A orquestra sinfônica “Squadra Azzurra 2006” perdeu, em setembro deste ano, mais um integrante. Depois do maestro Andrea Pirlo, chegou a vez do violinista Alberto Gilardino se aposentar. O piemontês mira fazer parte do grupo de tetracampeões que viraram treinadores, como Fabio Cannavaro, Alessandro Nesta, Massimo Oddo, Gennaro Gattuso, Filippo Inzaghi e Fabio Grosso. Em 19 anos de carreira, Gilardino fez sucesso por Parma, Milan e Fiorentina, equipes pelas quais realizou mais de 100 partidas e nas quais eternizou sua célebre comemoração, em que imita um músico tocando seu violino imaginário. Mas não podemos resumi-lo só a isso.
Gila, como carinhosamente é conhecido na Itália, foi uma exceção à regra em relação à maioria dos jogadores de futebol. Sabe cozinhar e fazer compras. Não gosta de chamar muita atenção. Tímido e reservado, nunca foi o “pegador”: está casado desde 2009 com Alice – começaram a namorar em 2002. O casal tem três filhas. As herdeiras, inclusive, foram o motivo de ele ter feito uma tatuagem da Peppa Pig, uma porquinha cor-de-rosa de desenho animado, no braço esquerdo. Alberto também conseguiu se formar em contabilidade enquanto jogava na elite do futebol italiano.
Quando ainda atuava, recusava jogar Playstation com os companheiros de time e assistia a talk shows políticos, como o Ballarò, que passava na Rai – o programa saiu do ar em 2016 depois de quase 14 anos. “Eu sigo os debates com atenção. Tenho minhas próprias ideias sobre tudo e discuto com a minha esposa”, disse, em entrevista à jornalista Gabriella Greison no Pubblico.
O ex-centroavante também fala abertamente sobre gays no futebol. “Chegou o momento de colocar fim ao tabu [de homossexuais no futebol]. Declarar-se deve ser uma coisa normal: sem clamor, sem manchetes, tudo normal, entende o que eu quero dizer? Mas nos vestiários não se fala dessas coisas… e nem a questão é tão óbvia. Deve haver mais liberdade, ainda que seja no futebol”, posicionou-se, ao Pubblico.
Podemos dizer que Gila é um predestinado. Afinal, ele nasceu na manhã de 5 de julho de 1982, dia em que Paolo Rossi colocou a defesa do Brasil no bolso, anotou uma tripletta, destroçou uma das melhores seleções brasileiras de todos os tempos e conduziu a Nazionale às semifinais da Copa do Mundo daquele ano. Em sua carreira na Serie A, Gilardino seria um atacante ainda mais prolífico que Pablito.
Oriundo de Biella, comuna na região do Piemonte, ele foi rejeitado por Juventus e Torino quando ainda sonhava em ser um jogador de futebol. A tristeza deve ter sido imensa, uma vez que Gilardino, quando criança, sempre foi juventino. “Dormia com a camisa da Juve”, admitiu certa vez, à Gazzetta dello Sport. “Lembro-me que o meu pai, Gianfranco, me levou pela primeira vez ao Delle Alpi [antigo estádio da Juventus] para ver a final da Copa Uefa contra o Borussia Dortmund. O time tinha [Roberto] Baggio e [Gianluca] Vialli. Eu gostava muito do Vialli porque era um atacante fortíssimo. Dizem que me pareço com Pippo Inzaghi, mas não sei se é verdade”, completou.
Gilardino não deixou se abater com os “nãos” recebidos pelos dois principais times do Piemonte. Conseguiu vaga no juvenil do Cossatese, time de Cossato, província de Biella, e depois migrou para as categorias de base do Biellese. Em 1997, aos 15 anos, chegou ao Piacenza. Levou três anos até ser promovido ao plantel principal. Realizou seu primeiro jogo como profissional em janeiro de 2000, na derrota por 1 a 0 diante do Milan, em casa. Ficou 34 minutos em campo e finalizou a gol uma vez; ao fim da temporada, somou três gols em 17 jogos na Serie A.
Embora os biancorossi tenham sido rebaixados à segunda divisão, Gilardino já dava indícios de que seria um matador da grande área. Até por isso começou cedo a ser convocado para as seleções de base da Itália: em 1998 já fazia parte dos azzurrini sub-15. Em setembro de 2000, o atacante foi adquirido pelo Hellas Verona. Entretanto, marcou apenas seis gols em 43 jogos pelos butei. Além do baixo rendimento, Gilardino interrompeu precocemente a temporada 2000-01 devido a um acidente de trânsito.
Após sair de um jantar por volta das 22h, ele perdeu a direção de seu Golf 1400, por causa do farol alto de um caminhão que vinha na direção oposta à sua, e jogou o carro dentro do rio Sile, perto de Capo Porte Grandi, em Veneza. Antes de o carro afundar, conseguiu sair pela porta e ajudar as outras três pessoas que estavam dentro do automóvel. Eles foram levados ao hospital civil de San Donà di Piave. Lá, o centroavante passou por exames médicos que detectaram uma fratura no osso esterno (localizado no tórax, que se articula com as costelas, ajudando a proteger o coração e os pulmões) e uma vértebra quebrada. Também levou 12 pontos na face devido a estilhaços do para-brisas.
“Considerando a dinâmica do acidente, as consequências poderiam ser verdadeiramente dramáticas. Por sorte, quando o carro acabou na água, Gilardino não perdeu a paciência. Eu falei com por telefone e me pareceu bastante tranquilo, sinal de que superou o choque. Agora ele deve pensar somente em voltar. Não importa se o campeonato acabou para ele”, declarou o então presidente do Verona, Giambattista Pastorello.
Passado o susto, Gila ficou apenas mais uma temporada no Hellas Verona antes de rumar a seu terceiro clube como profissional. A pedido do treinador Cesare Prandelli, o Parma tirou Gilardino da equipe veronesa em junho de 2002. Os ducali aproveitaram o dinheiro recebido pelas vendas de Gianluigi Buffon e Liliam Thuram para reforçar a equipe com jogadores de peso, e Gila era um deles, ainda que estivesse com 20 anos.
Embora fosse reserva do brasileiro Adriano e do romeno Adrian Mutu em 2002-03, Gilardino foi o grande destaque do ataque gialloblù na temporada 2003-04. Não à toa, terminou como vice-artilheiro da Serie A, com 23 gols, um a menos que Andriy Shevchenko, que ao final da temporada seria premiado com a Bola de Ouro, da revista France Football.
Foi no Parma onde Gilardino começou a fazer a comemoração de violino. Em um juntar com amigos, como o meia Marco Marchionni, surgiu a ideia de imitar um violinista tocando seu instrumento imaginário após estufar as redes dos goleiros adversários. Dito e feito. A comemoração pegou e virou uma marca registrada do atacante.
Individualmente falando, o bom ano de 2004 de Gilardino não se resume somente ao Parma. Pela seleção italiana sub-21, ele foi campeão do Europeu da categoria, sendo o destaque e artilheiro do torneio, com quatro tentos. Depois, fez parte do elenco que terminou com a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Atenas. Em grande fase, o nome do centroavante passou a ser ligado a grandes agremiações do futebol italiano. Uma delas era a Juventus, seu time de coração. Porém, foi outro gigante que o contratou: o Milan.
Com as saídas de Hernán Crespo e Jon Dahl Tomasson, o Diavolo foi ao mercado e acertou com Gilardino e Christian Vieri para repor as perdas. Ambos se juntaram a Inzaghi e Shevchenko. O time se encontrava desolado após o desastre de Istambul, no qual os rossoneri perderam nos pênaltis, para o Liverpool, a decisão da Liga dos Campeões após abrirem 3 a 0 no primeiro tempo. Carlo Ancelotti, no entanto, manteve a base da equipe, mas alterou o esquema tático: abdicou do 4-3-1-2 para implantar o 4-3-2-1 (o famigerado “árvore de Natal”), com Kaká e Clarence Seedorf abastecendo o centroavante.
Assim, Gilardino revezava com seus companheiros de ataque por uma posição no time titular, já que o esquema privilegiava apenas um centroavante. Mesmo não sendo titular fixo, o camisa 11 terminou sua primeira temporada no San Siro como segundo maior artilheiro do time, atrás de Shevchenko, que fez 19 gols. Gila anotou 17 em 34 presenças na Serie A – desde então só Zlatan Ibrahimovic, em 2011-12, marcou mais vezes pelo Milan na elite do Italiano. O Diavolo não venceu nenhum troféu naquela época, e ainda acabou punido porque dirigentes estavam envolvidos no escândalo Calciopoli.
Em meados de 2006, Gilardino vivencia um grande momento na sua carreira. Depois de não ser convocado por Giovanni Trapattoni para a Eurocopa de 2004, o bomber disputaria sua primeira grande competição com a Nazionale, a Copa do Mundo da Alemanha. Ele começou o Mundial como titular, fazendo dupla de ataque com Luca Toni. Na segunda rodada, contra os Estados Unidos, marcou seu único gol no torneio: Pirlo cobrou falta com efeito, Gila apareceu livre na área e, de peixinho, mandou no canto direito do goleiro.
Nas semifinais, contra a Alemanha, o camisa 11 deu o passe que resultou no tento de Alessandro Del Piero, que garantiu a Itália na decisão da Copa. A classificação para a final foi seu presente de aniversário antecipado, já que um dia depois da suada vitória sobre os alemães, o jogador completaria 24 anos. Ele não chegou jogar a finalíssima contra a França – ficou os 120 minutos no banco –, mas comemorou como nunca o tetracampeonato, obtido após disputa de pênaltis.
De volta ao Milan, Gilardino deveria ganhar mais tempo de jogo por dois motivos. Primeiro, Sheva estava de saída para o Chelsea. Além disso, o brasileiro Ricardo Oliveira, contratado no verão europeu daquele ano, flopou e não correspondeu às expectativas. Porém, o que aconteceu com Gila foi uma queda de rendimento na Serie A – somente 12 gols – e uma lesão no segundo semestre da temporada, que reduziram o seu espaço. Ao mesmo tempo, o italiano precisava lidar com a ascensão de Alexandre Pato.
Num Derby della Madonnina, realizado em 2006, o camisa 11 completou de cabeça um cruzamento de Cafu e voltou a estufar as redes depois de seis meses de jejum. O tento, contudo, não foi suficiente para evitar a derrota do time rossonero contra a Beneamata, que venceu o dérbi por 4 a 3. Na campanha que culminou no sétimo título da Liga dos Campeões, Gila fechou a conta em 3 a 0 ante o Manchester United, no San Siro, pelo jogo de volta da semifinal. Para a decisão, em Atenas, novamente contra o algoz de dois anos atrás, ele nem sequer pisou em campo: viu a conquista da sétima “orelhuda” rossonera do banco de reservas.
O atacante se mostrou incomodado com a sua situação no clube, mas continuou em Milanello por mais uma temporada. Em 2007-08, tudo começou a desandar no time rossonero, e Gilardino perdeu ainda mais espaço, sobretudo após a contratação de Ronaldo. Antes de deixar a agremiação milanesa, o atleta escreveu que os últimos meses foram os “piores de uma carreira em crescimento”.
Assim, em maio de 2008, a Fiorentina pagou 14 milhões de euros ao Milan e levou Gilardino para Florença. O matador assinou contrato por cinco anos. Novamente sob a batuta de Prandelli, ele estreou com o pé direito: anotou um gol na vitória por 2 a 0 sobre o Slavia Praga, no Artemio Franchi, pelos playoffs da Liga dos Campeões. Na Serie A, também debutou com um gol, diante da Juventus, que valeu o empate por 1 a 1, em Florença. Com seus 19 tentos – incluindo um de mão sobre o Palermo – na Serie A, ajudou o time viola a terminar em quarto lugar na tabela.
Na temporada 2009-10, a Fiorentina de Gilardino conseguiu um feito expressivo na Liga dos Campeões. Após passar pelos playoffs, a Viola caiu em um grupo junto com Liverpool e Lyon. Para a surpresa de muitos, a equipe gigliata passou para o mata-mata em primeiro da chave. A vitória por 2 a 1 sobre o Liverpool, em pleno Anfield Road, foi preponderante para tal, e Gila marcou o gol do triunfo. Segundo o atacante, foi “o gol mais importante da minha vida”. A Fiorentina caiu nas oitavas de final para o Bayern de Munique devido ao gol qualificado – e a erros grotescos do árbitro Tommy Henning Ovrebo.
A época seguinte ficou marcada na memória do atacante. Isso porque ele anotou o 200º tento como profissional. Mas nem tudo foram flores. O centroavante fez parte do vexame da Itália na Copa da África do Sul, na qual a então campeã mundial foi eliminada na fase de grupos. Ele não havia sido chamado para disputar a Eurocopa de 2008.
Depois de quatro anos em Florença, Gilardino trocou a Fiorentina pelo Genoa em janeiro de 2012. A saída de Sébastien Frey e Mutu, além da demissão de Sinisa Mihajlovic, influenciaram na decisão do camisa 11 de deixar o Artemio Franchi. O atleta, que custou 8 milhões de euros aos cofres rossoblù, marcou quatro gols em 14 jogos, de janeiro a junho.
Como não vinha sendo convocado para a seleção italiana desde março do ano anterior, obviamente não foi selecionado para representar a Nazionale na Euro 2012, na qual os italianos chegaram à final mas perderam de goleada para a Espanha. Por outro lado, Gila voltou a contar com a confiança de Prandelli e disputou a Copa das Confederações de 2013, no Brasil – virou titular da equipe após a lesão de Mario Balotelli. Porém, passou em branco durante o torneio realizado no Brasil, no qual a Itália terminou no terceiro lugar.
Em agosto de 2012, o Genoa resolveu apostar em Marco Borriello, e Gilardino foi emprestado ao Bologna, que havia se despedido do ídolo Marco Di Vaio. O acordo incluía opção de compra. O início de campeonato de Gila com a camisa felsinea foi convincente, visto que ele guardou cinco gols em cinco jogos. Em abril de 2013, quando o Bologna recebia o Palermo, ele marcou o gol de número 3000 na história dos rossoblù. Terminou aquela temporada com bons números – 13 gols em 36 partidas na Serie A –, mas não foi comprado em definitivo e, assim, retornou ao Genoa.
Embora Gilardino estivesse em visível declínio na carreira, o presidente do clube de Gênova, Enrico Preziosi, blindou o jogador, assegurando sua permanência na equipe. O jogador também não fez questão de sair e cumpriu seu contrato até o fim, rendendo em bom nível: com 15 gols, foi o artilheiro dos grifoni, que fizeram um campeonato tranquilo e ficaram no meio da tabela. Não convocado para servir a seleção italiana na Copa do Mundo de 2014, o atacante arrumou as malas e fechou vínculo com os chineses do Guangzhou Evergrande. Foi a única aventura do piemontês longe do futebol italiano em 19 anos de carreira. Fez companhia a seu ex-companheiro de Bologna, Alessandro Diamanti, no clube asiático.
A passagem pela China durou apenas uma temporada. Gilardino realizou 17 jogos, balançou as redes seis vezes e forneceu quatro assistências. Foi o bastante para ajudar o Guangzhou a conquistar a Super Liga Chinesa. Retornou à Itália em janeiro de 2015 e quebrou um galho na Fiorentina, quarta colocada na Serie A e semifinalista da Liga Europa e da Coppa Italia. Gila ainda jogou bem pelo Palermo (10 gols no Italiano em 2015-16), mas depois só fez figuração com as camisas de Empoli, Pescara e Spezia.
Na última temporada com o Spezia, ele marcou seis gols em 16 partidas da Serie B. Segundo a Gazzetta dello Sport, Gilardino interessava ao Monza, mas recusou a oferta e decidiu parar para ingressar na carreira de treinador. Pendurou as chuteiras com 273 gols e mais de 600 jogos. Gila anotou 188 tentos na Serie A e é um dos 10 maiores artilheiros da competição: está empatado na décima posição com Alessandro Del Piero e Giuseppe Signori.
Após se aposentar, Alberto Gilardino obteve as licenças da Uefa para dirigir times profissionais. Iniciou de baixo, como auxiliar e diretor do Rezzato, na Serie D, e logo ascendeu ao comando. Em seguida, passou por Pro Vercelli e Siena, respectivamente na terceira e na quarta divisões. Em 2022, foi contratado como técnico da equipe sub-19 do Genoa e, por conta da demissão de Alexander Blessin, virou interino da formação principal. Um bom trabalho do tetracampeão resultou na volta dos rossoblù à elite, em sua permanência na função e em sua entrada no grupo dos mais promissores nomes da geração italiana de treinadores.
Alberto Gilardino
Nascimento: 5 de julho de 1982, em Biella, Itália
Posição: atacante
Clubes: Piacenza (1999-2000), Verona (2000-02), Parma (2002-05), Milan (2005-08), Fiorentina (2008-11 e 2015), Genoa (2012 e 2013-14), Bologna (2012-13), Guangzhou Evergrande (2014-15), Palermo (2015-16), Empoli (2016-17), Pescara (2017) e Spezia (2017-18)
Títulos: Europeu Sub-21 (2004), Bronze Olímpico (2004), Copa do Mundo (2006), Liga dos Campeões (2007), Supercopa Europeia (2007), Mundial de Clubes da Fifa (2007) e Super Liga Chinesa (2014)
Clubes como treinador: Rezzato (2019), Pro Vercelli (2019-20), Siena (2020-21 e 2021) e Genoa (2022-24)
Seleção italiana: 57 jogos e 19 gols