Escrever sobre Diego Armando Maradona é sempre uma tarefa árdua quanto o assunto é concisão. É difícil falar do craque e abordar todas as suas esferas em um texto só, porque Maradona são muitos. Pela bola jogada, pelo herói que é para argentinos, napolitanos ou quem quer mais que o idolatre, pelas polêmicas fora de campo, pelo grande personagem que é. Por tudo o que representa.
Porém, uma história sobre a faceta do eterno 10 napolitano merece ser lembrada na data que marca os 60 anos de vida do argentino. Um episódio que vai além do futebol e até mesmo ultrapassa toda a história que construiu no Napoli – cujas glórias, advindas de seu talento, já foram demasiadamente cantadas em verso e prosa por aí.
Corria a temporada 1984-85, de início difícil para o Napoli na Serie A. A equipe azzurra começava uma nova era com Maradona, seu novo grande ídolo, e tinha dificuldades de obter bons resultados num primeiro momento. O time chegou a virar o ano frequentando a zona de rebaixamento, mas engataria uma boa sequência e, posteriormente, terminaria um Italianão vencido brilhantemente pelo Verona com uma posição na primeira metade da tabela.
Em janeiro de 1985, quando o Napoli deveria estar se concentrando exclusivamente em se afastar da zona de descenso, se impôs uma situação de força maior. Pietro Puzone, que era reserva daquele time e estaria no elenco campeão italiano e da Coppa Italia, em 1986-87, foi encarregado de uma missão. Em nome de um amigo de sua cidade natal, Acerra – a cerca de 15 km ao norte de Nápoles –, o meio-campista pediu a Maradona que ajudasse a salvar a vida do filho do seu amigo.
A contribuição seria dada através de um amistoso beneficente, que reuniria fundos para bancar uma complicada cirurgia, a ser realizada na França, para o filho deste amigo de Puzone. A partida seria jogada no Estádio Municipal de Acerra, que comporta pouco mais de 5 mil torcedores. Mas havia um grande problema: o gramado. Ou melhor, a ausência dele.
O campo do estádio de Acerra quase não tinha verde. Era majoritariamente de terra batida e para piorar, o rigoroso inverno de 1985 havia transformado o terreno num verdadeiro lamaçal. Jogar num “gramado” desses significava submeter o camisa 10 do time a um grande risco de lesão. Esse foi o motivo pelo qual, a princípio, o presidente napolitano, Corrado Ferlaino, disse não ao amistoso.
Mas Maradona foi contatado diretamente por Puzone. E, sabendo da sua importância social, disse sim ao amistoso – o que deixou Ferlaino bravo, num primeiro momento. Para que o jogo beneficente saísse do campo das ideias, o camisa 10 azzurro teve, então, que pagar 12 milhões de liras ao Napoli por um seguro feito na Lloyd, em Londres – que seria acionado caso o craque tivesse alguma lesão. “Que se foda a Lloyd em Londres. Essa partida deve ser jogada por essa criança”, teria dito Maradona em uma das reuniões com o presidente napolitano para que a partida contra a Acerrana, equipe da cidade, fosse realizada.
Em uma fria tarde de inverno, já em fevereiro de 1985, o amistoso aconteceu. O Napoli vencera uma partida da Serie A contra o Torino, por 2 a 1, e, no dia seguinte, alguns reservas foram até Acerra para disputar o jogo em prol do filho do amigo de Puzone. Entre eles, um titularíssimo: Maradona, que havia jogado no dia anterior e feito um dos gols daquela vitória sobre os grenás.
Diego já havia doado pessoalmente 15 milhões das velhas liras italianas para a operação na França. Faltavam, ainda, cinco milhões de liras – que seriam recolhidos com certa facilidade com a renda do amistoso beneficente. O pequeno estádio de Acerra abriga 5 mil pessoas em condições normais. Mas, naquele dia, comportou pouco mais de 12 mil, apinhados à beira do gramado e aglomerados nas acanhadas tribunas. Gente de toda a região foi para ver o Napoli; foi para ver Maradona. A precariedade do local era tão grande que os jogadores – incluindo o mítico o camisa 10 – tiveram de fazer seu aquecimento no estacionamento do estádio, em meio aos carros.
O jogo teve um clima quase hollywoodiano. E Diego jogou com o mesmo empenho mostrado no duelo da véspera, ante o Torino. Durante a partida, um jogador da Acerrana chegou a lhe dizer para não se arriscar tanto, mas ele respondeu: “Você não entendeu quem é Maradona… eu só jogo para vencer, qualquer que seja o adversário”. A partida amistosa terminou com vitória do Napoli, por 4 a 0, com dois gols de Maradona – sendo eles um a seu estilo, de condução, drible e definição perfeita para o gol. No fim da partida, os torcedores invadiram o gramado querendo abraçar o craque argentino.
Toda essa situação e a empatia mostrada por Diego naquele inverno de 1985, em Acerra, estreitou os laços do jogador com os napolitanos, acelerando a sua trajetória rumo à eternidade. Principalmente, porque Maradona cumpriu o que disse numa de suas primeiras frases proferidas com a camisa do Napoli: “Quero virar o ídolo dos meninos pobres de Nápoles, porque eles são como eu era em Buenos Aires”.
Seria muito difícil esperar que uma situação similar ocorresse nos dias de hoje. E, a bem da verdade, mesmo na época seria: Diego, sui generis em campo e fora dele, nunca foi de seguir roteiros banais. Ao invés disso, Maradona se comprometeu, arriscando seu corpo – seu instrumento de trabalho. Um sacrifício que ele esteve disposto a cumprir sem pensar duas vezes.
Não é por coincidência que o Napoli e sua torcida espalhada por Nápoles, pela Itália e pelo mundo o amam tanto. Foram anos de heroísmo futebolístico para os azzurri, que fizeram germinar paixão e carinho recíprocos entre Napoli e Maradona – cultivado, sem sombra de dúvidas, até os dias atuais. Por essas e outras coisas, os napolitanos comemoram com Diego os seus 60 anos de vida.
Que história fantástica
A atitude de Maradona neste texto vale muito mais que todas as Champions de Cristiano Ronaldo, Messi ou qualquer outro… Obrigado Dieguito, tive a honra de ver você atuar ao vivo.
Bonito texto.