12 de maio de 1985. Em Bérgamo, o atacante dinamarquês Preben Elkjaer, de costas para o gol, recebe uma bola que sobrou de um chute distante, protege, gira e marca o gol de empate do Verona contra a Atalanta. No final do jogo, a narração do mítico cronista veronês Roberto Puliero, então na Rádio Adige, não deixava dúvidas: o Hellas Verona era campeão da Serie A. Foi o primeiro clube vindo de uma cidade não-capital regional a conquistar o scudetto desde o nascimento do campeonato de pontos corridos em grupo único.
A formação da equipe: do líder no banco aos homens de campo
Pode-se dizer que o scudetto do Verona, conquistado na temporada 1984-85, foi a conseqüência vitoriosa de um trabalho que começou na Serie B de 1981-82, quando o técnico Osvaldo Bagnoli, vindo de uma promoção com o Cesena, chegou para reanimar um clube mortificado por uma permanência que fora confirmada apenas na última rodada do campeonato anterior, após empate com a Spal, em Verona. Sob a batuta de Bagnoli, o Verona não só sagrou-se campeão da Serie B, como chegou, depois, à extinta Copa da Uefa e a duas finais seguidas da Coppa Italia.
Ao longo desses anos, o Verona adquirira uma base formada de excelentes jogadores, como o goleiro Claudio Garella, o líbero Roberto Tricella, o lateral-esquerdo Luciano Marangon, o meio-campista Luigi Sacchetti, o meia-atacante Domenico Volpati, o atacante Pietro Fanna e o centro-avante Antonio Di Gennaro. Na temporada 1984-85, o número de talentos à disposição de Bagnoli só fez aumentar. Além dos já citados, e de jogadores do calibre do volante Silvio Fontolan, do lateral-direito Mauro Ferroni e do bomber Giuseppe Galderisi, chegaram mais peças que, depois, seriam fundamentais: o meia-atacante alemão Hans-Peter Briegel, o meio-campista Dario Donà, o ala Franco Turchetta e o atacante dinamarquês Preben Elkjaer Larsen.
Tratava-se, sem dúvida de uma formação muito importante. Mas, para se destacar naquele campeonato de 1984-85, eram precisas mais que boas indicações dos papéis: foi um dos anos em que mais se viram grandes jogadores espalhados por quase todos os times da elite do futebol italiano. Dois dos grandes craques do futebol mundial, Maradona e Zico, estreavam, por Napoli e Udinese, respectivamente. A Roma tinha Maurizio Iorio (que, na temporada anterior, defendera o próprio Verona) e Carlo Ancelotti. Dentre os grandes, o Milan, ainda perdido após seu segundo recente rebaixamento, era o menos favorecido; a Juventus era uma verdadeira seleção, contando com Paolo Rossi, Michel Platini, Antonio Cabrini, Gaetano Scirea e Marco Tardelli. A Inter não estava atrás: Walter Zenga, Alessandro Altobelli e Karl-Heinz Rummenigge eram suas estrelas. A Sampdoria era a mais nova milionária do futbol italiano e, entre seus destaques, figurava um certo Roberto Mancini, que fez história com a camisa doriana e, hoje, é um aclamado técnico. Na Fiorentina, jogava Sócrates. Na Lazio, Michael Laudrup. Na Atalanta, Roberto Donadoni. Por fim, até clubes tidos como pequenos “milagres”, como o Ascoli, podiam ter entre seus jogadores um meia de talento como Dirceu Guimarães.
Outro ponto que marcou a Serie A de 1984-85 foi a instituição do sorteio de árbitros para as partidas; pela primeira (e única) vez em anos, os diretores dos jogos não apitavam por “indicação”. Essa medida foi uma reação a ainda recente descoberta das apostas ilegais e manipulação de resultados do famoso escândalo Totonero. Era também um pedido de anos das equipes ditas provinciais, que reclamavam constantemente contra a “boa vontade” dos árbitros com as grandes.
Começa a fábula
O Verona tinha uma grande equipe, mas era considerado apenas um clube de província em meio aos demais, mais ricos ou mais vezes campeões. Sua torcida, porém, fazia sua própria razão. Na temporada 1984-85, o Verona atingiu o maior número de venda de carnês antecipados de sua história: 17.553, de acordo com o site Primoluglio2004. Nos treinos e na pré-temporada, era comum a aparição de uma faixa que dizia “Mai stata come in quest’anno”, “você jamais esteve como neste ano”, em tradução livre.
No dia 16 de setembro de 1984, o estádio Marcantonio Bentegodi estava lotado para a estréia do Verona. Logo de saída, o clube enfrentaria o Napoli de Maradona. O resultado, uma vitória por 3 a 1, foi categórico e colocou o clube na liderança, compreendidos os critérios de desempate. Na segunda rodada, o clube gialloblù repetiu o placar, fora de casa, contra o Ascoli. Sete dias depois, o Bentegodi foi testemunha de mais um grande jogo, contra a Udinese e, sobretudo, contra Zico. No final, decidiu, a favor dos gialloblù, um pênalti, batido por Galderisi.
Três vitórias seguidas nos três primeiros jogos do campeonato, e a liderança isolada do torneio. De fato, o Verona jamais esteve como naquele ano, pelo menos em seu início. Bagnoli, obstinadamente, tentava diminuir o entusiasmo da praça, dizendo que aqueles eram “pontos importantes para a permanência na Serie A”.
O Verona tinha triunfado contra equipes com bons valores, mas ninguém saberia dizer como aquele surpreendente time de província reagiria no combate contra as grandes equipes daquela temporada. A prova seria tirada após uma importante seqüência, que reservava ao clube vêneto embates contra Inter, Juventus, Roma e Fiorentina.
No jogo de Milão, o Verona soube segurar o ímpeto da Inter e arrancar um empate sem gols. Depois, uma partida histórica: em 14 de outubro de 1984, a partida que muitos torcedores veroneses consideram como a mais incrível da história do clube, no Bentegodi, contra a Juventus. Galderisi abriu o placar, aos 17 minutos do segundo tempo, deixando o Verona sob fogo cerrado da Juventus, que buscava o empate. Após grande defesa de Garella contra Platini, o Verona saiu em contra-ataque: Elkjaer, como um foguete, disparou pela esquerda, entrou na área e, sem chuteira, marcou um gol mítico, histórico, ainda hoje objeto de culto, que decretou a grande vitória do time da casa. Depois disso, a visita à Roma garantiu mais um importante empate, seguido de mais um resultado positivo, novamente em casa, contra a Fiorentina. Era impossível pregar humildade: o Verona estava sonhando com o scudetto.
O big match de Turim e os altos e baixos do segundo turno
O Verona parecia inabalável, e não sabia o que era perder. Foi a Cremona para buscar mais dois pontos com mais uma vitória, desta vez sobre a Cremonese, para depois empatar com a Sampdoria. Durante todo este tempo, o Verona era líder do campeonato e seus rivais se alternavam na vice-liderança. No fim de novembro de 1984, a Itália se preparava para aquele que seria o big match, em Turim, entre Torino, segundo colocado, e o clube gialloblù. Com autoridade, o Verona venceu, por 2×1 e abriu três pontos na liderança.
Depois, numa sequência não muito boa, o Verona venceu apenas um jogo, contra a Lazio. Também empatou, em casa, com Milan e Atalanta e perdeu, pela primeira vez, no campeonato, para o Avellino, na visita a Campânia. A sorte, porém, acompanhava o time, que conseguiu o título simbólico de campeão de inverno.
O Verona começou o returno com um empate sem gols, em Napoli, e foi alcançado na liderança pela Inter. O rumo da vitória só foi retomado contra o Ascoli, em Verona, na rodada seguinte. Depois, em Údine, um daqueles jogos que consagraram a campanha: o Verona vencia a Udinese por 3×0, cedeu o empate e, no final, saiu vencedor, por 5 a 3. Na 19ª rodada, no Bentegodi, outro confronto direto contra a equipe vice-líder, que desta vez era a Inter. O placar de 1 a 1 foi cômodo ao Verona, que o repetiria fora de casa contra a Juventus para manter a liderança.
Líderes, os rapazes de Bagnoli atravessaram mais uma vez a sequência contra as grandes sem derrota: após empatar contra Inter e Juve, os veroneses venceram a Roma e bateram a Fiorentina, no Artemio Franchi, por 3 a 1. Depois, golearam a Cremonese e arrancaram um ponto da Sampdoria, em Gênova. A essa altura, o clube distava seis pontos dos vice-líderes, Torino e Internazionale. Já nao era mais um delírio: o scudetto era possível. O Verona, porém, foi traído, no auge do entusiasmo, por uma derrota, em sua casa, para o Torino, que havia se revelado como a única equipe capaz de fazer frente ao clube vêneto. Embalado por alguns resultados importantes, o Verona chegaria à penúltima rodada com quatro pontos de vantagem sobre o Toro, jogando por um empate para conquistar o tão sonhado título. Seu próximo jogo seria em Bérgamo, contra a Atalanta.
Um verdadeiro êxodo urbano Verona-Bérgamo tomou conta do estádio da Atalanta. Para o time da casa, já salvo, valia só o gosto de tentar atrapalhar o rival. Para aqueles milhares de torcedores em amarelo e azul, valia o sonho de uma vida inteira. A Atalanta marcou primeiro, aos 43 minutos do primeiro tempo, com Perico. Mas o Verona empatou o jogo aos nove minutos da etapa complementar, com um gol de Elkjaer. Em Florença, o Torino não conseguiu abrir o placar, contra a Fiorentina.
O Verona, líder desde a primeira rodada, abrira quatro pontos de vantagem para a equipe granata, restando apenas mais dois em disputa: era, inacreditavlemente, para sua gente e para a Itália acostumada ao futebol das capitais, o vencedor do scudetto. Candido Cannavò, lendário editor-chefe da Gazzetta dello Sport, no dia 13 de maio de 1985, definiria aqueles como “nove meses de doçura”.
No dia 19 de maio de 1985, o Bentegodi foi palco de uma festa jamais vista para os campeões. Verona estava no mapa e o Verona, que hoje sofre em categorias muito mais modestas, lutando para retornar à Serie B, entrava definitivamente para a história.
Time-base: Garella; Volpati, Tricella, Fontolan, L. Marangon; Fanna, Bruni, Di Gennaro, Briegel; Galderisi, Elkjaer.
Técnico: Osvaldo Bagnoli.
Veja mais: interessados em saber mais sobre o campeonato de 1984-85 podem visitar o site Verona Campione. Já as pessoas que se interessaram pelo Hellas Verona, podem procurar todo o tipo de informação sobre o clube no site Hellastory.
ótima matéria e tomara q o Verona consiga o acesso para a Série B
Maravilhoso texto sobre os 25 anos do scudetto do Verona, me emocionei lendo este texto e pensar que no último domingo quando entrei no site da Gazzetta dello Sport para saber quando tinha sido o jogo do Hellas e vi que ele perdeu me deu uma tristeza muito grande, mas se Deus quiser o Hellas Verona vai ganhar o play-off e com isso na próxima temporada estará de volta a série B e se tudo der certo em 2012 ele estará de volta para a Série A fazendo o Bentegodi ficar mais bonito com a sua torçida.
Forza Hellas Verona!!!