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Cristian Brocchi foi um fiel representante da classe dos brucutus no futebol italiano

Ao longo da história do futebol, não faltam exemplos de jogadores que compensam a qualidade técnica duvidosa com o excesso de entrega nos gramados. Um desses brucutus de sucesso, Cristian Brocchi conseguiu vestir camisas importantes na Itália e ainda conquistou os principais títulos de clubes da modalidade.

Nascido em Milão, Brocchi ingressou nas categorias de base do Milan, embora seu coração batesse pela Inter. Moldado pelo setor juvenil rossonero, o volante nunca desenvolveu a habilidade técnica de alguns dos seus antecessores no meio-campo da categoria sub-19 do Diavolo, como Demetrio Albertini, mas se profissionalizou como um volante de chegada à área dos adversários. Em 1995, como não obteve espaço no time adulto do Milan, foi emprestado a pequenas agremiações da Lombardia, onde poderia ganhar experiência.

Brocchi representou a Pro Sesto por dois anos, período em que vivenciou um rebaixamento à Serie C2 e a frustração por quase retornar à terceirona. Em 1997, defendeu o Lumezzane, recém-promovido à terceira categoria, e quase conseguiu mais um acesso. O volante jogou com continuidade por ambos os clubes e, em 1998, foi vendido pelo Milan ao Verona.

Foi com a camisa do Hellas que Brocchi começou a se destacar, na Serie B. Sob o comando de Cesare Prandelli, o volante marcou seis gols em 32 partidas da segundona e ajudou os gialloblù a serem campeões da categoria. Na elite, novamente como titular, o baixinho contribuiu para que o time terminasse o Italiano na nona posição – uma das melhores obtidas pelos mastini após a conquista do seu único scudetto, em 1985.

Não à toa, o ex-jogador desenvolveu uma relação especial com o clube do Vêneto. Em uma entrevista ao canal Hellas Live, antes do jogo entre Milan e Verona, em março de 2016, Brocchi disse que sempre será grato pelo carinho que recebe dos torcedores dos butei mesmo tanto tempo depois de sua passagem pelo Verona.

Voluntarioso, Brocchi estreou na Serie A com a camisa do Verona (imago)

O dinamismo, a garra e a resistência de Brocchi com a camisa do Verona fizeram com que ele chamasse a atenção de clubes maiores. A Inter o adquiriu, no verão europeu de 2000, mas a felicidade pela contratação por parte do time pelo qual torcida rapidamente se transformou em desencanto. A sua passagem pela Beneamata já começou de forma negativa, visto que o volante ficou afastado dos campos entre o fim de agosto e meados de dezembro por conta de uma cirurgia para a remoção de duas hérnias de disco na região lombar.

Depois disso, o meio-campista de perfil meio atarracado ainda totalizou 18 jogos durante a temporada, mas passou muito tempo no banco de reservas. Na época, a Inter vivia momentos atribulados, com trocas de comando e resultados pífios – eliminações precoces nas copas e apenas um quinto lugar na Serie A. Depois de ter sido treinado por Marcello Lippi e Marco Tardelli, em 2000-01, Brocchi foi visto como descartável por Héctor Cúper, técnico argentino que assumiu os nerazzurri para a campanha seguinte. Assim, acabou trocado com o Milan, que mandou Andrés Guglielminpietro, o Guly, para a Pinetina.

Brocchi não poupa palavras quando tem a oportunidade de comentar sobre a sua passagem pelo clube nerazzurro – período que, em entrevista à revista Chi, em 2006, definiu como “a pior experiência” de sua carreira. O jogador se queixava de ter sido negociado quando recuperava a melhor forma física, mas o fato é que a troca com o rival lhe fez bem. Ao passo que a Inter rateava, Cristian pode celebrar com a camisa do Milan.

Brocchi fez a sua primeira partida oficial pelo Milan no fim de agosto de 2001, quando contribuiu com um gol para o empate entre os rossoneri e o Brescia, na abertura da Serie A – ao longo de sua militância pelo Diavolo, marcaria apenas mais cinco vezes. Em Milanello, o volante se destacou mesmo pelo estilo agitado, que lhe rendeu até um apelido: Argento vivo. A expressão é utilizada na Itália para denominar os garotos travessos – numa referência ao mercúrio, metal que entra facilmente em fusão e ebulição – e se adequava perfeitamente a Cristian, que não parava em campo.

Torcedor da Inter, Brocchi teve uma grande decepção ao defender o clube nerazzurro (imago/HJS)

Entre 2001 e 2005, o volante não conseguiu convencer o técnico Carlo Ancelotti a colocá-lo acima de Gennaro Gattuso, Andrea Pirlo, Clarence Seedorf e Massimo Ambrosini na hierarquia rossonera – no esquema 4-3-2-1 do treinador, acabava sendo a segunda opção de banco para a linha de sustentação do meio-campo. Mesmo sendo reserva, Brocchi viveu a melhor fase da carreira e pode levantar as taças da Champions League, da Coppa Italia e da Supercopa Uefa, em 2003, e da Serie A e da Supercopa Italiana, no ano seguinte.

Apesar dos títulos, a falta de espaço falou mais alto para Brocchi, que pediu para ser negociado no verão de 2005: aos 29 anos, queria mais minutos em campo. O Milan atendeu o desejo do volante, que foi emprestado à Fiorentina e, dessa forma, pode voltar a trabalhar com Prandelli. O seu velho conhecido lhe proporcionou a titularidade absoluta no meio-campo da boa equipe de Florença, que tinha Luca Toni como maior destaque.

Durante a temporada 2005-06, Cristian teve a oportunidade de ir à forra com a Inter. Na partida entre a Fiorentina e os nerazzurri, no Artemio Franchi, fez a famosa “lei do ex” entrar em cena ao marcar na vitória por 2 a 1. Brocchi aproveitou a sobra da cobrança de escanteio de Manuel Pasqual e, de fora da área, venceu Julio Cesar com um chute no canto direito. Lances como aquele ajudaram a equipe violeta a terminar a Serie A na quarta colocação. Porém, devido ao envolvimento de alguns diretores no escândalo Calciopoli, a Viola foi punida com a perda de 30 pontos e caiu para a nona posição, perdendo a chance de disputar a Champions League.

Com o fim do empréstimo à Viola, Brocchi voltou ao Milan motivado, sobretudo pelas palavras do presidente Silvio Berlusconi – que elogiara as suas atuações pela Fiorentina. O Diavolo também havia sido punido como consequência do Calciopoli e, por isso, Ancelotti teve de fazer adaptações. Com a saída de Rui Costa para o Benfica, Seedorf passou a atuar mais adiantado, ao mesmo tempo que o camisa 32 ganhou a vaga de Ambrosini no meio-campo.

O Milan foi o clube pelo qual o volante mais vezes jogou na carreira e também aquele em que foi mais vitorioso (Getty)

Brocchi começou a temporada 2006-07 entre os titulares e a boa forma apresentada em Milão lhe rendeu a sua única convocação para a seleção italiana: em novembro de 2006, chamado por Roberto Donadoni, disputou um amistoso contra a Turquia. Pelo Milan, o volante teve importância na campanha que culminou em mais um título da Champions League, mas foi perdendo o fôlego na reta final da temporada e, ao ver Ambrosini retomar seu espaço no onze inicial de Carletto, assistiu à decisão com o Liverpool do banco de reservas.

Caminhando para o fim da carreira, Brocchi voltou a ser opção de segundo tempo para o Milan durante a temporada 2007-08, mas era bastante utilizado por Ancelotti: fez 32 partidas em seu derradeiro ano pelo clube, no qual ainda faturou mais uma Supercopa Uefa e um Mundial de Clubes. No fim do mercado de verão de 2008, Cristian acabou encerrando a sua passagem por Milanello, após 161 aparições. Aos 32 anos, foi adquirido pela Lazio.

Na capital, o estilo sanguíneo de Brocchi rapidamente conquistou a torcida. Ao lado de Cristian Ledesma e Stefano Mauri, o volante sustentava o meio-campo do time treinado por Delio Rossi, que se sagrou vitorioso na Coppa Italia, em 2009. No mesmo ano, os celestes faturaram uma Supercopa nacional e, já sob o comando de Edy Reja, o volante manteve a sua função de cão de guarda do esquema fechadinho proposto pelo treinador.

Com a camisa da Lazio, o italiano voltou a protagonizar uma polêmica sobre o seu passado na Inter. Na temporada 2010-11, antes de um jogo contra a equipe de Milão, em San Siro, Brocchi deu em entrevista coletiva, na qual relembrou os momentos difíceis que passou por conta do tratamento de suas hérnias de disco e declarou que odiava os nerazzurri. “Odeio a Inter porque [os diretores] me deixaram sozinho e não me protegeram”, afirmou o volante, de acordo com o site FC Inter News. O volante entrou na partida perto dos 70 minutos e, cada vez que tocava na bola, era vaiado pelos torcedores da Beneamata.

Uma boa temporada pela Fiorentina garantiu o retorno de Brocchi ao Milan (AFP/Getty)

A campanha de 2010-11 foi a última de Brocchi como titular em Roma. Nas duas temporadas seguintes, já envelhecido, passou a ser utilizado menos vezes, tanto por Reja quanto por Vladimir Petkovic. Em fevereiro de 2013, fez a sua derradeira aparição como profissional, entrando no lugar de Ledesma para disputar o segundo tempo de uma partida contra o Genoa. Após sete minutos em campo, o brasileiro Matuzalém – seu ex-companheiro de Lazio – usou força desproporcional ao efetuar um carrinho por trás e fraturou-lhe dois metatarsos, além de luxar um outro.

Na época, o jogador se operou e fez sessões de fisioterapia, mas a equipe médica do clube chegou à conclusão de que não havia tratamento suficientemente eficaz para que ele voltasse a jogar futebol profissional. Assim, a diretoria agradeceu os esforços do volante, que defendeu os capitolinos em 130 ocasiões, e Brocchi anunciou a sua aposentadoria, aos 37 anos. Na sua última temporada, o meio-campista ainda celebrou o seu último título – o da Coppa Italia.

Logo depois de pendurar as chuteiras, Cristian Brocchi voltou ao Milan, contratado para dirigir a equipe sub-17 das categorias de base. Um ano depois, em 2014, o ex-jogador deixou os Allievi para substituir Filippo Inzaghi – alçado ao cargo de comandante dos profissionais – no time sub-19 rossonero.

O trabalho na categoria sub-19 também foi curto. Em abril de 2016, após menos de dois anos na função, Brocchi foi escolhido como interino do time principal do Milan quando o técnico Sinisa Mihajlovic foi demitido por Berlusconi. Em seu primeiro trabalho como treinador de uma equipe profissional, Brocchi dirigiu os rossoneri em sete jogos, somando duas vitórias (na estreia, contra a Sampdoria, e contra o Bologna), três derrotas (para Verona, Roma e Juventus) e dois empates (com Carpi e Frosione). Deixou o Diavolo na sétima posição da Serie A e não foi efetivado.

No final de sua carreira, o volante conquistou títulos pela Lazio (imago/Xinhua)

Assim que deixou o Milan, Brocchi recebeu uma chance no Brescia, que disputava a Serie B. O trabalho não foi bom e o ex-jogador acabou sendo demitido após 31 jogos no comando do time – que brigava para não cair e acabaria o campeonato apenas na 15ª colocação. Na sequência, Cristian rumou à China juntamente a Gianluca Zambrotta e, durante um ano, atuou com o ex-colega de Milan como auxiliar de Fabio Capello no Jiangsu Suning.

Ao longo de sua vida, Brocchi contou com o apreço de Berlusconi: foi o Cavaliere que o fez crescer no Milan, patrocionou o seu retorno ao clube como jogador e que também lhe abriu as portas como técnico. Os caminhos dois dois se cruzariam de novo em 2018, quando o antigo dono do Milan comprou o Monza e escolheu o ex-volante para ser o treinador do clube, que disputava a Serie C.

Brocchi assumiu a equipe com a temporada em andamento e conduziu os brianzoli ao quinto lugar no Grupo B da terceirona italiana. Na campanha 2019-20 – a primeira com reais investimentos de Berlusconi – o ex-volante fez o Monza ter um desempenho ainda melhor e conquistar o acesso à Serie B, o que garantiu a sua permanência no cargo. Com reforços de peso, como Mario Balotelli e Kevin-Prince Boateng, Cristian tem sido hábil ao fazer o time biancorosso ser um dos mais interessantes da segunda divisão e, enquanto se consolida como treinador, tem contribuído para que o ambicioso projeto de Berlusconi dê frutos.

Cristian Brocchi
Nascimento: 30 de janeiro de 1976, em Milão, Itália
Posição: volante
Clubes como jogador: Milan (1994-95, 2001-05 e 2006-08), Pro Sesto (1995-97), Lumezzane (1997-98), Verona (1998-2000), Inter (2000-01), Fiorentina (2005-06) e Lazio (2008-13)
Títulos como jogador: Serie B (1999), Coppa Italia (2003, 2009 e 2013), Liga dos Campeões (2003 e 2007), Supercopa Uefa (2003 e 2007), Serie A (2004), Supercopa Italiana (2004 e 2009) e Mundial Interclubes (2007)
Clubes como técnico: Milan (2016), Brescia (2016-17) e Monza (2018-hoje)
Títulos como técnico: Serie C (Grupo A; 2020)
Seleção italiana: 1 jogo

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