Raros jogadores conseguem ficar mais de uma década em alto nível na Serie A. O goleiro Sébastien Frey foi um deles: ficou 15 anos na elite italiana e construiu uma história indelével, em 446 partidas. Apenas dois estrangeiros tiveram mais presenças que o francês na primeira divisão: o argentino Javier Zanetti, com 615, e o brasileiro José Altafini, com 456. Na época de grandes goleiros como Gianluigi Buffon, Gianluca Pagliuca, Francesco Toldo, Angelo Peruzzi e Morgan De Sanctis, Frey conseguiu seu espaço e, durante os anos 2000, vestiu a camisa de quatro campeões nacionais.
Reconhecido pela liderança e pelo caráter, além da agilidade e das defesas acrobáticas, Frey chegou na Itália recomendado por uma lenda da posição: Walter Zenga, na época olheiro da Inter. O ex-goleiro nerazzurro contratou o francês em 1998, após seu primeiro ano como profissional. “Fui para Cannes observá-lo e disse que os dirigentes deveriam contratá-lo, porque tinha certeza de que seria um grande goleiro, como acabou se tornando. Mesmo considerando que não teve muita sorte na Inter”, revelou o ídolo nerazzurro em 2010, quando ocupava o cargo de treinador do Dinamo Bucareste.
Naquele momento, Frey despontava como um dos principais talentos do futebol francês, ao menos em sua posição. O goleiro se tornou titular do Cannes ainda antes dos 18 anos, após a lesão de Grégory Wimbée, e se destacou na primeira divisão gaulesa, ainda que os dragões vermelhos tenham sido rebaixados com a lanterna da competição. Frey chegava valorizado a, ainda que como terceira alternativa para a meta nerazzurra.
Ainda que houvesse a clareza de que teria de esperar para ter sua chance, Frey não pestanejou em acertar com a Inter. Um dos motivos para o acerto teria sido o ambiente no estádio Giuseppe Meazza, segundo o próprio goleiro, em entrevista concedida ao Corriere dello Sport em 2015, logo após sua aposentadoria.
“Marseille e Bologna também me queriam. Mas fui ver uma partida da Copa Uefa da Inter contra o Strasbourg. Na época não se via tanta futebol estrangeiro na televisão, e na França conhecíamos mais a Juventus de [Michel] Platini. Para mim os estádios normalmente tinham cinco mil pessoas ou um pouco mais. Naquela noite, o San Siro estava lotado. Depois desci para o vestiário e me apresentaram [Youri] Djorkaeff, [Benoît] Cauet e Taribo West. Vi o Ronaldo passar a um metro de mim. Naquela noite disse para o meu procurador: ‘quero vir para cá, para esta equipe’. Em Marselha estaria praticamente em casa e teria menos trabalho, mas assim amadureci mais rapidamente”, afirmou.
Nos primeiros momentos na Beneamata, Frey foi ajudado pelos jogadores que falavam francês, como Djorkaeff e Cauet – o último deles, segundo o goleiro, foi quase como um segundo pai. West e Baggio também chegaram a ficar próximos do arqueiro, que virou budista por causa do craque italiano. Ligeiramente ambientado, Sébastien se tornou reserva imediato de Pagliuca depois que foi consumada a saída de Andrea Mazzantini, em janeiro de 1999. Isto lhe proporcionou sete partidas numa decepcionante campanha da Inter, oitava colocada na Serie A. Para o campeonato seguinte, a chegada do técnico Marcello Lippi lhe fechou as portas e ocasionou seu empréstimo ao Verona.
A ideia seria ganhar experiência, o que aconteceu rapidamente depois de o titular Graziano Battistini perder prestígio com falhas contra Fiorentina e Parma, no início de 1999-00. No período em que ficou no Vêneto, Frey conheceu Cesare Prandelli, com quem dividiria parte significativa de sua carreira em Parma e Florença – em especial na principal cidade da Toscana, onde se tornou líder e ídolo viola sob o comando do treinador. Depois do começo difícil do Hellas, que fechou o primeiro turno na lanterna, a recuperação no segundo teve grande contribuição do francês, que acabou escolhido como o melhor goleiro do torneio e premiado com o Guerin d’Oro. O Verona terminou a Serie A na nona posição.
Embora Frey estivesse bem pelos mastini, a Inter não deu muitos sinais de que ele seria aproveitado em 2000-01. O francês chegou a negociar com a Lazio e até assumiu o interesse em jogar no clube romano, mas Lippi barrou a transferência ao lhe assegurar a titularidade em Milão. O técnico toscano manteve a palavra, mas acabou demitido após a primeira rodada da Serie A: sua reação violenta após a eliminação na fase preliminar da Liga dos Campeões para o Helsingborgs e um revés contra a Reggina azedou sua relação com o elenco.
Frey, no entanto, ainda era o camisa 1 nerazzurro e conservou o posto. Aos 20 anos, se tornou o goleiro titular mais jovem da Inter e também o primeiro estrangeiro a ocupar a função no clube. O problema é que era uma tarefa inglória ser arqueiro da Beneamata naqueles tempos. Mais uma vez o clube protagonizou um desastre na temporada e sofreu duras derrotas para Alavés (na Copa Uefa), Parma, Juventus e Milan.
O Derby della Madonnina merece um capítulo especial naquela fracassada campanha interista, já que terminou com o placar de 6 a 0. Foi a maior vitória milanista no confronto e significou, para Frey, uma das noites mais longas de sua vida. “Pensava: ‘por que eu? Por que justamente eu?’. O Milan parecia possesso, e nós paralisados. E dali até o final o campeonato foi um pesadelo”, disse o goleiro ao Corriere dello Sport.
No verão seguinte houve nova revolução no clube e mudança no gol. Enquanto a Juventus contratou Gigi Buffon e fez do Superman o goleiro mais caro da história naquele momento, o Parma tentou Francesco Toldo, mas a Inter atravessou o negócio e fechou com o atleta da Fiorentina – com isso, Frey foi liberado para o clube da Parmalat. O jovem assumiu a responsabilidade de substituir Buffon e deixou o veterano Taffarel no banco. Contudo, o brasileiro foi o titular na conquista do único título da carreira do francês: a Coppa Italia, em 2002.
A nova temporada abriu espaço para a chegada de Prandelli, com quem Frey continuava com prestígio. Sob o comando do treinador lombardo, o Parma voltou a fazer boas campanhas na Serie A: por dois anos seguidos, os crociati ficaram na 5ª posição e, por poucos pontos, perderam a vaga na Liga dos Campeões para Lazio e Inter, respectivamente. Ao mesmo tempo, a bancarrota da Parmalat abalou o clube, mas não afetou a situação de Frey, que seguiu se afirmando como um dos melhores goleiros do campeonato. Isso aconteceu mesmo na desastrosa temporada 2004-05, na qual suas defesas milagrosas e os gols de Alberto Gilardino salvaram a equipe do rebaixamento.
Sua primeira convocação para a seleção francesa veio em novembro de 2004, mas a estreia aconteceria somente três anos depois. Na ocasião, falhou no gol de empate da Ucrânia marcado por Andriy Shevchenko, em jogo válido pelas eliminatórias da Eurocopa de 2008. No entanto, Frey seguiu no radar e acabou convocado para a competição como reserva de Grégory Coupet. O ponto final de sua curta carreira internacional veio depois da competição, quando Hugo Lloris foi escolhido como novo goleiro titular e Frey decidiu não fazer mais parte do grupo, pelas escassas chances concedidas pelo controverso técnico Raymond Domenech.
Naquele momento, Sébastien Frey já havia se transferindo para a Fiorentina (em junho de 2005) e tinha se tornado um dos melhores da posição na Itália. Recuperado de lesão na tíbia que o fez perder o primeiro semestre de 2006, foi o goleiro menos vazado do campeonato na temporada seguinte, ao sofrer 31 gols em 38 partidas.
O francês também foi decisivo nas campanhas de destaque da Fiorentina em 2008 e 2009, quando a equipe toscana acabou a Serie A por duas vezes na quarta posição. Os gigliati também tiveram sucesso na Europa: foram semifinalistas da Copa Uefa e caíram para o Bayern de Munique nas oitavas da Liga dos Campeões graças a um erro grosseiro de arbitragem.
Sua carreira em Florença chegou ao final na temporada 2010-11, em que começou como titular com o novo treinador Sinisa Mihajlovic. Em novembro, porém, Frey sofreu grave lesão no joelho e ficou fora dos gramados por cinco meses para se recuperar da cirurgia. Nesse tempo, perdeu a posição para o polonês Artur Boruc: 218 partidas e seis anos depois, mudou de clube novamente. O goleiro acertou com o Genoa, em transferência gratuita.
Escolhido como substituto do desastroso Eduardo – que havia sido contratado após fazer boa Copa do Mundo de 2010 com Portugal –, Frey passou por um ano turbulento no Marassi. Em 2011-12 o Genoa teve três treinadores (Alberto Malesani, Pasquale Marino e Luigi De Canio) e, correndo risco de rebaixamento, viu ultras interromperem uma partida perdida por goleada para o Siena: eles atiraram petardos ao gramado e ordenaram que os jogadores não vestissem mais a camisa do clube. Para o goleiro francês, pior ainda foi ter sido o goleiro mais vazado do campeonato, com 69 gols sofridos em 38 rodadas.
A situação não melhorou muito na temporada seguinte. O Genoa teve mais três treinadores (De Canio, Luigi Delneri e Davide Ballardini) e escapou novamente do rebaixamento, mas terminou o campeonato pela segunda vez seguida na 17ª posição, poucos pontos acima da zona de descenso. Frey sofreu 20 gols a menos, mas ainda assim teve um desempenho abaixo da expectativa, abrindo espaço para Perin assumir a posição no ano seguinte. Enquanto isso, o francês se mudou para a Turquia.
Vendido ao Bursaspor, o goleiro deixou a Itália após 552 partidas, 446 delas na Serie A. Terceiro estrangeiro com mais presenças no campeonato, Frey conserva o recorde até hoje, mas vê a posição ameaçada por Samir Handanovic e Marek Hamsík – que têm 405 e 396 jogos, respectivamente.
Sébastien se desencantou de vez com o futebol na Turquia. Afetado pela má forma física que já o perseguia em Gênova, rescindiu seu contrato de três temporadas com os turcos com um ano de antecipação – afinal, nem havia entrado em campo em 2014-15. Depois de ficar sem clube em julho de 2015, o goleiro esperou alguns meses e, em dezembro, anunciou que estava encerrando a carreira.
Já aposentado, por pouco Frey não foi uma das vítimas do atentado que matou 84 pessoas em Nice. Residente da cidade do sul da França, o ex-goleiro só não estava na Promenade des Anglais para comemorar a Queda da Bastilha naquele fatídico 14 de julho de 2016 porque se atrasou em um compromisso. Logo ele, que sempre foi preciso enquanto jogador.
Sébastien Jacques André Frey
Nascimento: 18 de março de 1980, em Thonon-les-Bains, França
Posição: goleiro
Clubes: Cannes (1997-98), Inter (1998-99 e 2000-01), Verona (1999-00), Parma (2001-05), Fiorentina (2005-11), Genoa (2011-13) e Bursaspor (2013-15)
Títulos: Coppa Italia (2001-02)
Seleção francesa: 2 partidas e 2 gols sofridos