Jogos históricos

Em 1989, um Milan ‘total’ goleou o Steaua Bucareste na final da Copa dos Campeões

Em 1987, teve início um dos casamentos de maior sucesso da história do futebol: aquele realizado entre Milan e Arrigo Sacchi, fruto de uma inovadora mentalidade conferida pelo recém-empossado presidente Silvio Berlusconi. Logo em seu primeiro ano, o técnico tirou o Diavolo de uma fila de quase uma década sem títulos italianos. Porém, foi na segunda temporada que o Mago de Fusignano escreveu o seu nome no livro dos gigantes rubro-negros.

No dia 24 de maio de 1989, o clube rossonero aplicou uma sonora goleada sobre o Steaua Bucareste na final da Copa dos Campeões, poucas semanas após trucidar o Real Madrid. O tricampeonato europeu marcou o início de uma nova era, que aliava a gestão de Berlusconi e Adriano Galliani, a sapiência de Sacchi, o poder das categorias de base milanistas e o talento de um trio de craques holandeses.

A reconstrução rossonera

As dificuldades batiam à porta do Milan até a chegada de Berlusconi, em 1986. Além de uma pessoa influente, o empresário do ramo de comunicações era apaixonado por futebol e tinha tudo o que o clube precisava para se reerguer: visão sobre o esporte e controle sobre as finanças. Ele reequilibrou o patrimônio da agremiação e apostou, em 1987, num técnico de currículo modesto para substituir o gabaritado Nils Liedholm, ídolo rossonero. Porém, valeria a pena.

Petrescu, um dos bons jovens do Steaua, não teve sucesso ao tentar marcar Gullit (Allsport/Getty)

Sacchi treinava o Parma, na Serie B, antes de chegar ao Milan. Ele revolucionou o futebol, apesar das críticas iniciais da imprensa, por nunca ter sido jogador profissional. Naquela época, era quase uma obrigação ter passado pelos gramados para poder ser considerado um bom comandante. Mas Arrigo era um estudioso do esporte e acompanhou jogos em toda a Europa para adquirir todo o conhecimento que lhe seria útil. Contrariando as ideias do catenaccio, estilo tipicamente italiano que priorizava o “saber defender para saber atacar”, o técnico calou os que criticavam a escolha ousada de Berlusconi.

O primeiro fruto colhido pelo treinador romanholo foi o título da Serie A de 1988, após ferrenha disputa com o Napoli de Diego Armando Maradona. Após permitir que os rossoneri comemorassem uma conquista que não vinha desde 1979, Sacchi se debruçou sobre a possibilidade de, três décadas depois, levar o Milan ao topo da Europa.

Classificado à Copa dos Campeões, o Milan passou de forma tranquila sobre o Vitosha Sofia (atual Levski Sofia), com duas vitórias e placar agregado de 7 a 2 sobre os búlgaros – Marco van Basten chegou a anotar quatro gols no jogo de volta. Na sequência, o Diavolo teve trabalho frente ao forte Estrela Vermelha: após dois empates por 1 a 1, avançou nos pênaltis.

Com dois de Gullit, o Milan despachou o Steaua no Camp Nou (Getty)

Nas quartas, o Werder Bremen também dificultou a vida do Milan, que avançou após empate sem gols na Alemanha e magra vitória em San Siro. O confronto com os verdes precedeu os jogos que evidenciaram que o time de Sacchi atingira a maturidade: nas semifinais, diante do Real Madrid, o Diavolo empatou por 1 a 1 no Santiago Bernabéu e enfiou 5 a 0 nos merengues na partida de volta. Era uma espécie de final antecipada, mas a equipe italiana precisava confirmar a esperada superioridade sobre um Steaua Bucareste que marcava época.

Os anos mágicos do Steaua Bucareste

Nem o torcedor mais otimista imaginava que o Steaua Bucareste seria tão forte e competitivo dentro e fora da Romênia nos anos 1980. Em 1984, a volta de Emerich Jenei, ex-jogador e também comandante da equipe na década de 1970 levantou a moral da torcida, que assistiu, com prazer, a um trabalho cheio de identificação com o clube.

No fim das contas, o time azul e vermelho se tornou o primeiro do Leste Europeu a conquistar a Copa dos Campeões, ao bater o Barcelona na temporada 1985-86. A disputa foi levada aos pênaltis após empate sem gols nos 120 minutos de jogo e, aí, foi a vez de o goleiro Helmut Duckadam se destacar. Ele defendeu quatro penalidades e garantiu o título inédito ao Steaua. Apesar das portas que poderiam ser abertas após a taça, o arqueiro romeno sofreu de um quadro de trombose e ficou parcialmente paralisado. Aos 27 anos, aquela foi sua última partida como jogador profissional.

Assim como Gullit, Van Basten não tomou conhecimento da defesa romena e marcou dois gols (Getty)

O sucesso de Jenei lhe rendeu um convite para treinar a seleção romena, em 1986, e abriu espaço para que Anghel Iordanescu, atacante recém-aposentado com a camisa do Steaua e seu assistente, assumisse o comando. O novo técnico levou o time até as semifinais da Copa dos Campeões 1987-88, parando no Benfica, e manteve o ritmo forte no ano seguinte.

Em 1988-89, a equipe de Bucareste participava da competição europeia pela quarta vez seguida, devido ao tetracampeonato nacional, e tinha como destaques os jovens Dan Petrescu (lateral-direito), Gheorghe Hagi (meia) e Marius Lacatus (atacante), além do veterano centroavante Victor Piturca. Com esses bons nomes e um técnico emergente, como Iordanescu, o Steaua deixou os seus adversários para trás com placares agregados muito elásticos: Sparta Praga (7 a 3), Spartak Moscou (5 a 1), IFK Göteborg (5 a 2) e Galatasaray (5 a 1) não foram páreo para os romenos. Contudo, na final, o Milan representaria um desafio muito maior do que os encarados anteriormente.

O confronto

Masterclass é o nome dado a uma aula dada por um especialista em algum assunto. Apesar da expressão ter se popularizado há pouco tempo, é possível incluir a performance do Milan em 24 de maio de 1989 no conceito. O Diavolo pintou e bordou frente a cerca de 97 mil pessoas, e aplicou uma sonora goleada em cima do Steaua Bucareste em pleno Camp Nou. Foi um passeio: 4 a 0.

Festa do Milan: italianos celebraram conquista com tempero holandês (Getty)

Os protagonistas da noite na Catalunha não foram italianos ou romenos. Dentro de campo, o Milan contava com craques azzurri, como Franco Baresi, Paolo Maldini e Carlo Ancelotti, mas também tinha uma das duplas de ataque mais temidas do mundo, formada por Van Basten e Ruud Gullit, que haviam levado a Holanda ao título da Euro em 1988. Os dois liquidaram o jogo em menos de uma hora, auxiliados pelo compatriota Frank Rijkaard.

O Milan, sempre dominante, não se intimidou com o fato de o adversário de Bucareste ter um elenco melhor em relação àquele que conquistou a Europa pela primeira vez, sobretudo pela contratação de Hagi, conhecido como o “Maradona dos Cárpatos”. Entretanto, nada poderia afastar Sacchi e seus comandados da glória continental.

Van Basten e Gullit carimbaram a trave nos minutos iniciais e não demoraram a se aproveitar da fragilidade de Adrian Bumbescu, um dos beques da defesa do Steaua Bucareste: aos 18, os rossoneri conseguiram abrir o placar. Angelo Colombo finalizou e o goleiro Silviu Lung fez a defesa parcial, deixando a bola viva na grande área. Lento, o zagueiro romeno permitiu que a sobra ficasse com Marco, que dividiu com o arqueiro. No rebote, Ruud empurrou para as redes.

A aposta que deu certo: em 1989, Sacchi ganhou sua primeira Copa dos Campeões pelo Milan (Getty)

Nove minutos depois de anotar o primeiro gol, o Milan encaminhou o título. Mauro Tassotti se livrou da marcação, pelo lado direito, e cruzou a bola na cabeça de Van Basten, que recebeu de Bumbescu a liberdade para escolher o canto antes de arrematar. Gullit ainda fez mais um antes do intervalo. O camisa 10 recebeu passe por elevação de Roberto Donadoni, na altura da entrada da área, e viu o catastrófico Bumbescu e Nicolae Ungureanu lhe estenderem um tapete vermelho. Os dois abriram o corredor para que Ruud pudesse finalizar e ele não hesitou, usando toda sua qualidade para fuzilar Lung e garantir uma vantagem ainda mais larga para os rossoneri.

O Steaua Bucareste tentava criar, ainda acreditando que o futebol bem jogado poderia prevalecer mesmo diante de um adversário como o Milan. Mas a ilusão durou até a volta do intervalo. Aos 46 minutos, Rijkaard arrancou e passou em profundidade para Van Basten, que começou a correr numa posição de desvantagem em relação a Bumbescu, mas mesmo assim foi mais veloz e finalizou cruzado, na saída de Lung, enterrando o adversário romeno.

O Milan ainda chegou a ter gol anulado e só correu perigo nos minutos finais, quando já estava relaxado demais para se importar com uma ou outra estocada do Steaua Bucareste. Assim, com muita fumaça saindo dos sinalizadores e a voz de sua fiel torcida, o Diavolo voltou a brilhar fora da Itália e conquistou o sonhado tricampeonato europeu. Era o começo de um período fantástico e dominante para o time rossonero, que, após década sombria, tornava a figurar no grupo dos mais temidos do continente.

Steaua Bucareste 0-4 Milan

Steaua Bucareste: Lung; Petrescu, Bumbescu, Ungureanu, Stoica; Iovan, Minea, Rotariu (Balint), Hagi; Lacatus, Piturca. Técnico: Anghel Iordanescu.
Milan: G. Galli; Tassotti, Costacurta (F. Galli), Baresi, Maldini; Colombo, Rijkaard, Ancelotti, Donadoni; Gullit (Virdis), Van Basten. Técnico: Arrigo Sacchi.
Gols: Gullit (18′ e 39′) e Van Basten (28’ e 46’)
Árbitro: Karl-Heinz Tritschler (Alemanha Ocidental)
Local e data: Camp Nou, Barcelona (Espanha), em 24 de maio de 1989

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