Nunca uma derrota foi tão comemorada quanto a que a Inter sofreu no Camp Nou 10 anos atrás, na volta das semifinais da Liga dos Campeões. Nem o deselegante sistema de irrigação do gramado atrapalhou a comemoração de José Mourinho e companhia, que levou até mesmo Mario Balotelli aos prantos – logo ele, que no jogo de ida tinha jogado sua camisa ao chão após provocações da torcida. O resultado, 1 a 0 para o Barcelona, foi o suficiente para garantir a Beneamata em sua primeira final da competição em quase quatro décadas. A anterior havia sido em maio de 1972, no canto do cisne da Grande Inter, amassada pelo Ajax de Johan Cruyff em Roterdã.
O planejamento de abordagem escolhido pela Inter teve uma execução quase perfeita em San Siro. A vitória por 3 a 1 permitiu aos italianos um pouco de segurança no Camp Nou, e a exibição na Catalunha foi norteada por espírito de entrega e concentração. Se tivesse ocorrido nos dias atuais, o time de Mourinho com certeza teria sido chamado de resiliente. O adjetivo realmente ilustra muito bem o que foi o desempenho dos nerazzurri contra o melhor time do mundo, dominante na temporada anterior e também na seguinte. Mas não naquele mês de abril de 2010. Ali, a segunda Grande Inter plantou nos interistas a semente dos sonhos ambiciosos, que não germinava naquele pedaço de Milão havia muito tempo.
Para o segundo jogo das semifinais daquela edição da Liga dos Campeões, a equipe da Lombardia não contava apenas com Dejan Stankovic, suspenso por acúmulo de cartões – assim como o capitão adversário, Carles Puyol. Ou pelo menos Mourinho achou que seria assim. Goran Pandev, que já tinha ficado de fora no jogo do final de semana pela Serie A, acabou se machucando no aquecimento, o que forçou a entrada de Cristian Chivu no time titular. O versátil defensor romeno tinha a mesma função do companheiro macedônio: ajudar Javier Zanetti, Thiago Motta e Esteban Cambiasso a fazer a “jaula Messi”, porém sem a competência ofensiva do ex-laziale.
O plano do treinador português era o mesmo do primeiro jogo: limitar os espaços de Lionel Messi e sair com velocidade nos contra-ataques. Do outro lado, Pep Guardiola surpreendeu com Yaya Touré na zaga ao lado de Gerard Piqué, enquanto Gabriel Milito, irmão de Diego, se encarregou de defender Samuel Eto’o e Maicon com o apoio de Seydou Keita para evitar o que aconteceu no San Siro. Até por isso, para ocupar o lateral brasileiro, Pedro ficou preso na ponta esquerda, enquanto Daniel Alves buscaria os espaços criados do outro lado. E exatamente assim o jogo se desenrolou nos seus primeiros minutos.
No primeiro confronto entre Pedro e Maicon, melhor para o jovem atacante espanhol, que driblou o brasileiro e chutou com perigo para fora. Do outro lado, Daniel Alves só foi parado por Thiago Motta, que recebeu seu primeiro cartão amarelo após uma entrada dura. Na cobrança de falta, Zlatan Ibrahimovic sentiu que aquela noite também não seria fácil e, em uma dividida com Lúcio e Keita, teve sua camisa rasgada. Sempre pela direita com o outro lateral brasileiro do jogo, o Barcelona seguiu assustando, mas sem acertar o gol de Julio Cesar, que viu sua defesa antecipar Xavi após bom pivô de Ibrahimovic e novo chute para fora de Pedro.
Então, aos 28 minutos, ocorreu o lance que condicionou o verdadeiro confronto de ataque e defesa entre blaugranas e nerazzurri. Thiago Motta, na tentativa de proteger a bola, acertou involuntariamente o rosto de Sergio Busquets, que com uma atuação digna de Oscar, forçou o segundo cartão amarelo dado pelo árbitro belga Frank De Bleeckere ao volante brasileiro. Na sequência, a Inter teve suas únicas chegadas ao campo adversário, com Eto’o, bloqueado pela marcação adversária, e Chivu, que disparou o único chute da Inter no jogo, sem qualquer perigo para Victor Valdés.
Reorganizado após a expulsão, o time de Mourinho teve Chivu na função de Motta, enquanto Eto’o foi cobrir o lado esquerdo em uma atuação até hoje lembrada por seu sacrifício. Na direita, Milito se encarregou do seu irmão – que, contudo, não avançava como Daniel Alves –, enquanto Wesley Sneijder se ocupou de dar o primeiro combate no centro. A estratégia funcionou até Messi aparecer: na única vez que conseguiu finalizar sua clássica jogada, um chute perigoso desviado por Walter Samuel resultou na célebre defesa de Julio Cesar com as pontas dos dedos. Depois, derrubado por Chivu, o argentino viu Ibrahimovic disparar seu único chute perigoso contra a sua antiga equipe em toda a semifinal, mas novamente para fora.
Na volta do intervalo, Guardiola trocou o seu Milito por Maxwell. Sua equipe continuou chegando com perigo e até reclamou de penalidades em divididas de Ibrahimovic com Lúcio, Pedro com Cambiasso e Messi com Chivu, porém seguiu sem acertar o gol adversário. O treinador catalão voltou a mexer na metade da etapa final após minutos de inércia do seu time, substituindo Ibrahimovic e Busquets pelos jovens atacantes Jeffrén e Bojan. A partir de então, o zagueiro Piqué virou atacante e a principal referência para lançamentos e cruzamentos. Era a aposta de Guardiola para tentar ultrapassar as linhas compactas da defesa nerazzurra. Na época, se comentou muito que Mourinho tinha “estacionado um ônibus” na frente da área interista.
Lançamentos e cruzamentos se tornaram a única forma de o Barcelona chegar à área da Inter. Com Daniel Alves, Pedro, Keita, Bojan, Piqué e Jeffren praticamente alinhados no ataque, Messi e Xavi jogavam bola atrás de bola para a área, contando com o apoio de Touré e Maxwell – os únicos que resguardavam a defesa culé, jamais seria ameaçada no segundo tempo. Quase todas as tentativas foram em vão, por causa da noite inspirada de Lúcio e companhia, que afastaram a bola 44 vezes ao todo. O zagueiro brasileiro, responsável por 14 delas, teve atuação celebrada no Globo Esporte do dia seguinte por ter colocado Messi no seu bolso.
O craque argentino, porém, criou uma chance de ouro que Bojan não soube aproveitar. Em raro espaço entre Samuel e Zanetti, o jovem atacante cabeceou livre, mas para fora. Mourinho respondeu ao trocar Sneijder por Sulley Muntari, para o ganês cobrir a lateral esquerda e trazer seu capitão para a parte mais central da área. Dessa forma, enquanto o adversário alinhava seis atacantes, o treinador português reagiu com Maicon, Iván Córdoba (que depois substituiu Milito), Lúcio, Samuel, Zanetti e Muntari, com Cambiasso e Chivu encarregados de Messi e Xavi. Eto’o fazia a sobra.
Em meio a tantas bolas levantadas e cruzadas, foi pelo chão que o time de Guardiola chegou ao seu único, porém insuficiente, gol. Na entrada da área, Xavi acertou um passe perfeito para Piqué, que, como um grande atacante, fintou Córdoba e Julio Cesar de uma só vez, antes de girar rápido e empurrar para o gol aberto, aos 84 minutos. Mourinho reagiu mais uma vez ao trocar Eto’o pelo volante queniano McDonald Mariga, que daria mais altura à defesa da sua área. O atacante camaronês saiu, assim como Milito minutos antes, como o segundo jogador com mais intervenções defensivas após Zanetti.
Desesperados em busca do segundo gol, os anfitriões viram até Xavi arriscar um chute de fora da área – e ser defendido por Julio Cesar. Já nos acréscimos, Bojan balançou as redes adversárias, mas o lance já estava parado por mão na bola de Touré. Àquela altura, o Barcelona tinha quase todos os seus jogadores dentro da área interista, mas o placar seguiu inalterado: no apito final de De Bleeckere, a festa ficou reservada aos visitantes.
Com 75% de posse de bola, o time de Guardiola levou constante perigo. Contudo, dos 20 chutes tentados ao longo do jogo, apenas quatro foram no alvo. Julio Cesar, o jogador nerazzurro com mais toques na bola (61), só foi superado uma vez, por Piqué, enquanto parou Messi e Xavi. Ao final da partida, acendendo uma rivalidade que esquentaria muito na temporada seguinte, Mourinho declarou que aquele era o “dia mais bonito” da vida dele. “Deixamos o sangue no campo. Eles fizeram festa antes de jogo, e nós depois”, alfinetou. Ainda em 2010, o português assumiria o comando do Real Madrid.
Para justificar sua tática, o patrício alegou que não queria ter a posse de bola. “Quando o Barcelona rouba a bola, meu time perde o posicionamento. Como não queria isto, nós a deixávamos com eles”, argumentou. A partir de então, a comparação com Helenio Herrera e o catenaccio da Grande Inter dos anos 1960 foi inevitável. No final da temporada, Mourinho provou que realmente merecia a alcunha. Antes, porém, o convite para os torcedores: “peço ajuda aos torcedores para que nos apoiem, porque devemos jogar cinco finais”. Ele se referia aos três jogos restantes da Serie A e às finais da Coppa Italia e da Champions League.
“Venham receber essa equipe esplêndida no aeroporto em Milão. Venham para Roma, devemos jogar uma final no domingo contra a Lazio e depois na copa contra a Roma”, completou. A resposta foi mais do que positiva: às 2h30 da manhã em Malpensa, cerca de cinco mil interistas receberam a equipe em uma grande festa no retorno da equipe.
A Inter de Mourinho fazia os nerazzurri voltarem a sonhar alto novamente. Dessa vez, com um feito inédito na Itália: a Tríplice Coroa. Depois de faturar a Coppa e o scudetto, nos dias 5 e 16 de maio, faltava a Liga dos Campeões. O compromisso estava agendado e ocorreria no dia 22 daquele mês, diante do Bayern de Munique, no estádio Santiago Bernabéu, em Madri.
Barcelona 1-0 Inter
Barcelona (4-3-3): Valdés; Daniel Alves, Touré, Piqué, G. Milito (Maxwell); Xavi, Busquets (Bojan), Keita; Messi, Ibrahimovic (Jeffrén), Pedro. Treinador: Pep Guardiola.
Inter (4-2-3-1): Júlio César; Maicon, Lúcio, Samuel, Zanetti; Cambiasso, Thiago Motta; Eto’o (Mariga), Sneijder (Muntari), Chivu; Milito (Córdoba). Treinador: José Mourinho.
Gol: Piqué (84′; 1-0)
Local e data: estádio Camp Nou, em Barcelona (Espanha), 28 de abril de 2010
Árbitro: Frank De Bleeckere (Bélgica)
Cartões amarelos: Pedro; Thiago Motta, Julio Cesar, Chivu, Lúcio e Muntari
Cartão vermelho: Thiago Motta