Jogos históricos

Em 1997, a Fiorentina viu o Barcelona de Ronaldo encerrar o seu sonho de bi da Recopa

A Fiorentina viveu um ano brilhante em 1995-96: faturou o título da Coppa Italia e um quarto lugar na Serie A. Na temporada posterior, a torcida violeta se animou com um novo ciclo que começou com a conquista da Supercopa Italiana. Estaria sendo formado um time ainda mais forte e vencedor, comandado por Gabriel Batistuta e Rui Costa? Tendo os craques como alicerce, a equipe toscana foi longe na Recopa Uefa de 1996-97 e encarou um duelo de titãs na semifinal: o adversário foi o Barcelona de Ronaldo, Luís Figo e Hristo Stoichkov.

Antes de propriamente falar da semifinal, é importante entender como cada uma das equipes chegou até lá. A Fiorentina chegou à Recopa Uefa credenciada como a vencedora da Coppa Italia. Na final, Batistuta decidiu com dois gols e fez a Viola vencer a Atalanta por 3 a 0 no agregado. Já na Espanha, o Barça herdou a vaga após o vice-campeonato da Copa do Rei. O Atlético de Madrid, vitorioso, havia conquistado também La Liga e, por isso, teve a prioridade de disputar a Liga dos Campeões, deixando a representação espanhola na Recopa para o clube blaugrana.

Ambas as equipes começaram a trajetória continental na segunda fase da competição. A Viola superou os romenos do Gloria Bistrita, os checos do Sparta Praga e os portugueses do Benfica até chegarem nas semifinais. Já o Barcelona, enfrentou o AEK Larnaca, do Chipre, o Estrela Vermelha, da Sérvia, e o AIK Solna, da Suécia, até ficar frente a frente com os gigliati.

A primeira partida foi disputada em solo catalão. No dia 10 de abril de 1997, no Camp Nou, as equipes mediram forças para cerca de 105 mil presentes no estádio. O público assistiu um jogo muito vigoroso, que ficou marcado principalmente por lances ríspidos, clima tenso e também por boas ocasiões de gol.

Um gol, um gesto de silêncio e um amarelo que lhe rendeu suspensão: assim foi a intensa noite de Batistuta no Camp Nou (Galassi)

Batistuta, como de costume, era o homem mais procurado e perigoso da Fiorentina. Foi assim que, logo no início, teve três oportunidades para abrir o placar. Em duas delas o chute saiu ao lado e, na outra, em cruzamento de Anselmo Robbiati, a cabeçada passou rente à trave do goleiro Vítor Baía. Mas o Barça não vinha muito atrás. Apesar de o time de Bobby Robson fazer uma partida bem abaixo do esperado, diante da qualidade de seus atletas, Figo conseguiu se desvencilhar da defesa italiana e levar perigo com uma finalização de fora da área, em uma rara jogada ofensiva.

Ineficaz pela troca de passes, o Barça encontrou a solução na bola parada. No fim do primeiro tempo, mais precisamente aos 42 minutos, o assistente marcou uma falta perigosa para os culés perto da bandeira de escanteio. Na cobrança, Figo colocou a pelota sob medida para que Miguel Ángel Nadal surgisse como elemento surpresa e cabeceasse para o fundo do gol, deixando Francesco Toldo sem reação. Era o segundo arremate blaugrana na direção da baliza violeta.

Os primeiros 45 minutos também ficaram marcados pela preocupação do torcedor italiano. Em uma saída de bola do Barcelona que não oferecia grande perigo, Batistuta cometeu falta desnecessária sobre Fernando Couto e levou cartão amarelo. Como estava pendurado, o artilheiro argentino teria que cumprir suspensão na partida de volta. Um tremendo desfalque para a equipe de Claudio Ranieri, o que dava um pouco de alívio para os culés.

Na volta do intervalo, a Fiorentina continuou criando boas oportunidades e aproveitou o brilho do seu astro enquanto podia. Rui Costa efetuou lançamento preciso para Batistuta. O argentino matou a bola no peito, ajeitou com a coxa e, com a perna direita, acertou um chutaço para estufar as redes dos culés, aos 62 minutos. Vítor Baía até chegou a tocar na pelota, mas a potência foi tanta que a sua intervenção não foi suficiente para evitar o tento violeta. Na comemoração, o camisa 9 e capitão da Viola fez o popular sinal de silêncio para os mais de 105 mil torcedores presentes no Camp Nou.

A partida permaneceu truncada até o fim. O empate por 1 a 1 era um bom resultado para os italianos, mas a revolta da Fiorentina no final do jogo era justificável. No último lance, Batigol fez o trabalho de pivô e lançou Robbiati, que estava livre ultrapassando a linha do meio- campo. Entretanto, o árbitro alemão Bernd Heynemann encerrou a peleja em pleno contra-ataque promissor, para a fúria dos jogadores violetas. O placar poderia ser outro, mas o gigliati retornavam para casa com a vantagem de se classificarem com empate sem gols e ainda contariam com o apoio da sua torcida no confronto de volta.

No Franchi, Fiorentina e Barcelona fizeram partida muito tensa (Allsport)

No dia 24 de abril de 1997, o Artemio Franchi recebeu a segunda partida da eliminatória, com tudo em aberto. A grande alteração era mesmo a ausência de Batistuta no comando de ataque. No seu lugar, Ranieri optou por Francesco Baiano, napolitano que costumava fazer dupla com Batigol. No entanto, ele vinha de séria lesão e tinha se tornado um coadjuvante, atuando como garçom. Pelo lado blaugrana, Sergi, Iván De La Peña, Luis Enrique e Pep Guardiola ganharam as vagas de Roger, Gheorghe Popescu, Stoichkov e Guillermo Amor – este último, a propósito, se tornaria jogador violeta.

O jogo no Franchi começou quase como um reflexo da partida do Camp Nou. A Fiorentina iniciou melhor, com mais chances e pressionando, porém sofreu, novamente, com uma desatenção na bola parada. Quando o relógio bateu meia hora, o Barcelona teve uma falta na intermediária ofensiva. Iván de la Peña cruzou e achou Couto na pequena área: Sandro Cois, Michele Serena, Pasquale Padalino e Lorenzo Amoruso estavam próximos, mas mesmo assim o português ficou livre para cabecear e colocar o 1 a 0 no marcador. Tal qual na Catalunha, o Barça abria o placar no momento em que a rival era muito agressiva.

A Viola tentou reagir imediatamente. Em chute de fora da área, Luís Oliveira obrigou Vítor Baía a fazer uma boa defesa. No rebote, a bola ainda sobrou para Stefan Schwarz, mas o arqueiro defendeu igualmente. Sem a sua referência no ataque, a Fiorentina arriscava finalizações de longa distância, mas parava na exibição segura do português.

Cinco minutos depois, falta perigosa para o Barça na entrada da área. Na bola, estavam Giovanni e De la Peña, porém quem bateu foi Guardiola, para a felicidade dos culés. Ainda cabeludo, Pep bateu com extrema categoria e acertou o canto de Toldo, que foi enganado pelo posicionamento da barreira falsa dos espanhóis. Estático, o goleiro foi pego no contrapé e só observou a pelota ir direto para o fundo das redes.

Depois, o clima ficou hostil. Objetos começaram a ser lançados ao campo pela torcida toscana e, inclusive, chegaram a atingir alguns jogadores espanhóis: Sergi e De la Peña, por exemplo, foram vítimas dos agressores. Os atos ainda prejudicavam a Fiorentina, já que o adversários precisavam de atendimento médico e gastavam tempo.

Ronaldo passou em branco no confronto, mas deu trabalho para a defesa da Fiorentina (Allsport)

Na volta do intervalo, as coisas ficaram ainda mais complicadas para os donos da casa. Oliveira caiu dentro da grande área e pediu pênalti. Entretanto, esta não foi a mesma opinião do árbitro Anders Frisk, que lhe deu o segundo amarelo por simulação. Com dez em campo e sem o seu máximo goleador, a Fiorentina tinha um cenário bem adverso para lidar.

Apesar disso, a equipe violeta ainda teve chances de marcar. A principal delas aconteceu em cobrança de falta de Rui Costa, mas o camisa 10 acertou a trave esquerda de Vítor Baía. Do outro lado, Toldo segurava os avanços blaugranas e, com duas ótimas defesas, fez com que Ronaldo passasse em branco naquela noite. Poucos meses depois, o Fenômeno assinaria com a Inter e começaria a fazer a histórica carreira em solo italiano.

No fim da peleja, aos 82, Nadal ainda foi expulso ao matar contra-ataque violeta, igualando a quantidade de jogadores de cada lado. Contudo, era tarde demais para a equipe italiana reagir – afinal, precisava da virada para se classificar. Cabisbaixo após a derrota por 2 a 0 para o Barcelona, Ranieri viu ir embora a sua última chance de conseguir um título europeu pelo clube. Seu ciclo de quatro anos na Toscana foi encerrado com um nono lugar na Serie A e uma eliminação precoce na Coppa Italia.

O Barcelona, após passar pela Fiorentina, encontrou o Paris Saint-Germain na final. O time francês, que eliminara o Liverpool, não foi páreo para os culés, que venceram com um gol solitário de Ronaldo, de pênalti. De casa, a torcida violeta confabulava: e se Batistuta estivesse disponível para o segundo jogo da semifinal? Esta pergunta nunca terá uma resposta, mas o fato é que a ausência do craque foi fundamental para que a equipe de Florença continuasse a ter apenas a Recopa Uefa de 1961 em sua sala de troféus.

Barcelona 1-1 Fiorentina

Barcelona: Vítor Baía; Ferrer, Nadal, Fernando Couto, Roger; Amor, Popescu; Figo, Giovanni, Stoichkov (Pizzi); Ronaldo. Técnico: Bobby Robson.
Fiorentina: Toldo; Falcone, Amoruso, Padalino, Pusceddu; Robbiati, Cois, Rui Costa, Serena; Batistuta, Oliveira. Técnico: Claudio Ranieri.
Gols: Nadal (42’); Batistuta (62’)
Árbitro: Bernd Heynemann (Alemanha)
Local e data: Camp Nou, Barcelona (Espanha), em 10 de abril de 1997

Fiorentina 0-2 Barcelona

Fiorentina: Toldo; Carnasciali, Amoruso, Padalino, Serena (Pusceddu); Robbiati, Schwarz, Rui Costa, Cois (Bigica); Baiano (Firicano), Oliveira. Técnico: Claudio Ranieri.
Barcelona: Vítor Baía; Ferrer, Nadal, Fernando Couto, Sergi; Guardiola, De la Peña; Figo (Stoichkov), Giovanni (Abelardo), Luis Enrique (Amor); Ronaldo. Técnico: Bobby Robson.
Gols: Fernando Couto (30’) e Guardiola (35’)
Cartões vermelhos: Oliveira; Nadal
Árbitro: Anders Frisk (Suécia)
Local e data: Artemio Franchi, Florença (Itália), em 24 de abril de 1997

Compartilhe!

Deixe um comentário