Corrado Verdelli se lembra bem: no dia 23 de fevereiro de 2020, acompanhou um jogo no estádio in loco pela última vez, numa viagem à Alemanha. Chefe da área de observação da Inter desde julho de 2019, depois de muitos anos integrando a equipe de olheiros do clube, Verdelli vive a mesma realidade dos torcedores interistas, que – exceto por dois jogos entre setembro e outubro, quando apenas mil trabalhadores da saúde foram convidados –, não entram no San Siro desde fevereiro, por causa da pandemia de covid-19.
Reserva de Mandorlini no “scudetto dos recordes”, em 1989, Corrado jogou na Inter por dois anos, entre 1988 e 1990, retornando em 2001 para comandar o time sub-19. Foi ele quem treinou uma das gerações mais vencedoras de Interello, que faturou o Campeonato Primavera e o Torneio de Viareggio, em 2002, embalada por jogadores como o goleiro Alex Cordaz, os laterais Alessandro Potenza e Giovanni Pasquale e os atacantes Goran Pandev e Obafemi Martins. Verdelli também fez parte das comissões técnicas de Héctor Cúper e Alberto Zaccheroni, sendo treinador interino da equipe principal em 2003-04.
Verdelli foi entrevistado na última semana pela Gazzetta dello Sport e, no papo com o jornal esportivo italiano, contou como funciona o setor de scouting do clube de Milão, revelou parte de sua metodologia e falou sobre como os olheiros nerazzurri têm tentado minimizar processos afetados pela pandemia. Destacaremos, aqui, alguns pontos.
Em sua equipe, o ex-treinador conta com mais seis olheiros, que, relata Corrado, são divididos de modo que cada um acompanhe três países diferentes em dois períodos, de setembro a dezembro e de janeiro a maio. Além dos principais jogos das ligas, os olheiros também seguem as respectivas seleções nacionais às quais foram designados, do sub-17 ao sub-21.
“Os olheiros que observam três países no primeiro período passam a seguir outros três no segundo, de modo a ter mais ‘olhos’ para trabalhar nos mesmos torneios. Antes do mercado de janeiro, elaboramos um relatório. Para cada equipe de cada liga é avaliado todo o elenco, dividindo os jogadores ‘para a Inter’ e outros em segundo plano”, explica. A exceção no processo se dá quando a equipe identifica um potencial craque. “Relatamos imediatamente”, diz Verdelli.
O chefe de scouting da Inter afirma que tenta se comportar como se a pandemia não existisse: atribui duas partidas a cada olheiro – as mesmas que acompanharia ao vivo – e pede um relatório nos fins de semana. “Todas as relações são arquivadas em um banco de dados criado há quatro anos, acessado apenas pela área”, revela o diretor. Ao invés de assistirem aos jogos direto do estádio, os profissionais agora os veem através de vídeos.
Para compensar a falta de viagens, os olheiros também confiam mais em dados de análise de desempenho, elaborados pelos mesmos softwares que o time principal já utiliza, como o produzido pela Wyscout, empresa italiana de origem lígure especialista em observação e análise de jogos e mercados do futebol. Segundo Verdelli, os números quase sempre ajudam. “Por exemplo, posso ver quantos cruzamentos um ala fez, de onde fez e quantos tiveram sucesso. No final das contas, você acaba trabalhando mais assim do que ao vivo”, garante.
Apesar de haver muitos recursos tecnológicos à disposição, há algumas dificuldades. Segundo Verdelli, enquanto nos jogos mais “táticos” se perde pouco a nível técnico, porque as equipes ficam compactas e a câmera enquadra quase todos em campo, nos campeonatos em que se explora menos a parte tática e os times ficam mais espaçados, perder o referencial é mais fácil. O interista também considera que nada substitui o “olho humano” e as sensações que uma partida de futebol proporciona, sobretudo pela liberdade que observar um jogo diretamente do estádio permite.
Questionado sobre quais características mais se perde sem a possibilidade de acompanhar um atleta in loco, o olheiro não pestanejou em dizer que fica mais difícil avaliar a liderança e a personalidade do jogador: o seu comportamento, como se comunica com o banco de reservas e se relaciona com os seus companheiros. “Apenas o olhar humano pode te dar essas sensações. Infelizmente, não há solução. Consequentemente, as posições e funções mais afetadas nesse sentido são as do zagueiro e do regista, aquelas cuja a liderança conta bastante”, argumenta.
Por outro lado, Verdelli já mudou de opinião diversas vezes sobre um mesmo jogador. Nesse sentido, o olheiro entende que o Wyscout é importante para começar ou fechar um processo – ou seja, para iniciar a observação de um jogador ou rever uma partida acompanhada ao vivo. “Somado a isso, há o nosso olho, a nossa avaliação. Nosso trabalho requer paixão e, sobretudo, paciência. Cuidado ao avaliar um jogador: não podemos saber se este ou aquele está jogando mal por um motivo particular”, analisa.
Com a pandemia, o chefe de olheiros interista ressaltou que a distribuição dos países não mudou muito. “Observamos bastante França, Espanha, Bélgica, Holanda e Portugal. Menos a Inglaterra, porque é um mercado muito caro”, revela. Para Verdelli, a verdadeira diferença no trabalho pós-covid se dá em relação à América do Sul. “Duas vezes por ano, eu sempre viajava por volta de um mês: uma em novembro e dezembro, outra em abril e maio. Eu via os treinamentos, estudava o entorno do jovem, seus hábitos, sua família e amizades. Todas essas coisas fazem falta”, afirma.
Corrado Verdelli finaliza a sua entrevista afirmando que, em tempos de pandemia, a confiança na rede de contatos é ainda mais importante do que em condições normais. “Precisamos confiar nas pessoas que estão no lugar [em que os atletas se encontram]. Por consequência, isso aumenta o trabalho do diretor esportivo, que deve pedir informações aos seus contatos sobre o jogador que avaliamos”, argumentou. Foi através desse processo que, por exemplo, se chegou ao nome de Lautaro Martínez, contratado no primeiro semestre de 2018 após muita observação por parte dos nerazzurri e por conta da ajuda de Diego Milito, ídolo nerazzurro no ‘triplete’, então diretor esportivo do Racing. Quem será o próximo?