entrevista ao canal de YouTube Din Karriär, o jogador contou que Sir Alex Ferguson viajou até a Suécia para pedir que aceitasse a proposta dos Red Devils, mas um fator foi fundamental para que Glenn preferisse a Itália: Eriksson, que acabara de assinar com a Viola após uma experiência pela Roma.

“Ele me ligou e disse ‘não assine nada, eu quero você na Fiorentina’. A Serie A era o melhor campeonato do mundo, os principais jogadores atuavam lá e eu ainda poderia trabalhar com um técnico que eu já conhecia. Era como se eu tivesse ganhado na loteria”, declarou. Dessa forma, Hysén deixou o IFK após 332 partidas e se tornou o principal reforço da equipe da Toscana.

O zagueiro sueco chegava a um time que costumava ficar na metade superior da tabela e brigar por vaga na Copa Uefa naqueles anos. A Fiorentina de 1987-88 tinha como grandes destaques os atacantes Roberto Baggio e Ramón Díaz, além dos meio-campistas Nicola Berti e Sergio Battistini. Na defesa, geralmente formada por uma linha de quatro homens, Hysén teria Renzo Contratto, Stefano Carobbi e Alberto Di Chiara como parceiros.

As primeiras partidas de Glenn pela Viola aconteceram na fase de grupos da Coppa Italia, que antecedia o início da Serie A. Após estrear em vitória por 1 a 0 contra o Padova, o sueco contribuiu para que a Fiorentina avançasse na competição. No Italiano, debutou num 0 a 0 ante o Verona e, algumas rodadas depois, marcou o seu único gol pelo clube: numa cabeçada fatal, abriu o placar na goleada por 4 a 0 sobre o Pescara do brasileiro Júnior.

O zagueiro grisalho foi um dos jogadores mais importantes da Fiorentina na temporada: atuou em 36 das 37 partidas feitas pelos gigliati e entrou em campo em todas as 30 rodadas da Serie A. A Viola terminou na oitava posição e caiu nas oitavas de final da Coppa Italia, mas teve momentos de bom futebol. Não à toa, Hysén faturou mais uma vez o prêmio Guldbollen, em 1988.

Na campanha de 1988-89, a Fiorentina viu Dunga e Stefano Borgonovo substituírem Berti e Díaz, negociados com a Inter. Hysén manteve o seu posto no centro da zaga, quase sempre utilizando a camisa 6, e ajudou a equipe violeta a ter um desempenho similar ao do ano anterior: os comandados de Eriksson caíram nas quartas do mata-mata nacional e concluíram a Serie A na sétima posição, desta vez abocanhando uma vaga na Copa Uefa.

Tido como um dos melhores zagueiros de seu tempo, o sueco esteve à altura de adversários como Marco van Basten (Bildbyrån)

A Fiorentina seria vice-campeã do torneio continental em 1990, mas nenhum dos suecos estaria lá para contribuir na campanha. Pelo bom trabalho na Itália, Eriksson retornou ao Benfica, de Portugal, enquanto Hysén tornou a ser assediado por times ingleses e deixaria a Viola após 76 partidas. Mesmo após a recusa ao Manchester United, Ferguson ainda queria que Glenn vestisse a camisa vermelha. Novamente, contudo, o negócio não aconteceria.

Na mesma entrevista supracitada ao Din Karriär, Hysén esclareceu que, dessa vez, a responsabilidade pelo encerramento das tratativas não foi sua. “Não sei o que aconteceu entre o agente [do United] e a Fiorentina, mas acredito que os ingleses fizeram uma proposta ruim e a Viola não quis negociar. Então, voltamos para casa e saímos de férias. Ferguson deve ter me ligado mais de 25 vezes para fazer com que acontecesse, mas foram eles que estragaram tudo”, relatou.

Foi aí que o Liverpool atravessou o rival. O clube de Merseyside havia se interessado pelo zagueiro em outubro de 1988, depois que ele teve uma atuação magnânima contra a Inglaterra, em Wembley, num duelo válido pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1990. O interesse era tanto que o técnico Kenny Dalglish entrou na jogada e convenceu Hysén a acertar com os Reds. “A conversa durou dez minutos e aí eu assinei. Kenny me convenceu quando o conheci pessoalmente”, disse. O sueco chegou ao clube poucos meses após a Tragédia de Hillsborough e, por isso, participou ativamente de ações de amparo aos sobreviventes.

Por causa de seu jeito atencioso para com os torcedores e de seu carisma, o sueco rapidamente se tornou um dos xodós da Kop, parte do Anfield em que as organizadas assistem aos jogos. Atuações na Charity Shield, contra o Manchester United, e na impactante goleada por 9 a 0 sobre o Crystal Palace – na qual marcou um gol – contribuíram para que a idolatria fosse quase instantânea.

Ao lado de Alan Hansen, Hysén fez sucesso no Liverpool e faturou o título inglês de 1990, numa campanha em que o seu time teve nove pontos a mais que o Aston Villa, segundo colocado, e ainda viu o Manchester United amargar a 13ª posição. Naquele mesmo ano, Glenn participou de sua única competição oficial pela Suécia: o Mundial de 1990, disputado na Itália. O zagueiro foi o capitão da seleção azul e amarela, que fez jogos em Turim e Gênova, mas sua liderança não foi suficiente para evitar que os escandinavos amargassem três derrotas e, surpreendentemente, fossem eliminados na fase de grupos.

No retorno à Inglaterra, o defensor ainda fez uma boa temporada 1990-91, mas viu a situação degringolar logo na sequência. Lesões e um relacionamento pouco produtivo com Graeme Souness, novo técnico do time, atrapalharam a continuidade de Hysén no Liverpool. Dessa forma, após 93 jogos disputados com a camisa vermelha, foi liberado em fevereiro de 1992. Glenn ainda representou o GAIS até 1994 e, aos 35 anos, se aposentou na segunda divisão sueca.

Com carisma e liderança, Hysén se destacou nos dois anos em que defendeu a Fiorentina (Göteborg-Posten)

Depois de pendurar as chuteiras, Glenn ficou um tempo afastado do esporte. Em 2002, porém, se tornou assistente do Torslanda, em Gotemburgo, e até participou de um reality show chamado FC Z. O programa tinha como objetivo fazer 15 pessoas de 18 a 31 anos que nunca tinham praticado futebol na vida treinarem para enfrentar um time profissional – no caso, o Djurgardens. Curiosamente, Tobias, seu filho mais velho, que também teve bons momentos na seleção, jogava na equipe adversária. O seriado teve duas temporadas e chegou a vencer um prêmio na TV sueca. Entre 2010 e 2012, Hysén também comandou o pequeno Utsiktens.

Fora dos campos, Hysén também chamou atenção. Em 2001, o ex-zagueiro reagiu de forma agressiva a um homem que tentou assediá-lo no banheiro do aeroporto de Frankfurt. Houve quem acreditasse que a situação seria um caso de homofobia, mas seis anos após o acontecimento, Glenn participou da Stockholm Pride, a maior parada do Orgulho LGBTQIA+ da Escandinávia. Não só: discursou na abertura do evento.

Na ocasião, ressaltou que ninguém deveria ser assediado e afirmou o quão inaceitável é que pessoas sejam insultadas ou vítimas de crimes de ódio por conta de sua identidade de gênero. “O incidente do aeroporto explodiu na mídia de forma desproporcional. Para acabar de vez com isso, eu nego que tenha socado um homem por ele ser gay”, declarou.

Glenn também falou sobre as dificuldades que jogadores gays encontram para se adaptarem ao futebol masculino, por falta de suporte do ecossistema da modalidade. O ex-zagueiro falava com conhecimento de causa: Anton, seu filho mais novo, que também atua como defensor, é homossexual. Àquela altura, sua família já sabia disso e o apoiava de forma incondicional. Apenas em 2011 é que o caçula tornou a sua identidade de gênero um fato público e se transformou num exemplo para outros atletas que vivem na mesma situação.

Mesmo durante o tempo em que a polêmica pairou no ar, Hysén manteve o seu posto de ídolo do Liverpool, do IFK e de toda a Suécia. Em 2007, por exemplo, entrou para o Hall da Fama do futebol de seu país. Pouco antes, o zagueiro que rejeitou Ferguson duas vezes foi eleito como um dos 100 jogadores mais marcantes da história dos Reds e teve o nome marcado no Kamratstenen, um monumento que homenageia as maiores lendas do time de Gotemburgo. Em Florença, Glenn não recebeu nenhuma deferência dessa magnitude, mas é bastante querido pela torcida da Fiorentina.

Glenn Ingvár Hysén
Nascimento: 30 de outubro de 1959, em Gotemburgo, Suécia
Posição: zagueiro
Clubes: Warta (1977), IFK Göteborg (1978-83 e 1985-87), PSV Eindhoven (1983-85), Fiorentina (1987-89), Liverpool (1989-92) e GAIS (1992-94)
Títulos: Copa Uefa (1982 e 1987), Campeonato Sueco (1982, 1983 e 1987), Copa da Suécia (1982 e 1983), Charity Shield (1989 e 1990) e Campeonato Inglês (1990)
Clubes como treinador: Utsiktens (2010-12)
Seleção sueca: 68 jogos e 7 gols

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