O mês de abril de 2010 será sempre lembrado pelos interistas por ter sido o momento em que o time de José Mourinho provou que se tratava realmente de um grupo campeão. A fase na temporada não era muito positiva para o português e seus comandados, mas a equipe nerazzurra venceu com autoridade o melhor time de futebol daqueles tempos e encaminhou uma classificação histórica para a final da Liga dos Campeões. O clube nerazzurro não conseguia tal feito desde os anos 1970, no canto do cisne da Grande Inter, que foi finalista três vezes na década anterior.
Depois de provar contra o Chelsea que o medo das noites europeias estava superado, a Inter fez placares magros contra o CSKA Moscou e não sobrou nas quartas de final da competição continental, como se esperava. Enquanto isso, no campeonato, tinha perdido a liderança após cair para a Roma no Olímpico e empatar com a Fiorentina graças a falhas cruciais de Julio Cesar. Contudo, a vitória no Derby d’Italia no final de semana anterior ao primeiro jogo da semifinal da Liga dos Campeões serviu como um impulso para iniciar a arrancada final para o inédito Triplete.
A primeira derrota por mais de um gol de diferença de Pep Guardiola no comando técnico do Barcelona se deu através de um planejamento e uma execução perfeitos de Mourinho. O português contou com atuação mágica de Diego Milito e companhia para colocar aquele 20 de abril de 2010 na história da Beneamata. O sistema tático do treinador de Setúbal, personificado em um versátil 4-2-3-1, que assumia diferentes desenhos de acordo com o contexto do jogo, ainda era uma novidade naquela época, mas se tornou o carro-chefe do seu trabalho a partir da chegada de Goran Pandev.
José, que nove anos depois deu uma aula no canal The Coaches’ Voice, explicou que seu time teve posicionamentos diferentes durante a partida, principalmente no meio de campo, conforme as situações do jogo e as adaptações ao sistema adversário. Do outro lado, Guardiola também experimentava o 4-2-3-1 como uma variação do 4-3-3, abandonando o tradicional jogo de posição da sua escola e buscando extrair o máximo do seu craque, Lionel Messi. Na ocasião, Seydou Keita estava na esquerda para defender o setor de Maicon, jogando Pedro para a direita causar confusão na marcação rival, que inicialmente focava suas atenções naquela faixa do campo na dupla Messi e Daniel Alves.
Uma tática que se mostrou acertada na primeira parte da etapa inicial, principalmente pela forma que o Barcelona abriu o placar no San Siro. Era um momento de superioridade da Inter, que atacava de forma objetiva pela esquerda. Aos 2 minutos, jogada perigosa de Milito afastada por Keita, enquanto aos 9, Wesley Sneijder acionou Samuel Eto’o nas costas do meio-campo adversário, e o camaronês rapidamente lançou Milito em profundidade. O argentino, que sairia cara a cara com Victor Valdés, foi parado por um impedimento inexistente marcado pela arbitragem portuguesa.
Aos 16, o chute de Eto’o da entrada da área foi defendido parcialmente por Valdés, que viu Milito perder boa oportunidade após chutar torto no rebote. Aos 19, a redenção catalã veio com um ex-interista: em uma arrancada pela esquerda, Maxwell desencadeou o caos na marcação dos mandantes. No seu cruzamento rasteiro para trás, enquanto Zlatan Ibrahimovic segurou Walter Samuel, ninguém acompanhou Pedro, que, livre na marca do pênalti, abriu o placar. O gol assustou a torcida anfitriã, mas não os jogadores nerazzurri: eles retomaram o domínio das ações de perigo e depois empataram. Se tratava de um duelo de mata-mata e pelo fato de o primeiro jogo ser em Milão, a Inter precisava vencer com muitos gols para ter maior chance de avançar.
Goran Pandev atuou mais recuado na esquerda para apoiar Javier Zanetti, Esteban Cambiasso e Thiago Motta na defesa da “zona Messi” e das ultrapassagens de Daniel Alves, criando algo que a imprensa italiana após o jogo chamou de “jaula”. Com isso, Sneijder, Eto’o e Milito assumiram posicionamentos mais livres nas transições ofensivas, aproveitando os espaços criados pela marcação por pressão pós-perda blaugrana. O time de Mourinho se defendia de forma compacta, limitando o campo de atuação de Messi e Xavi por dentro e dando espaços por fora para Daniel Alves e Maxwell atacarem. Por consequência, Gerard Piqué e Carles Puyol ficavam expostos. A virada foi construída exatamente dessa forma.
Antes do empate, porém, duas jogadas pela esquerda levaram perigo para o gol dos visitantes. Primeiro em uma falta cobrada por Sneijder na cabeça de Lúcio, que perdeu chance de ouro cara a cara com Valdés. Depois, a oportunidade foi criada em uma combinação entre Pandev e Milito, resultando em um chute do argentino que tirou tinta da trave. Mas o caminho era pela direita e, por ali, Eto’o cruzou para Pandev, que foi antecipado por Milito. O camisa 22 protegeu a bola e, junto com seu companheiro macedônio, arrastou três marcadores, deixando Sneijder livre na esquerda para receber e empatar, aos 29 minutos.
Enquanto o Barça tinha a posse de bola, era a Beneamata que construía as principais chances. Na volta do intervalo, o time de Mourinho novamente saiu do vestiário de forma avassaladora. Logo no primeiro minuto, Milito foi acionado em profundidade na ponta direita, porém seu cruzamento saiu muito aberto e Pandev não conseguiu chegar a tempo de finalizar.
Dois minutos mais tarde, a receita mais uma vez se provou fatal. Depois de recuperação de Thiago Motta, com desarme sobre Messi em campo defensivo, Pandev arrancou pelo meio e abriu para Milito na direita. O argentino então tocou para Maicon, que atacou por dentro, livre de marcação, para marcar seu sétimo gol: o lateral era protagonista outra vez em questão de dias, após o golaço que decidiu o clássico com a Juventus.
Os visitantes só voltaram a levar perigo aos 53 minutos, quando Sergio Busquets teve cabeceio defendido por Julio Cesar. Aos 61, Thiago Motta mais uma vez roubou a bola e saiu muito bem, armando novo contra-ataque. Eto’o recebeu do brasileiro – que à época ainda não era um selecionável italiano – e cruzou na segunda trave para Sneijder ajeitar de cabeça. Milito, dessa vez em posição irregular, completou a jogada e coroou sua grande atuação com um gol de sua autoria, depois das assistências para Sneijder e Maicon.
Guardiola reagiu de forma defensiva para tentar parar os ataques da Inter pela direita e evitar uma goleada. Completamente apagado e vaiado pela torcida da casa, Ibrahimovic deu espaço a Éric Abidal. O sueco, que saiu de Milão dizendo que se mudou para ganhar a Liga dos Campeões, engoliu suas palavras: aos 38 anos, até hoje não levantou a orelhuda e ficou com o estigma de sumir nas decisões das noites europeias. No final da partida, as câmeras ainda flagraram um garoto com um cartaz que dizia “Ibra queria ganhar a Champions, mas errou o time!”.
O Barcelona só voltou a levar perigo através da bola parada. Primeiro, no único chute a gol de Messi: cobrança de falta do camisa 10 blaugrana que foi defendida por Julio Cesar. Pouco a pouco, o goleiro brasileiro recuperava sua confiança após as falhas que comprometeram a liderança na Serie A e se tornaria decisivo na reta final da temporada.
Aos 85 minutos, Piqué até conseguiu passar pelo camisa 12 nerazzurro, mas esbarrou na outra muralha canarinho: Lúcio, praticamente intransponível na peleja. Já a Inter perdeu a oportunidade de golear com Sneijder. Lançado na área rival, o holandês errou o domínio e não aproveitou as posições livres de Eto’o e Mario Balotelli.
O jovem atacante, inclusive, conseguiu sair do San Siro com imagem queimada. Apagado após substituir Milito, o herói da noite, Balotelli acabou vaiado pela exigente torcida e perdeu a cabeça ao atirar sua camisa no gramado, ao apito final. O episódio foi definido por Massimo Moratti, presidente e dono da Inter na época, como um suicídio público e praticamente encerrou a passagem do italiano pelo clube – Mario seria vendido ao Manchester City no verão. Maicon, por sua vez, assustou os interistas ao quebrar um dente após trombar com Messi, mas conseguiu se recuperar a tempo para o jogo da volta. Amarelados, Dejan Stankovic e Puyol seriam ausências importantes para ambos os times no duelo do Camp Nou.
Se hoje vivemos momentos de tensão e tristeza pela pandemia do novo coronavírus, a primavera europeia de 2010 foi marcada pelo caos causado pela erupção do vulcão Eyjafjallajökull, na Islândia. Os ventos dos oceanos Atlântico e Ártico levaram a fumaça para o continente, fecharam os aeroportos e cancelaram diversos voos. Na ocasião, o time do Barça precisou fazer uma longa viagem de dez horas de ônibus. Os culés também ficaram na bronca com a arbitragem de Olegário Benquerença, que não viu o impedimento de Milito no terceiro gol e considerou simulação de Daniel Alves uma carga de Sneijder sofrida pelo brasileiro na área nerazzurra, já nos acréscimos.
No jogo da volta, depois de prova de resistência no Camp Nou, os comandados de Mourinho assegurariam a classificação para a final com uma derrota por 1 a 0, em gol marcado por Piqué já no final. Daquela vez, foram os interistas que reclamaram da arbitragem de Frank De Bleeckere, que caiu no teatro de Busquets e expulsou Motta: com um jogador a menos em boa parte da partida, os italianos precisaram ter uma atuação defensiva de sacrifício, ao melhor estilo Mourinho. O segundo capítulo da saga nerazzurra você acompanha aqui.
Inter 3-1 Barcelona
Inter (4-2-3-1): Julio Cesar; Maicon (Chivu), Lúcio, Samuel, Zanetti; Cambiasso, Thiago Motta; Eto’o, Sneijder, Pandev (Stankovic); Milito (Balotelli). Treinador: José Mourinho.
Barcelona (4-2-3-1): Valdés; Daniel Alves, Piqué, Puyol, Maxwell; Xavi, Busquets; Pedro, Messi, Keita; Ibrahimovic (Abidal). Treinador: Pep Guardiola.
Gols: Pedro (19′; 0-1), Sneijder (30′; 1-1), Maicon (48′; 2-1) e Milito (61′; 3-1)
Local e data: estádio Giuseppe Meazza, em Milão (Itália), 20 de abril de 2010
Árbitro: Olegário Benquerença (Portugal)
Cartões amarelos: Eto’o e Stankovic (suspenso); Busquets, Puyol (suspenso), Piqué, Keita e Daniel Alves
Jogo histórico, pra mim a atuação mais marcante daquela temporada!