Dificilmente você se lembrará da passagem de Rigobert Song pela Itália. O zagueiro pouco atuou na Velha Bota: foram apenas seis meses defendendo a Salernitana e arrivederci. Em sua carreira, fez um considerável mochilão pela Europa e se firmou mesmo vestindo a camisa de seu país. Na seleção camaronesa, viveu seus melhores momentos. Bateu recordes, ganhou títulos e se tornou um dos nomes mais emblemáticos dos Leões Indomáveis.
Rigobert nasceu no ano de 1976, em Nkenglikok, na região central de Camarões, e logo cedo se mudou para Yaoundé, a cerca de apenas 60km do vilarejo em que se criou. Em 1992, começou a carreira no Tonnerre, da própria capital, e estreou pela seleção antes mesmo de atingir a maioridade: debutou aos 17, num amistoso perdido por 1 a 0 para o México. Song também foi o atleta mais jovem da Copa do Mundo de 1994 e disputou duas partidas pela competição.
O duelo com a Suécia, válido pela primeira rodada da fase de grupos terminou em 2 a 2. Song teve importante participação no segundo gol de Camarões, com uma bela assistência. Ainda estava no campo de defesa quando lançou a bola em profundidade para François Omam-Biyik marcar o tento da momentânea virada dos Leões Indomáveis. Nos dois confrontos seguintes, os camaroneses perderam para Brasil e Rússia. O jovem zagueiro ficou de fora do último jogo depois de ser expulso contra os comandados de Carlos Alberto Parreira.
A Copa foi importante para que Song ganhasse visibilidade ao redor do mundo. Após o torneio, o zagueiro se mudou para a Europa – mais especificamente, para a França. O Metz se interessou pelo talento promissor e logo de cara já o integrou ao time principal. Foram quatro anos de amadurecimento e crescimento pelo clube do nordeste francês, num dos melhores períodos da história dos grenás e também de sua carreira.
Além de fazer parte do elenco que conquistou a única Copa da Liga Francesa do Metz até os dias de hoje, o camaronês ainda contribuiu para que o time fizesse a sua melhor campanha na Ligue 1: foi vice-campeão na temporada 1997-98, perdendo o título para o Lens no saldo de gols. Rigobert jogou ao lado de figuras conhecidas, como Robert Pirès e Louis Saha. Nenhum dos três continuou na mesma casa: Saha partiu para o Newcastle, em janeiro; antes disso, Pirès rumou ao Marseille e Song à Salernitana.
Àquela altura, Song já era um “veterano” de 22 anos. Em seu currículo, o zagueiro contava com participações na Copa Africana de Nações (1996 e 1998) e em dois Mundiais (1994 e 1998). Aliás, Rigobert foi o primeiro atleta expulso em duas Copas do Mundo diferentes – mais tarde, Zinédine Zidane se juntou a ele. Porém, antes de ter levado o segundo desses cartões vermelhos, em partida contra o Chile, o camaronês teve uma boa atuação na derrota por 3 a 0 para a Itália. Foi através desse jogo que os dirigentes da Salernitana se interessaram por seu futebol e buscaram mais informações sobre o beque.
Song chegou à Campânia como uma das contratações mais caras do clube, juntamente a Gennaro Gattuso, adquirido do Glasgow Rangers. Ambos agregavam, de formas diferentes, a um time que acabava de ser campeão da segunda divisão e queria fazer bonito em sua segunda participação na elite, 50 anos depois da estreia. Não foi exatamente o que aconteceu: logo após o acesso, a queda. E meses ainda mais difíceis para Rigobert.
A estreia do camaronês aconteceu no segundo turno preliminar da Coppa Italia, num 0 a 0 com o Castel di Sangro. O debute na Serie A, porém, não poderia ter sido melhor para Song. Na abertura do certame de 1998-99, a Salernitana foi até o Olímpico enfrentar a Roma. Aos 41 minutos, o zagueiro completou um cruzamento rasteiro na pequena área e abriu o placar para os azarões. No entanto, depois de uma expulsão dos visitantes, os giallorossi reagiram e venceram o confronto, virando com dois gols do brasileiro Paulo Sérgio e um de Francesco Totti.
A passagem de Song foi curtíssima na Itália. Além dessas partidas, ele jogou mais quatro – derrotas para Castel di Sangro, Milan, Udinese e Parma. Contra a equipe de Údine, liderada por Amoroso, sucumbiu: não conseguiu marcar o brasileiro, sendo substituído ainda no intervalo após o atacante anotar duas vezes. Em sua derradeira atuação vestindo granata, participou da derrota por 2 a 0 para um estrelado Parma. Ali foi a última chance dada por Delio Rossi para o zagueiro, que amargou o banco de reservas nas seis rodadas seguintes e sequer foi relacionado para os três compromissos finais do ano. Sendo assim, o camaronês se mudou na janela de inverno.
Apesar do insucesso na Itália, Song não desapontava vestindo as cores de sua seleção e sua constância em nível internacional foi suficiente para o Liverpool querer contar com os serviços do jogador. Rigobert representava um negócio vantajoso para os Reds, que aproveitaram a escassa utilização do camaronês em Salerno. No entanto, a promessa não vingou. O defensor foi titular no começo de sua trajetória, emplacando diversos jogos entre os iniciais e sendo escalado até como lateral-direito, às vezes. Na segunda temporada, também foi utilizado com frequência até o momento em que precisou deixar o time, em janeiro, para servir Camarões em mais um campeonato continental.
A Copa Africana de Nações de 2000, a terceira de Song, representaria o seu primeiro grande título representando seu país. Liderado por um jovial Samuel Eto’o, de apenas 18 anos, Camarões bateu a Nigéria, dona da casa: a final terminou em 2 a 2 e foi decidida nos pênaltis. O futuro centroavante da Inter ficaria no terceiro lugar da artilharia daquela Copa, tendo marcado quatro gols, incluindo um tento na decisão. O zagueiro, por sua vez, converteu a última cobrança de seu time e levantou o troféu como capitão, tendo apenas 23 anos de idade.
No retorno para a Europa, enquanto Eto’o viu sua carreira decolar, Song começou a perder espaço no Liverpool – mesmo tendo integrado o elenco que faturou a Copa Uefa. Sem ter mais oportunidades como titular, foi vendido ao West Ham, clube em que também não deslanchou. Sem sucesso na Inglaterra, foi emprestado ao Köln, da Alemanha, pouco antes de mais uma Copa Africana de Nações.
Em janeiro de 2002, mais uma vez a geração de ouro de Camarões chegou para competir e levantou a taça da CAN, disputada no Mali. De novo nos pênaltis, a equipe superou Senegal. Rigobert Song não teve a mesma história perfeita, desperdiçando a sua cobrança, que poderia novamente ser a decisiva da disputa. Por outro lado, foi eleito o melhor jogador do torneio, sendo peça crucial de uma defesa que não sofreu um único gol.
Ao voltar para o Köln, foi titular até o fim da temporada, quando o clube alemão acabou rebaixado. Sem ter o empréstimo renovado, foi liberado a custo zero para o Lens, vice-campeão francês. Na França, atuou bem ao longo de um biênio e despertou o interesse do Galatasaray. Song teve sua segunda passagem mais longa por um time justamente com a camisa o gigante turco, que representou 138 vezes – seis a menos do que o Metz. Pelo Gala, o camaronês venceu uma Copa da Turquia e duas edições da Süper Lig. A última equipe de Rigobert foi o Trabzonspor, com o qual levantou mais uma taça nacional.
Seus grandes feitos, porém, foram mesmo por Camarões. Depois de 2002, Song não chegou a faturar mais títulos pelos Leões Indomáveis. Até chegou perto, ao ser vice da Copa das Confederações de 2003 e da Copa Africana de Nações de 2008. No torneio organizado pela Fifa, o capitão ficou marcado por um gesto posterior à final perdida para a França – 1 a 0 devido ao gol de ouro. Os franceses não festejaram em respeito ao meia camaronês Marc-Vivien Foé, que sofreu um mal súbito e faleceu em campo na semifinal, contra a Colômbia. Os vencedores sequer ergueram a taça: lado a lado, Marcel Desailly e Rigobert seguraram o troféu, em homenagem ao colega.
Por Camarões, Song ainda quebrou recordes. O zagueiro totalizou oito edições da Copas Africanas de Nações disputadas, tal qual o egípcio Ahmed Hassan – ninguém os supera no quesito. Além disso, Rigobert também se tornou o primeiro futebolista africano a participar de quatro Copas do Mundo: de 1994 a 2010, só perdeu a competição de 2006, já que os camaroneses não se classificaram. Foi justamente no Mundial que o defensor fez o último jogo de sua carreira: pendurou as chuteiras aos 34 anos, após a derrota dos Leões Indomáveis por 2 a 1 para a Holanda.
Fora das quatro linhas, Song chegou a ser treinador da seleção de Chade em 2015, pouco antes de um episódio assustador em sua vida. Em 2016, o já aposentado zagueiro sofreu um acidente vascular cerebral. Segundo um relato seu ao jornal L’Équipe, quem salvou sua vida foi seu cão, que entendeu a gravidade da situação.
“Tinha deixado a porta da minha casa aberta porque estava esperando uma visita. Se tivesse deixado fechada, teria morrido. O cachorro começou a latir muito alto, o meu caseiro percebeu e chamou uma ambulância. Se não fosse o meu cachorro… Se estou vivo, é graças a ele”, relatou. Ele chegou a passar dois dias em coma.
Rigobert Song foi treinador da seleção de Camarões formada apenas por atletas que atuam no país e também da sub-23 do país, que assumiu após um curto período como interino da equipe nacional principal, em 2018. Após um biênio com os jovens, tornou a comandar os Leões Indomáveis e, na Copa de 2022, chegou a bater o Brasil – mas não avançou de fase. Com 137 jogos vestindo a camisa de sua nação, certamente tinha experiência de sobra para os meandros do cargo, mas sua passagem foi marcada por atritos com Samuel Eto’o, presidente da Fecafoot, e o goleiro André Onana.
Rigobert Song Bahanag
Nascimento: 1º de julho de 1976, em Nkenglikok, Camarões
Posição: zagueiro
Clubes: Tonnerre Yaoundé (1992-94), Metz (1994-98), Salernitana (1998-99), Liverpool (1999-2000), West Ham (2001), Köln (2001-02), Lens (2002-04), Galatasaray (2004-08) e Trabzonspor (2008-10)
Títulos: Copa da Liga Francesa (1996), Copa Africana de Nações (2000 e 2002), Copa Uefa (2001), Copa da Turquia (2005 e 2010) e Campeonato Turco (2006 e 2008)
Carreira como treinador: Chade (2015), Camarões (2018 e 2022-24) e Camarões sub-23 (2018-22)
Seleção camaronesa: 137 jogos e 4 gols