A história de amor entre a Argentina e o Napoli é antiga. Entre os maiores exemplos do passado estão os lendários Bruno Pesaola, que vestiu a camisa do clube por oito anos e ainda treinou os campanos em quatro oportunidades, e Diego Maradona, que participou da época áurea e conquistou os principais títulos da história do clube. Entre os nomes mais recentes estão o atacante Gonzalo Higuaín, o zagueiro Hugo Campagnaro e o habilidoso Ezequiel Lavezzi, este, um dos principais responsáveis por colocar o time de Nápoles de volta ao cenário nacional e internacional.
Nascido em Villa Gobernador Gálvez, um município da província de Santa Fé, na Argentina, em maio de 1985, Lavezzi começou a se apaixonar por futebol torcendo e acompanhando o Rosario Central, seu time de coração. O garoto, então, seguiu o caminho do seu tio, Fernando Luis Lavezzi, que foi futebolista: ingressou nas categorias de base rosarinas, passou pelas do Coronel Aguirre e também do Boca Juniors, onde não teve sucesso. Aos 15 anos, viu uma transação com a Fermana, da Itália, fracassar por questões burocráticas. Como tudo dava errado, decidiu seu eletricista. Até que, procurado por empresários, foi convencido a tentar a sorte no Club Atlético Estudiantes. Lá, começou a ter seu talento reconhecido.
Em 2003, o atacante acabou revelado profissionalmente pela agremiação de Caseros, cidade da grande Buenos Aires, em 2003. Ainda com 18 anos, foi destaque do Estudiantes na terceira divisão do Campeonato Argentino, na qual anotou 17 gols em 39 partidas. O desempenho chamou a atenção do Genoa, então na Serie B: o clube rossoblù pagou 1 milhão de euros, mas o manteve em solo argentino, em empréstimo ao San Lorenzo.
Em Almagro, Lavezzi despontou e teve três campanhas de destaque. O veloz atacante acabou sendo contratado em definitivo pelo San Lorenzo em 2005, devido a um imbróglio em Gênova. O Genoa foi campeão da Serie B, mas logo se descobriu que a partida que garantira o retorno à elite, contra o Venezia, fora manipulada.
O argentino até fez a pré-temporada e alguns amistosos pelos grifoni, mas quando a justiça desportiva decretou o rebaixamento do Vecchio Balordo à terceirona, Ezequiel foi vendido ao time de Boedo. Pelo Ciclón, Lavezzi se colocou entre os maiores goleadores do país, ganhou oportunidades na seleção sub-20 – pela qual foi terceiro colocado no Sul-Americano de 2005 – e ainda garantiu o título do Clausura do Campeonato Argentino da temporada 2006-07, com o técnico Ramón Díaz.
Em 2007, após ser convocado pela primeira vez para a seleção principal da Argentina, a história de amor entre Lavezzi e Napoli teve início – e, finalmente, ele pode atuar no país dos seus avós paternos, originários de Pavia, na Lombardia. Durante cinco anos, Ezequiel e o clube passaram por uma metamorfose durante esse período: enquanto os azzurri recuperavam o seu espaço entre os grandes, El Pocho trocou os cabelos longos pelos curtos, cultivou barba, músculos e mais tatuagens no corpo.
No verão de 2007, o tradicional time de Nápoles celebrava a sua volta à primeira divisão da Itália após anos difíceis, uma falência e uma traumatizante passagem pela Serie C1. Sob o comando do produtor cinematográfico Aurelio De Laurentiis, seu proprietário desde 2004, o clube conquistou duas promoções em três anos e figurava na elite pela primeira vez desde 2001.
Para reforçar o poderio ofensivo do time, De Laurentiis, junto com o gerente esportivo Pierpaolo Marino, pagou cerca de 5 milhões de euros pelo jovem Pocho Lavezzi. O apelido que lhe acompanha desde guri é uma adaptação do nome de um cãozinho que o atacante tinha e se chamava Pochoclo (que significa “pipoca”, na Argentina): assim como o animal de estimação, Ezequiel era agitado como o milho que salta na pipoqueira. Com apenas 22 anos, o frenético atacante foi apresentado em 16 de julho de 2007, ao lado do meia Marek Hamsík.
Nem a camisa extra grande, que marcou seu início no time, conseguia esconder um veloz e driblador atacante que atuava pelas beiradas de campo, levando para os gramados o melhor repertório dos atacantes argentinos: muita técnica, controle de bola, precisão e (quando necessário) força nos chutes de pé direito. Logo em sua segunda partida, o jogador mostrou o seu potencial e anotou uma tripletta contra o Pisa, nos preliminares da Coppa Italia. Havia 14 anos que um jogador do Napoli não marcava três vezes numa única partida. Aos poucos, devido aos gols e às assistências de Lavezzi, a opinião pública e a torcida transformaram a desconfiança em entusiasmo.
O Napoli terminou a temporada em um impressionante oitavo lugar – feito importante para um time que retornava à elite – e caiu nas oitavas da copa. Sob o comando do treinador Edoardo Reja, o destaque ficou por conta do Pocho, que anotou 11 gols em 2007-08: foram oito pelo Italiano, além dos três no torneio mata-mata nacional.
A temporada seguinte começou bem para El Loco, que representou a Argentina nos Jogos Olímpicos de Pequim e voltou da China com dois gols marcados e a medalha de ouro na bagagem. Com o Napoli, porém, a campanha não foi a melhor possível: os partenopei terminaram no 12º lugar da Serie A, caíram nas quartas da Coppa Italia, e na primeira eliminatória da Copa Uefa. Mesmo assim, o argentino seguiu balançando as redes e anotou oito tentos – um deles, inclusive, decisivo para a vitória por 2 a 1 sobre a odiada Juventus. Durante o turbulento certame, Reja caiu e o clube acertou com Roberto Donadoni, que pouco contribuiu.
Para a temporada 2009-10, o clube contou com um reforço essencial à beira do campo: Walter Mazzarri, que aterrissou em Nápoles para limpar a bagunça deixada por Donadoni, demitido depois de derrota para a Roma na 7ª rodada da Serie A. No sólido 3-5-2 do técnico, baseado em muita combatividade no meio-campo, rápidas transições e contragolpes laterais fortíssimos, o futebol de Lavezzi foi evidenciado.
El Pocho marcou nove gols no total, sendo oito no Italiano (novamente balançando as redes em triunfo sobre a Juve) e um pela Coppa Italia. No fim, o Napoli obteve a 6ª colocação na competição por pontos corridos e vaga na Liga Europa da próxima temporada, além de uma eliminação nas oitavas da copa nacional. A parceria com Fabio Quagliarella deu certo, mas o italiano deixou o clube por razões pessoais e o argentino ganhou um novo colega de ataque: o uruguaio Edinson Cavani, com quem formaria um inesquecível tridente ofensivo com Hamsík.
A alquimia entre os “três tenores” de Nápoles garantiu, na temporada 2010-11, uma terceira colocação no Italiano, uma queda nas quartas para a Juventus na Coppa Italia e na fase de 16 avos de final da Liga Europa. Com 42 partidas somadas, o argentino – que trocara a camisa de número 7 pela 22 – contribuiu com nove gols e mais oito assistências na Serie A. De quebra, se consagrou como terceiro melhor garçom da competição.
Nesta campanha, El Pocho se destacou por marcar, aos 94 minutos, o tento que encerrou um jejum de 15 anos sem triunfos sobre o Cagliari no estádio Sant’Elia. Justamente na praça em que, onze meses antes, provocara um salseiro. Os visitantes venciam por 2 a 0, com um gol do argentino, levaram o empate aos 80 e a virada, através do brasileiro Jeda, aos 91. Na sequência, Lavezzi, frustrado, deu uma forte bolada no técnico Massimiliano Allegri e gerou uma confusão generalizada. Expulso, o atacante ainda se dirigia para os vestiários quando a partida foi retomada e Mariano Bogliacino, aos 96, anotou o tento do incrível 3 a 3. No túnel, El Loco vibrou intensamente.
A vibração de Lavezzi ficou ausente da Copa do Mundo de 2010, já que o técnico Diego Maradona optou por não convocá-lo. Após a competição, porém, El Pocho ganhou mais espaço na seleção argentina e até marcou o seu primeiro tento contra a Albânia, em amistoso preparatório para a Copa América de 2011. Ezequiel disputou os três jogos da fase de grupos da competição – disputada em seu país –, mas ficou de fora do duelo contra o Uruguai nas quartas de final, que terminou com a queda precoce dos donos da casa.
De volta à Itália após a decepção com a albiceleste, Lavezzi coroou a sua brilhante passagem pelo Napoli com belíssimas exibições na temporada 2011-12. O argentino protagonizou inesquecíveis momentos aos pés do Vesúvio, vulcão adormecido localizado nos arredores da cidade italiana. O principal deles foi a mágica noite contra o Chelsea, pelas oitavas de final da Liga dos Campeões, em que Lavezzi anotou dois gols na ida – um deles, num belo chute colocado – e foi o homem do jogo. Apesar da eliminação no tempo extra, após a derrota na volta, o argentino se consagrou como o queridinho da torcida.
A cereja do bolo foi a conquista da Coppa Italia, contra a Juventus na grande decisão, com uma atuação memorável do argentino: Lavezzi ainda sofreu o pênalti que Cavani converteu para inaugurar o placar de 2 a 0 para os azzurri. A temporada 2011-12 do atacante terminou com nove gols no Italiano e dois na Liga dos Campeões.
Assim como sua história no clube napolitano começou em um verão, ela também se encerrou na estação mais quente do ano. Em 2012, cinco temporadas após sua compra, com 188 partidas somadas, 48 gols e 57 assistências em sua conta, o albiceleste de alma napolitana despediu-se de Nápoles, encerrando uma relação de paixão e fidelidade com o clube: os 30 milhões de euros oferecidos pelo Paris Saint-Germain eram irrecusáveis, segundo De Laurentiis. Mais do que um ídolo da torcida, Lavezzi foi uma das principais referências no ressurgimento do Napoli.
“Eu carregarei uma enorme afeição pelas pessoas de Nápoles em meu coração. No início de meu período na cidade, alguns torceram o nariz para mim, diziam que eu estava gordo, mas ganhei crédito e simpatia com o povo. O Napoli me projetou e me deu prestígio no cenário internacional”, disse, em sua despedida.
Já em solo francês, o jogador, sob o comando de Carlo Ancelotti e tendo Zlatan Ibrahimovic como companheiro de ataque, ajudou na ascensão do PSG. Lavezzi conquistou por quatro vezes a Ligue 1, três Supercopas da França, duas Copas da Liga Francesa e uma Copa da França – , a partir de 2013, ainda reeditou a parceria com Cavani, também comprado pelos parisienses. Ao todo, somou 161 jogos pelo time da Cidade Luz, com 35 gols e 24 assistências.
Durante o período em que representou o clube de Paris, Lavezzi se consolidou na seleção da Argentina. El Pocho ajudou a albiceleste a se classificar para a Copa do Mundo de 2014 e, embora tenha começado a competição como reserva, se tornou titular no mata-mata. Ezequiel iniciou a decisão contra a Alemanha, foi substituído no intervalo e, sentado no banco, nada mais pode fazer para evitar o vice-campeonato. No ano seguinte, mais uma decepção: derrota nos pênaltis para o Chile, na final da Copa América.
No início de 2016, o atacante se transferiu para o Hebei Fortune, da China. Apesar da pouca visibilidade, o argentino foi um dos jogadores mais bem pagos do mundo: em duas temporadas de contrato recebeu 29 milhões de euros, equivalente a 131 milhões de reais, na cotação da época. Ainda nesse período pela seleção argentina, carimbou mais uma prata da Copa América em 2016.
Ezequiel Lavezzi anunciou oficialmente sua aposentadoria em 14 de dezembro de 2019, pelas redes sociais. “Foram anos maravilhosos nesta história, marcados por aprendizado, momentos únicos e muitas memórias que ficarão no meu coração para sempre. Serei sempre grato por aqueles que ficaram ao meu lado ao longo desta jornada. Com muita alegria, digo adeus para a fase mais incrível que a vida me deu. Eu fui extremamente feliz”, escreveu na postagem de despedida. Em Nápoles, muita gente também foi contente por causa de El Pocho.
Ezequiel Iván Lavezzi
Nascimento: 3 de maio de 1985, em Villa Gobernador Gálvez, Argentina
Posição: atacante
Clubes: Estudiantes de Buenos Aires (2003-04), San Lorenzo (2004-07), Napoli (2007-12), Paris Saint-Germain (2012-16) e Hebei China Fortune (2016-19)
Títulos: Campeonato Argentino (Clausura; 2007); Ouro Olímpico (2008), Coppa Italia (2012), Ligue 1 (2013, 2014, 2015 e 2016), Supercopa da França (2013, 2014 e 2015), Copa da Liga Francesa (2014 e 2015) e Copa da França (2015)
Seleção argentina: 51 jogos e 9 gols