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O elegante Luca Marchegiani foi o goleiro mais vitorioso da história da Lazio

A escola de goleiros italiana sempre foi referência e revelou excelentes arqueiros na história do futebol. Alguns deles, apesar da ótima forma, não conseguiram tanto espaço na seleção por um simples motivo: só um entra em campo. Luca Marchegiani, embora tenha sido vice-campeão mundial, sofreu desse mal.

Marchegiani se destacou pelo seu perfil de líder, por ser pegador de pênaltis e muito seguro em baixo das traves, mas teve de concorrer com Gianluca Pagliuca, Walter Zenga, Angelo Peruzzi, Francesco Toldo e Gianluigi Buffon. Isso, contudo, não o impediu de fazer sucesso por clubes e conquistar a idolatria das torcidas de Torino e Lazio. É um dos dez jogadores que mais vezes entraram em campo pelo time romano na história, com 339 partidas, e ainda fez parte do seu período mais vitorioso.

O goleiro nasceu em 1966, na cidade portuária de Ancona, capital da região das Marcas. Seu sobrenome, curiosamente, remete ao gentílico da região: Marchegiani significa marquesãos. Luca não chegou a jogar pelo Ancona nem pelo Ascoli, os dois principais times da região, e começou sua carreira nas categorias de base do Jesi, a 29 quilômetros de casa. O jogador estreou no profissional pelo mesmo clube, em 1986, disputando a Serie C2. Marchegiani não só foi titular absoluto na temporada 1986-87 como também foi o jogador que mais entrou em campo com a camisa biancorossa naquele ano, com 33 partidas disputadas.

O Jesi fez uma temporada mediana e terminou bem distante do acesso, mas Marchegiani teve um bom desempenho, demonstrando muito talento e segurança embaixo das traves. Por consequência, os cartolas do Brescia decidiram apostar na contratação do jovem goleiro para ser o sucessor de Ivano Bordon, que àquela altura já estava na reta final da carreira.

No entanto, Luca foi preterido pelo tricampeão mundial: na primeira temporada, Bordon só lhe deu uma chance de entrar em campo. Em 1988-89, Marchegiani até foi utilizado na fase de grupos da Coppa Italia, que acontecia no início de campanha, mas continuaria tendo pouco espaço entre os titulares.

Marchegiani foi fundamental para levar o Torino a sua última final de competição europeia (Allsport)

Assim, a Leonessa decidiu cedê-lo ao Torino, clube em que teve a primeira oportunidade na carreira de disputar a Serie A. Marchegiani defendeu a camisa granata por quatro temporadas e deu seu primeiro grande salto na carreira. O Toro foi o primeiro time em que se firmou, conquistou títulos, alcançou o status de ídolo e – ainda por cima – recebeu sua primeira convocação para a seleção italiana.

Marchegiani foi contratado para assumir a vaga de Fabrizio Lorieri, que teve um começo de temporada desastroso. Pela Coppa Italia, saiu vaiado após uma atuação horrorosa diante do Hellas Verona, na derrota por 4 a 0. Pouco tempo depois veio a gota d’água: o Toro vencia o forte Milan de Arrigo Sacchi por 2 a 1, mas nos acréscimos viu a vitória escapar graças a um erro crasso de Lorieri. Marco van Basten aproveitou e empurrou para o gol vazio.

Diante das más atuações e da perseguição da torcida, a diretoria do Torino foi atrás de um novo goleiro e trouxe Marchegiani na janela de transferências, em setembro. O início da trajetória do jogador no Toro foi frustrante, pois Luca chegou em um time que flertava com a zona de rebaixamento e havia trocado de treinador poucas semanas antes. Marchegiani fez 17 partidas e sofreu 22 gols, mas mesmo assim não foi capaz de evitar a queda da equipe granata naquele ano.

Na campanha da Serie B de 1989-90, Marchegiani cresceu ainda mais. Preparado por um ícone da posição – Lido Vieri, que foi o dono da camisa 1 grená entre 1958 e 1969 –, Luca cresceu de produção e amadureceu, a ponto de ganhar o apelido de Conde, por conta de seu senso de profissionalismo, sua elegância e espírito de liderança.

Devido ao cartão vermelho recebido por Pagliuca, Marchegiani jogou três partidas na Copa de 1994 (Getty)

Com contribuição fundamental do goleiro, o Torino se sagrou campeão da segundona com 69% de aproveitamento. Marchegiani foi titular absoluto, disputou 34 das 38 partidas com a camisa granata e aos poucos foi virando o xodó da torcida. No ano seguinte, Emiliano Mondonico assumiu o comando do Toro e deu início a uma ascensão continua na equipe grená, que só teve fim em 1993.

O Torino de Mondo e Marchegiani realizou uma temporada surpreendente, que representa até hoje uma das melhores campanhas de um time recém-promovido à Serie A. A equipe piemontesa teve a terceira melhor defesa do campeonato e terminou em quinto lugar, um ponto à frente da rival Juventus, o que lhe garantiu a vaga na Copa Uefa de 1991-92 – deixando os bianconeri fora das competições europeias. A equipe ainda foi campeã da penúltima edição da Copa Mitropa, mais antigo torneio continental de clubes da Europa.

No ano seguinte, o Toro teve um desempenho ainda melhor. O Conde foi o jogador que mais entrou em campo, com 51 partidas disputadas, e foi um dos principais responsáveis por dar solidez defensiva à equipe – a equipe grená contou ainda com exibições importantes de jogadores como Pasquale Bruno, Enrico Annoni, Silvano Benedetti, Roberto Mussi e o capitão Roberto Cravero. Com tantos jogadores em alta, o Torino terminou a Serie A 1991-92 com a melhor defesa: foram apenas 20 gols sofridos em 34 rodadas.

Marchegiani ainda contava com ótimos colegas do meio para frente naquele Torino. O elenco granata tinha, por exemplo, Luca Fusi, Gianluca Lentini, o espanhol Rafael Martín Vázquez, o belga Enzo Scifo e o brasileiro Walter Casagrande. Pela Copa Uefa, o Toro fez história ao eliminar o Real Madrid nas semifinais, mas deixou escapar a chance de coroar a temporada ao perder as finais para o Ajax, graças à regra do gol fora de casa.

A segurança do goleiro foi vital para o sucesso esportivo da gestão Cragnotti na Lazio (Allsport)

Apesar do revés contra o Ajax, Marchegiani foi premiado um mês depois. O goleiro já havia recebido convocações para a seleção italiana em novembro e dezembro de 1991, mas só estreou mesmo em junho de 1992, num amistoso contra os Estados Unidos. Embora tenha sido convocado com frequência até 1996 e recebido suas últimas oportunidades em 1999, Luca não teve muitas chances na Squadra Azzurra pois disputava a posição com jogadores como Zenga, Pagliuca, Peruzzi e Toldo.

No Torino, sua última temporada foi marcada pela conquista de um título de expressão, algo que não conseguira anteriormente. O time grená alcançou a glória com uma campanha atribulada na Coppa Italia: passou por Monza, Bari e Lazio até encarar a sua maior rival nas semifinais. Após dois confrontos equilibrados, os granata despacharam a Juventus e foram campeões em cima da Roma com 5 a 4 no placar agregado.

Ao final daquela temporada, o Torino se viu numa situação delicada, com alto risco de falência, e por isso foi obrigado a negociar vários dos seus principais jogadores. Nesse cenário, Marchegiani deixou o Torino para se juntar à Lazio, que tinha um projeto interessante e começava a receber grandes investimentos de Sergio Cragnotti. O marquesão custou 13 bilhões de velhas liras aos celestes e chegou ao clube com status de reforço de peso – afinal, se tratava de um dos goleiros mais caros da época.

Na sua primeira temporada em Roma, o Conde foi protagonista de um dérbi, no qual foi ovacionado. A Lazio vencia por um gol a 20 minutos do fim, quando um jovem chamado Francesco Totti infiltrou na área e foi derrubado por Roberto Bacci. Na marca da cal, Marchegiani venceu o duelo contra Giuseppe Giannini e se tornou o novo herói do lado biancoceleste da Cidade Eterna. A vitória laziale pela contagem mínima deixou os giallorossi bem perto da zona de rebaixamento, e fez o goleiro de 27 anos cair nas graças da torcida.

Dono da meta laziale por quase uma década, Marchegiani conquistou sete títulos na capital italiana (Allsport)

Em evidência, mantendo alto nível e sendo benquisto por Sacchi, Marchegiani foi chamado para a Copa de 1994, na condição de reserva imediato de Pagliuca. Na fase de grupos, contra a Noruega, o titular se tornou o primeiro goleiro expulso num Mundial e, aos 21 minutos, Luca estreou na competição. Como Pagliuca recebeu cartão vermelho direto, sua suspensão foi de duas partidas, o que levou Marchegiani a ser escalado nas duas partidas seguintes, contra México e Nigéria – esta última, nas oitavas de final.

Depois do vice-campeonato mundial, Marchegiani voltou à Lazio, onde era titular absoluto. Apesar da grande expectativa criada sobre o supertime que estava sendo montado por Cragnotti, as primeiras temporadas não foram vitoriosas como se esperava, já que o time capitolino teve quatro campanhas brigando na parte alta da Serie A, mas não levantou nenhum título. Os melhores resultados desse período ocorreram em 1994-95, sob o comando de Zdenek Zeman: ficou atrás da Juventus no Italiano e, além do vice-campeonato nacional, caiu nas semifinais da Coppa Italia frente o clube bianconero. A Lazio também alcançou as quartas de final da Copa Uefa naquele ano.

Em 1998 ocorreu a primeira conquista da era Cragnotti, que inaugurou o período mais vitorioso da história laziale, com sete títulos em quatro anos. Na primeira temporada do treinador Sven-Göran Eriksson, a Lazio disputou finais de Coppa Italia e Copa Uefa contra as equipes de Milão, porém se saiu vitoriosa em apenas uma delas. Na competição nacional venceu o Milan por 3 a 2 no agregado e, sete dias depois da vitória no Olímpico, o time romano teria a chance de levantar seu primeiro título internacional, mas perdeu para a Internazionale por 3 a 0, em Paris.

Na época seguinte, 1998-99, a Lazio faturou a Supercopa Italiana, contra a Juventus, e Marchegiani levantou a taça como capitão – Alessandro Nesta era o dono da braçadeira, mas estava machucado e não jogou. A equipe faturou a Recopa Uefa, seu primeiro título internacional, mas, por outro lado, deixou escapar o scudetto, que parecia estar na palma da mão, nas últimas rodadas. A Lazio, portanto, entrava mordida para o ano de seu centenário e se preparava para vencer o Campeonato Italiano.

Marchegiani encerrou sua carreira no Chievo (AFP/Getty)

Além de Marchegiani e Nesta, aquela Lazio contava com Marcelo Salas, Pavel Nedved, Juan Sebastián Verón, Sinisa Mihajlovic, Diego Simeone, entre outros, que participaram da conquista da primeira dobradinha biancoceleste: Serie A e Coppa Italia ficaram na Cidade Eterna. O Conde jogou 39 das 57 partidas da temporada, mas não entrou em campo na copa, pois Eriksson fazia rodízio para dar minutos em campo a Marco Ballotta, o goleiro reserva.

Luca, aliás, passaria à condição de reserva exatamente em 2000: a Lazio foi buscar Peruzzi e Marchegiani perdeu espaço. Nas três temporadas seguintes ao centenário, o Conde fez apenas 42 partidas pelo clube romano, muito por conta da chegada de Angelo Peruzzi, que era a primeira opção para a meta biancoceleste, tanto para Eriksson e Dino Zoff quanto para seu ex-colega Roberto Mancini, que assumiu a equipe em 2002.

Em 2003, Marchegiani deixou a Lazio depois de uma década defendendo a meta biancoceleste. Na condição de peça-chave do período mais vitorioso da história da Lazio, o goleiro fez 339 partidas disputadas pelos aquilotti – número que o colocam, atualmente, como o sexto jogador que mais vezes representou o clube em jogos oficiais. O Conde passou ao Chievo Verona, que estreara na Serie A dois anos antes. Luca disputou duas temporadas pelo gialloblù até pendurar as luvas, em 2005.

Depois de se aposentar, Marchegiani virou comentarista do Sky Sports, um dos principais canais esportivos da televisão italiana, no qual trabalha há 14 anos. O Conde também se firmou como comentarista no videogame a partir de 2012, quando começou a participar das transmissões virtuais do Pro Evolution Soccer, ao lado de Pierluigi Pardo e, desde 2015, de Fabio Caressa, seu companheiro de canal.

Luca Marchegiani
Nascimento: 22 de fevereiro de 1966, em Ancona, Itália
Posição: goleiro
Clubes: Jesi (1986-87), Brescia (1987-88), Torino (1988-93), Lazio (1993-2003) e Chievo (2003-05)
Títulos: Serie B (1990), Copa Mitropa (1991), Coppa Italia (1993, 1998 e 2000), Supercopa Italiana (1998 e 2000), Supercopa Uefa (1999), Recopa Europeia (1999) e Serie A (2000)
Seleção italiana: 9 jogos

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