Se você já jogou Championship Manager, provavelmente contratou Maxim Tsigalko, Mark Kerr, Cherno Samba e Papa Waigo. O que eles têm em comum? Estrelas em versões do simulador de gerenciamento de clubes de futebol, todos fracassaram como atletas nos verdes gramados do planeta. Atacante de potencial na versão 2003-04 do game, o senegalês Waigo passou por oito times da Itália, mas só teve algum – e breve – destaque na Serie B.
Waigo nasceu em Saint-Louis, cidade localizada no noroeste do Senegal e muito próxima à fronteira com a Mauritânia. Na juventude, antes de se dedicar integralmente ao futebol, Papa foi vendedor de ervas medicinais e utilizadas em rituais religiosos. Até que, em 2001, aos 17 anos, foi descoberto pelo Verona. O Hellas estava na Serie A, mas foi rebaixado e o africano só estreou na segundona, ao fim da temporada 2002-03 – a qual os gialloblù concluíram no meio da tabela.
Com sérios problemas financeiros, o Verona estava entrando numa das piores fases de sua história. Os cortes de gastos promovidos pela diretoria acabaram impulsionando Waigo, que ganhou muitos mais minutos em 2003-04: ao lado do brasileiro Adaílton, o senegalês, que podia atuar como ponta-direita ou segundo atacante, ajudava o centroavante Florian Myrtaj a comandar o setor. Papa anotou sete gols e contribuiu para salvar os butei do rebaixamento. No ano seguinte, foi para o banco e virou uma alternativa para ser utilizada na etapa complementar.
No verão de 2005, Waigo foi envolvido numa troca com o Cesena, que cedeu o meio-campista Nico Pulzetti ao Verona, e encerrou a sua passagem pelos mastini com 68 aparições e 11 gols. Pelo novo clube, recebeu do técnico Fabrizio Castori a incumbência de atuar como ponta-direita ou, mais frequentemente, como ala destro num 3-5-2.
A primeira temporada do senegalês pelo Cesena foi de números modestos: cinco gols em 38 aparições, alternando entre a titularidade e o banco de reservas. Se os bianconeri brigaram pelo acesso em 2005-06, na época seguinte se contentaram com o marasmo do meio da tabela – embora uma sequência negativa nas 10 últimas rodadas tenha feito com que a posição final, a 16ª, tenha sido próxima à zona de descenso.
Nesta campanha, Waigo viveu o seu ápice como atleta. Mesmo não jogando tão perto da baliza adversária, o senegalês roubou o protagonismo do grandalhão Graziano Pellè, autor de 10 tentos, e se aproveitou do trabalho de pivô feito pelo italiano. Papa balançou as redes 15 vezes e foi o terceiro principal artilheiro da Serie B, empatado com o juventino David Trezeguet e atrás somente de Claudio Bellucci (19, Bologna) e Alessandro Del Piero (20, Juventus). Seu desempenho o levou também à equipe nacional: ao longo de 2006-07, defendeu os Leões de Teranga em cinco ocasiões.
Os bons números do atacante pelo Cesena na segunda divisão italiana (20 gols em 73 partidas, no total) chamaram a atenção de clubes da Serie A. O Genoa, que conquistara o acesso em 2007, foi o destino de Waigo, que já tinha 23 anos: o técnico Gian Piero Gasperini havia acompanhado de perto o desempenho de Papa e pediu a sua contratação para a diretoria rossoblù. O investimento no jogador conhecido por sempre utilizar uma munhequeira com a bandeira de Senegal não valeu a pena.
Waigo até começou bem pelo time da Ligúria, com dois tentos anotados em dois jogos da Coppa Italia, e foi o escolhido do treinador para iniciar a campanha no Italiano como titular no 3-4-3. No entanto, após três chances e atuações pífias em compromissos não vencidos pelos grifoni, perdeu o lugar no onze inicial e nunca mais iniciou um confronto sequer: dali em diante, só recebeu poucos minutos, saindo do banco.
Em janeiro, o atacante acabou trocado com a Fiorentina pelo lateral-direito belga Anthony Vanden Borre – outro “flop” descomunal. No mesmo mês, Papa ainda representou Senegal na Copa Africana de Nações de 2008, atuando somente em parte do segundo tempo do empate por 1 a 1 com a África do Sul. No retorno à Itália, Waigo seria protagonista de dois momentos brilhantes. Um deles, aliás, beirando o surreal.
Waigo ficou no banco do time treinado por Cesare Prandelli contra Atalanta e Catania, e permaneceu sentado nele diante da Roma. Até que, no primeiro tempo, uma lesão de Adrian Mutu lhe fez estrear com a camisa violeta. No jogo seguinte, o senegalês viveu situação parecida: iniciou como alternativa e só foi a campo porque Franco Semioli se machucou antes do intervalo. No entanto, a sua estrela brilhou e, aos 54 minutos, Papa marcou, de peixinho, o gol solitário da vitória no clássico com o Livorno.
Na rodada seguinte, a 26ª da Serie A, a Fiorentina encarou a Juventus, em Turim. Massimo Gobbi abriu o placar para a Viola, mas Mohamed Sissoko e Mauro Camoranesi viraram para a Velha Senhora. Aos 67 minutos, Prandelli lançou a carta decisiva: Papa Waigo. O atacante senegalês mudou o jogo: aos 75, mesmo escorregando, conseguiu chutar cruzado e vencer Gianluigi Buffon. Nos acréscimos, foi o responsável por cruzar na medida para Pablo Daniel Osvaldo escorar e garantir o triunfo violeta no Piemonte. Naquele dia, o ponta africano fez valer o hype atribuído a ele pelo Championship Manager.
E foi só. Para dar moral ao jovem atacante e aproveitar o que poderia ser o início de seu desabrochar, Prandelli o escalou como titular contra Siena e Genoa. Waigo, no entanto, não correspondeu, voltou para o banco de reservas e só atuou em mais duas partidas naquela Serie A – na qual a Fiorentina ficou com o quarto lugar, com dois pontos a mais do que o Milan, e garantiu vaga na Champions League. Apesar de ter contribuído de forma decisiva para este feito, Papa perdeu o pouco espaço que tinha no time violeta depois da contratação de Stevan Jovetic (o que lhe custou o lugar na seleção senegalesa) e só foi relacionado para um compromisso dos gigliati em 2008-09. Sequer foi utilizado.
Em janeiro de 2009, então, Papa começou a sua peregrinação: dali até o fim da carreira, em 2019, não passaria mais do que um ano em nenhuma equipe. Primeiro, fracassou no Lecce, lanterna da Serie A, pelo qual atuou em apenas seis jogos, sem balançar as redes. Depois, foi emprestado durante a temporada 2009-10 ao Southampton, que disputava a terceira divisão da Inglaterra àquela altura. Pelos Saints, até encenou em algumas ocasiões a “Waigo Dance”, sua típica comemoração de gols, já que anotou 11 tentos em 44 partidas. Com a camisa alvirrubra, o atacante também levantou a única taça da carreira – a Football League Trophy, copa destinada aos clubes da terceira e da quarta categoria inglesa.
No verão de 2010, Waigo retornou à Itália e foi protagonista de um vexame. Fiorentina e Genoa dividiam o seu passe, sendo 50% de cada um. Segundo o modelo de copropriedade vigente na época, ao fim do período do acordo, as agremiações deveriam renovar o vínculo ou fazerem ofertas para definir qual teria direito à integralidade dos direitos federativos do atleta. No entanto, nenhuma das equipes apresentou propostas, de modo que Papa foi destinado à Viola, time com o qual firmara o último contrato.
O senegalês era indesejado em Florença e a diretoria gigliata fez de tudo para negociá-lo naquela janela. No entanto, não obteve sucesso e obrigou Prandelli a deixar o ponta encostado. Ainda assim, Waigo foi utilizado em duas partidas, cobrindo desfalques do elenco. Em janeiro de 2011, Papa foi emprestado ao Grosseto e, mais uma vez, não impressionou na Serie B: fez 10 jogos e dois gols pelo 15º colocado.
De forma improvável, Waigo conseguiu se transferir em definitivo no verão de 2011: a pedido do técnico Castori, que havia lhe potencializado no Cesena, o senegalês rumou ao Ascoli. O clube passava por muitos problemas financeiros e, por conta disso, estava se acostumando a ter pontos deduzidos em suas campanhas na Serie B. Isso ocorreu de novo em 2011-12, quando teve sete descontados – quatro por inadimplência e três por envolvimento de atletas em fraude esportiva. Neste cenário caótico, Papa foi o herói improvável.
Waigo chegou desacreditado e não rendeu tanto sob as ordens de Castori. Até o técnico ser demitido, após a 13ª rodada, o senegalês marcou quatro gols e forneceu três assistências. O Ascoli somara apenas nove pontos e precisava render mais para que a punição não influísse em sua trajetória na segundona, e isso passou a acontecer a partir do momento em que Massimo Silva assumiu o comando. Orientado pelo novo treinador, Papa foi o grande artífice da campanha de recuperação: anotou mais 11 vezes e deu quatro passes decisivos, brilhando principalmente nas vitórias sobre Bari, Crotone e o campeão Pescara. Na última rodada, os bianconeri garantiram a permanência.
Eis que, no verão de 2012, Waigo não apareceu para os treinamentos de pré-temporada do Ascoli. Os 15 gols e as sete assistências subiram à cabeça do senegalês, que assinou um contrato com o Al-Wahda, dos Emirados Árabes Unidos, sem comunicar ao clube italiano – o que gerou um processo na Fifa e no Tribunal Arbitral do Esporte. O imbróglio foi solucionado em 2016, quando os emiráticos e o atacante foram condenados a ressarcirem os ascolanos em 500 mil euros, com juros e correção monetária.
Waigo conseguiu um bom contrato no Oriente Médio, mas não justificou o investimento do Al-Wahda, uma vez que só marcou 13 gols numa campanha de meio de tabela da equipe. Na sequência, o senegalês passou a perambular entre os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita: jogou pelo relevante Al-Ettifaq e, depois, por modestíssimas agremiações dos dois países (Al-Raed, Ittihad Kalba, Al-Urooba, Al-Dhaid e Masafi), com um breve parêntese pela Folgore Caratese, da Serie D, em 2018-19.
Nestes clubes, o desempenho de Waigo foi um resumo de sua carreira: na Ásia, não atingiu o potencial esperado e foi descendo um degrau a cada temporada. Para completar, conseguiu passar em branco até na quarta divisão italiana, antes de se aposentar aos 35 anos. Um fim de carreira apropriado para uma estrela dos games que totalizou incríveis 23 jogos e dois gols pela Serie A. Um fenômeno.
Papa Waigo N’Diaye
Nascimento: 20 de janeiro de 1984, em Saint-Louis, Senegal
Posição: atacante
Clubes: Verona (2002-05), Cesena (2005-07), Genoa (2007-08), Fiorentina (2008-09 e 2010-11), Lecce (2009), Southampton (2009-10), Grosseto (2011), Ascoli (2011-12), Al-Wahda (2012-13), Al-Ettifaq (2013-14), Al-Raed (2014-15), Ittihad Kalba (2015-16), Al-Urooba (2016-17), Al-Dhaid (2017-18), Folgore Caratese (2018-19) e Masafi (2019)
Títulos: Football League Trophy (2010)
Seleção senegalesa: 15 jogos e 1 gol