Em 2004-05, o Parma vivia um momento delicado. Na Serie A, os crociati sentiam os efeitos de uma grave crise financeira e, com elenco modesto, lutavam contra o rebaixamento. Por outro lado, o time fez uma campanha surpreendente na Copa Uefa e, destoando do que se projetava na Emília-Romanha no início da temporada, atingiu as semifinais do torneio continental. Nessa fase da competição, os italianos mediram forças com os russos do CSKA Moscou, mas seus limites ficaram evidentes.
O Parma terminou a Serie A 2003-04 na quinta posição e, assim, foi direto para o primeiro turno da Copa Uefa, ao lado de todos os classificados através dos campeonatos nacionais dos oito países de maior coeficiente no ranking da entidade europeia. Também estreavam nesta fase de mata-mata os times que faturaram o terceiro posto nas ligas situadas entre o nono e o 11º lugares na escala da confederação, além dos vencedores das três chaves da Copa Intertoto e os eliminados na terceira fase preliminar da Champions League. Estes 48 clubes seriam pareados com 36 equipes provenientes dos playoffs.
Neste verdadeiro balaio de gato que era a Copa Uefa, o time emiliano estreou diante do Maribor e avançou à etapa seguinte após placar agregado de 3 a 2, com todos os gols ocorrendo no jogo realizado no estádio Ennio Tardini. Na época, a fase de grupos era formada por oito chaves com cinco integrantes, nas quais o três melhores se classificavam. Como não aconteciam as habituais partidas de ida e volta, o sorteio dos mandos de campo influía bastante no destino de uma equipe, considerando o equilíbrio que reinava na competição. Com o Parma não foi diferente.
Sorteado no Grupo B, o Parma perdeu seus jogos fora de casa, para Athletic Bilbao e Standard Liège, mas venceu as partidas no Tardini, ante Steaua Bucareste e Besiktas. Acabou se classificando com a terceira posição, atrás dos bascos e dos romenos. No mata-mata, após dois empates sem gols no tempo normal, precisou da prorrogação para eliminar o Stuttgart, aplicando-lhe 2 a 0 em plena Alemanha, e também conseguiu triunfos sofridos sobre Sevilla (1 a 0) e Austria Viena (1 a 1, com vantagem pelo tento qualificado). De forma inesperada, alcançava as semifinais.
O CSKA Moscou, seu adversário, teve um caminho mais curto na Copa Uefa. O time russo vinha da Champions League, tendo ficado em terceiro num grupo com os classificados Chelsea e Porto, além do eliminado Paris Saint-Germain. No segundo torneio mais importante do continente, a equipe do Leste Europeu superou o Benfica na fase de 16-avos de final (3 a 1) e, subsequentemente, passou por Partizan (3 a 1) e Auxerre (4 a 2). Ao contrário do Parma, os moscovitas somaram triunfos convincentes.
A partida de ida das semifinais foi realizada no dia 28 de abril de 2005. Como a temporada se aproximava do final, os crociati precisavam se dedicar a duas frentes: à própria Copa Uefa e também a uma Serie A que vivia uma das mais emocionantes brigas contra o rebaixamento de toda a história, devido a um equilíbrio de resultados que se deu ao longo do certame. Àquela altura, após a 33ª rodada do Italiano, 14 times tinham chances reais de descenso. O Parma, com 34 pontos, estava empatado com Brescia e Fiorentina; atrás do trio, havia apenas a Atalanta, com 31.
Diante desse cenário, o treinador Pietro Carmignani não teve muitas dúvidas. Para que o seu time não desviasse as atenções da briga para escapar da queda à Serie B, que poderia levar um Parma em crise à falência, optou por gerenciar o elenco e poupou os seus principais jogadores, como o promissor Alberto Gilardino, o experiente meia-atacante Domenico Morfeo e o goleiro Sébastien Frey. Dessa forma, eles se juntariam ao suspenso Mark Bresciano e a Alex Gibbs, Damiano Ferronetti, Marco Marchionni, Stefano Bettarini e Vincenzo Grella, que já estavam fora de combate por conta de lesões.
O técnico optaria por um time jovem na primeira partida contra o CSKA Moscou. Uma formação titular que teria, por exemplo, os meias Daniele Dessena e Filippo Savi, ambos de 17 anos. A aposta na juventude era uma necessidade, já que a crise da Parmalat levara ao fim da era Calisto Tanzi no Parma e ao corte de despesas no clube, que procurava novo comprador sob a gestão do comissário extraordinário Enrico Bondi. O elenco dos ducali tinha sido alvo de um desmanche nas janelas de transferências da temporada e ficou repleto de pratas da casa, sendo completado, majoritariamente, por jogadores que não tinham – e nem teriam – trajetória expressiva no futebol. Eram poucos os remanescentes de 2003-04.
Fatalmente, isso afetou o desempenho esportivo da equipe. Os maus resultados levaram, no fim de dezembro de 2004, à demissão do técnico Silvio Baldini, que fora contratado pela nova diretoria por ser uma alternativa pouco custosa, que se encaixava no orçamento de uma agremiação que atravessava um período de caos societário. Ao mesmo tempo, foi a delicada situação financeira que fez Bondi escolher Carmignani como substituto: o ex-goleiro já era funcionário do clube (pelo qual totalizava 11 anos de trabalho, distribuídos em duas passagens) e treinaria o time principal pela quarta vez na carreira.
Enquanto o Parma se esforçava para resolver os seus muitos problemas, o CSKA Moscou voava em céu de brigadeiro. O time azul e vermelho havia sido campeão da Rússia em 2003, vice em 2004 e iniciava mais uma trajetória vitoriosa na Premier League russa. Além disso, estavam descansados: seu jogo da semana pelo campeonato nacional havia sido adiado. Além de estarem num melhor momento sob o aspecto físico, os moscovitas tinham somente o desfalque do volante Evgeni Aldonin, suspenso.
O cenário desfavorável não animou os torcedores do Parma, que já vinham desiludidos por tudo o que acontecia na temporada: menos de 7,3 mil pessoas foram até o Tardini, que teve cerca de 14 mil de média de público nos jogos da Serie A em 2004-05. Apesar disso, a presença da torcida foi importante para equilibrar a ausência dos principais jogadores dos crociati. E coube a Fabio Vignaroli ser o homem mais perigoso dos ducali: a primeira chance surgiu de um cruzamento que acabou virando um chute para a meta do jovem Igor Akinfeev, que tinha 19 anos recém-completados.
O Parma até tentava, mas parava no bloqueio da defesa russa. O CSKA Moscou, por sua vez, criava oportunidades através de boas trocas de passes, mas pecava na hora da finalização. Yuri Zhirkov e o brasileiro Daniel Carvalho eram os jogadores mais perigosos. Eram dos pés deles que surgiam os ataques dos azul-vermelhos, mas o goleiro Luca Bucci não teve muitos problemas, principalmente devido à boa exibição da defesa gialloblù, capitaneada por Giuseppe Cardone.
Com poucas chances claras e muitos chutes de longa distância, o placar não se alterou. O empate sem gols acabou tendo aspectos positivos para os dois lados: para os russos, o fato de não terem sido vazados fora de casa numa semifinal europeia; para os italianos, a resiliência de um time recheado de jovens e sem os principais jogadores, que manteve a disputa em aberto no segundo jogo. Nas palavras do capitão Cardone, “entre os resultados negativos, o 0 a 0 é o melhor”.
Entre as duas partidas contra o CSKA Moscou, o Parma entrou com força máxima diante do Livorno, pela Serie A e conseguiu uma vitória estupenda por 6 a 4 – num jogo com quatro gols de Gilardino e outros quatro de Cristiano Lucarelli. O triunfo levou os crociati para a 15ª posição no campeonato e deu mais tranquilidade ao time para a viagem à Rússia.
O Parma sabia que teria enorme dificuldade no estádio Grigory Fedotov. Afinal, os torcedores russos ainda não tinham visto o CSKA Moscou perder naquela Copa Uefa e o time titular dos moscovitas teriam reforços de peso para o encontro: Aldonin e Vágner Love, que não estava 100% no duelo realizado na Itália e só entrou no segundo tempo daquela peleja.
Em Moscou, o jogo começou com o CSKA tomando as rédeas, mas quem quase marcou um gol antológico foi o Parma. Davide Furlan lançou Francesco Ruopolo, que emendou uma bicicleta e viu a bola passar muito perto do travessão. Foi apenas um fio de esperança para o torcedor gialloblù, que viu a partida degringolar rapidamente. Aos 9, depois de uma longa troca de passes, Ivica Olic ganhou na direita e serviu Zhirkov, que foi até a linha de fundo e cruzou para Daniel Carvalho. Livre na entrada da área, o atacante brasileiro chutou firme, de primeira, sem chances para Bucci, e abriu o placar no confronto.
Logo depois do gol, o arqueiro italiano foi atingido por um sinalizador e precisou ser atendido. Sem se recuperar do aparente problema nos ouvidos e na cabeça, Bucci teve de ser substituído por Frey na baliza parmense. Entretanto, os russos continuaram em cima. Chidi Odiah se desvencilhou de dois marcadores e virou o jogo para Zhirkov, que driblou Ibrahima Camara, entrou na área e colocou a bola nos pés de Vágner Love. O atacante brasileiro chutou, mas acabou travado pela defesa crociata.
Já do lado do Parma, Bresciano assumiu o papel de Vignaroli e era quem tinha as melhores chances em chutes de fora da área. E, com a dificuldade de criar, a bola parada também foi uma boa alternativa. Em uma cobrança de escanteio de Bresciano, Ruopolo cabeceou para baixo, como diz o manual do artilheiro, mas a pelota subiu demais e passou por cima do travessão de Akinfeev.
Carmignani poupou peças até onde pode, mas com o 1 a 0 no placar e vendo o time ser eliminado, decidiu apostar suas fichas em Gilardino na volta do intervalo. Contudo, novamente, levou um balde de água fria dos russos. Aos 53, Aldonin conduziu a bola da defesa para o ataque e passou para Vágner Love, que venceu duelo contra Grella e achou Daniel Carvalho livre entrando na área. O ex-jogador do Internacional precisou apenas de um toque para colocar na saída de Frey e fazer o 2 a 0.
Cinco minutos depois, aos 58, Daniele Bonera cometeu falta despretensiosa em Zhirkov, perto da bandeira de escanteio. Na cobrança, Daniel Carvalho levantou na segunda trave, onde Vasiliy Berezutskiy subiu mais alto do que o capitão Paolo Cannavaro e fez o último gol da partida. Os azuis-vermelhos ainda tiveram chances de ampliar em cobranças de falta de Daniel Carvalho e de Sergei Ignashevich. Houve tempo também para Gilardino acertar o travessão de Akinfeev e Bonera ser expulso por conta do acúmulo de cartões. Nada que alterasse o impiedoso 3 a 0 do CSKA sobre o Parma.
No dia seguinte à derrota, o Parma tentou levar o confronto para os tribunais: pedia os pontos no jogo e, consequentemente, a classificação à final por causa da agressão a Bucci. O recurso foi rejeitado pelo Comitê de Controle e Disciplina da Uefa, que aplicou uma pena de 100 mil francos suíços e dois confrontos de portões fechados para o CSKA Moscou. Os russos venceriam a Copa Uefa daquele ano após a vitória por 3 a 1 na casa do Sporting, em Lisboa, e se tornaram a primeira equipe do país a conquistar um troféu europeu.
De qualquer jeito, o objetivo principal do Parma era se manter na elite italiana, como Carmignani salientou na entrevista coletiva posterior à eliminação para o CSKA Moscou. “A Copa Uefa foi uma grande aventura para nós, mas temos de voltar a pensar no campeonato nacional”, disse.
Aos trancos e barrancos, os parmenses se salvaram: nas rodadas finais, venceram a Roma e ficaram perto da permanência, mas tropeços ante Siena e Lecce obrigaram os gialloblù a disputarem o famoso spareggio com o Bologna, empatado em pontos. Nos jogos de desempate com o rival emiliano, melhor para o time crociato. No fim das contas, o Parma obteve o seu objetivo prioritário e não faliu, mas às custas da desistência do seu quinto título europeu.
Parma 0-0 CSKA Moscou
Parma: Bucci; Cardone (Bonera), P. Cannavaro, Bovo; Camara, Dessena, Savi, Vignaroli, Furlan (Pisanu); Ruopolo, Sorrentino (Bolaño). Técnico: Pietro Carmignani.
CSKA Moscou: Akinfeev; Ignashevich, A. Berezutskiy, V. Berezutskiy; Odiah, Semberas, Rahimic, Zhirkov; Daniel Carvalho, Krasic (Vágner Love); Olic (Laizans). Técnico: Valery Gazzaev.
Árbitro: Massimo Busacca (Suíça)
Local e data: estádio Ennio Tardini, Parma (Itália), em 28 de abril de 2005
CSKA Moscou 3-0 Parma
CSKA Moscou: Akinfeev; Ignashevich, A. Berezutskiy, V. Berezutskiy; Odiah, Aldonin, Rahimic, Zhirkov; Daniel Carvalho (Semberas); Olic (Krasic), Vágner Love (Salugin). Técnico: Valery Gazzaev.
Parma: Bucci (Frey); Bonera, P. Cannavaro, Bovo; Camara, Savi, Grella (Fábio Simplício), Furlan (Gilardino); Bresciano, Dessena; Ruopolo. Técnico: Pietro Carmignani.
Gols: Daniel Carvalho (9’ e 53’) e V. Berezutskiy (59’)
Cartão vermelho: Bonera
Árbitro: Alain Hamer (Luxemburgo)
Local e data: estádio Grigory Fedotov, Moscou (Rússia), em 5 de maio de 2005