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Todo mundo amou Daniele De Rossi. Menos o Galvão Bueno

Daniele De Rossi não nasceu um viking barbudo, desses que parecem ter acabado de sair de uma loja da Vila Madalena. E este é um pressuposto essencial para começar a narrar a carreira do ex-capitão da Roma e da seleção italiana, que disse adeus aos gramados em 2020.

O menino crescido na periferia da capital italiana foi levado para as categorias de base da Roma aos 16 anos, quando se destacava como atacante nas categorias de base da Ostiamare, no litoral romano. O pai dele, Alberto De Rossi, era treinador do time sub-20. Não houve espaço para discussões de nepotismo: demorou pouco para o “filho do professor” ganhar a faixa de capitão nas três categorias em que passou.

A primeira vitória pessoal de Daniele De Rossi no futebol foi contrariar a tradição romanista de emprestar suas promessas antes de fazê-las estrear no time principal. Foi lançado por Fabio Capello em 2001 e demorou pouco para botar no banco de reservas gente muito mais experiente, como Damiano Tommasi e Lima. No momento mais dramático da Roma no século, quando o time só se livrou do rebaixamento na última rodada, virou titular e referência em campo. Tinha 21 anos.

Aos 22, utilizou pela primeira vez a faixa de capitão que pertencia a seu herói (e futuro amigo), Francesco Totti. Na mesma semana, marcou um gol de cabeça contra o Messina após ajeitar a bola no braço. O árbitro Mauro Bergonzi havia validado o lance, mas foi advertido pelo próprio De Rossi, que pediu a sua anulação.

De Rossi, ainda nos anos iniciais de sua carreira (AFP/Getty)

‘O jogador mais violento’

Por sinal, os 22 anos foram históricos para De Rossi, que ganhou seu primeiro título como jogador profissional: a Copa do Mundo de 2006. No mesmo período em que criava na Itália uma aura de menino prodígio, capitan futuro, exemplo em campo, virou vilão no Brasil. Mérito de Galvão Bueno, que o taxou de “jogador mais violento do futebol mundial” depois da cotovelada que acertou em Brian McBride. Pegou quatro jogos de suspensão. Voltou a tempo da final, entrou em campo no lugar de Totti, converteu um dos pênaltis na decisão contra a França.

A década e meia que se passou desde então viu um De Rossi cada vez mais líder emocional do vestiário – mesmo que, frequentemente, acabasse tragado pelo pesadelo em que se transformava sua vida pessoal, da qual nunca gostou de falar. A separação da mãe da primeira filha, o assassinato do sogro e as provocações nos estádios dos times menores começaram a construir o De Rossi que começou a se esconder do mundo “lá de fora” e ficará impregnado no imaginário popular, de barba e tatuagens. Mesmo nos piores momentos, contudo, raramente saía de campo com uma nota abaixo 6 em qualquer partida que fizesse pela Roma ou pela seleção italiana.

Para além dos problemas pessoais, o contexto enfrentado por De Rossi foi um dos mais complexos entre os grandes jogadores italianos da geração. Era a alma de uma Roma que investia sem vencer, fazia sonhar e não entregava troféus, ganhava dérbis, perdia finais, levava goleadas. Conseguiu somar mais de uma centena de jogos por uma Itália que acumulou vexames mundiais depois do título de 2006. Depois de cada um dos momentos difíceis, saía – no máximo – chamuscado. A simpatia por ele, no fim, tornou-se o instinto natural de qualquer torcedor italiano.

De Rossi conseguiu se tornar ídolo de napolitanos e milanistas, juventinos e interistas, mesmo com seu romanismo arraigado, sendo sempre ele mesmo num mundo povoado por jogadores-personagens de redes sociais.

De Rossi comemora com Totti, seu ídolo e amigo (AFP/Getty)

Enfim, capitão

De volta à Roma, o capitan futuro só ganhou mesmo a faixa de capitão em 2017, quando Totti se aposentou e o próprio De Rossi já ensaiava seu adeus. Foi a primeira vez desde 1934 – tempos de Attilio Ferraris e Fulvio Bernardini – que um romano a transmitiu a outro.

Quando ainda tinha poucos pelos no rosto e só uma tatuagem visível a olho nu, De Rossi disse que estava pronto para “amanhã de manhã assinar com a Roma por toda a vida, um contrato até 2030”. Uma década antes do prazo pré-fixado, e depois de uma passagem de menos de seis meses pelo Boca Juniors, anunciou a aposentadoria.

A bem da verdade, o adeus poderia ter ocorrido bem antes. José Mourinho se esforçou para levá-lo para a Inter e para o Real Madrid. Roberto Mancini, no Manchester City, insistiu em cortejá-lo por anos seguidos. Mas só o Boca era capaz de intrigar De Rossi ao ponto de fazê-lo deixar a casa montada em Roma para fazer seu canto de cisne a um oceano de distância, longe das mil rádios temáticas da capital italiana.

O ex-capitão giallorosso disse adeus ao esporte jogado em 6 de janeiro de 2020, numa coletiva de imprensa modesta. O último ato de um dos grandes líderes do futebol italiano no século 21 se tornou um epílogo discreto. Como ele sempre esperou que fosse.

Daniele De Rossi
Nascimento: 24 de julho de 1983, em Roma
Posição: meio-campista
Clubes: Roma (2001-19) e Boca Juniors (2019-20)
Títulos: Coppa Italia (2007 e 2008), Supercopa Italiana (2007) e Copa do Mundo (2006)
Seleção italiana: 117 jogos e 21 gols

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1 Comentário

  • Foi muito marcante o jogo da volta da Repescagem das Eliminatórias Europeias para a Copa do Mudo de 2018. Tendo a Itália só mais uma substituição e o empate em 0 x0 eliminando a Azzurra, o Ventura mandou o De Rossi se aquecer e ele apontou para o Insigne dizendo que tinha que colocar jogadores ofensivos, por que precisavam vencer!

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