Árbitros

Sergio Gonella foi o primeiro árbitro italiano a apitar uma final de Copa do Mundo

O trabalho do respeitado árbitro Sergio Gonella pode ser descrito em duas palavras: rigor e imparcialidade. Atuante nas décadas de 1960 e 1970, ele foi o primeiro juiz italiano escalado a uma final de Copa do Mundo – a de 1978, entre Argentina e Holanda, com vitória dos hermanos por 3 a 1. Mas a história poderia ter sido diferente. Há rumores de que Alberto Michelotti, outro grande apitador da época na Velha Bota, era mais cotado para ir ao Mundial, que seria realizado na Argentina. Porém, como era comunista e o país sul-americano enfrentava uma ditadura militar de direita à época, Gonella acabou designado para representar a Itália no quadro de arbitragem da competição.

Nascido em Asti, no norte da Itália, Sergio iniciou sua carreira na segundona italiana de 1963-64, na qual apitou seis jogos. Ele estrearia na Serie A na temporada seguinte, mas ganharia notoriedade mesmo em 1965-66. Isso porque assinalaria nove pênaltis em 15 duelos do campeonato, sendo, inclusive, dois em Atalanta e Bologna (4 a 1) e dois em Napoli e Cagliari (2 a 0). Ainda em 1965-66, ele atuaria em dois confrontos da Inter de Helenio Herrera, que se sagraria campeã e, assim, alcançaria sua primeira estrela, devido à marca de 10 títulos nacionais.

Em evidente ascensão no quadro de árbitros italianos, Gonella apitou seu primeiro grande dérbi de elite na temporada seguinte. A Roma levou a melhor sobre a Lazio, por 1 a 0, no Olímpico, em combate válido pela sexta rodada do certame. A liga, naquela época, atravessava um período no qual todos os times davam muito importância à fase defensiva, de modo que o rígido juiz não dirigiu nenhuma partida da Serie A de 1966-67 cujo placar fosse maior do que 2 a 0.

Gonella dirigiu a Supercopa Uefa, entre Dynamo Kyiv e Bayern de Munique: na foto, ele adverte Franz Beckenbauer (imago)

Gonella receberia mais jogos para arbitrar, sobretudo da elite, nos anos seguintes. Em 1967-68, por exemplo, dirigiu 26 partidas entre Serie A, Serie B (incluindo os playoffs) e Copa Mitropa (quartas de final entre Spartak Trnava e Zeljeznicar, seu primeiro trabalho em uma peleja europeia). O piemontês ainda conseguiu a proeza de marcar pênaltis em todas as competições em que atuou, concluindo a temporada com 11 penalidades assinaladas.

A década de 1970 simbolizou uma mudança de chave na carreira de Gonella. Ele começou a apitar com frequência jogos europeus e entre seleções, além de grandes partidas na Serie A. Em 1970-71, por exemplo, esteve em campo em Milan 3-0 Inter, Roma 2-2 Napoli e Inter 2-1 Napoli. Na mesma temporada, assinalou três pênaltis no embate entre Varese e Lazio, que terminou com triunfo dos biancorossi, por 2 a 1, e todos eles foram convertidos. Naquele ano, Sergio dirigiu seus dois primeiros duelos pela Copa das Feiras.

O amistoso entre Escócia e Inglaterra, realizado em maio de 1972, com vitória inglesa pelo placar mínimo, marcou a estreia de Gonella em partidas internacionais. O piemontês também debutou na Copa Uefa, trabalhando, inclusive, nas oitavas e nas quartas de final. Destaque ainda para um empate sem gols entre Liverpool e Bayern de Munique, em Anfield, pelas oitavas da Recopa.

Ainda em 1972, Gonella apitou pela primeira vez uma peleja da antiga Copa dos Campeões. E foi um jogo de prestígio, já que de um lado havia simplesmente o Real Madrid. Os merengues ficaram no 0 a 0 ante o Dynamo Kyiv. No mesmo ano, o italiano foi o escolhido para arbitrar a partida de ida da final do Europeu Sub-21: a Checoslováquia empatou em 2 a 2 com a União Soviética e, na volta, saiu vitoriosa, por 3 a 1. E, na campanha de 1973-74, dirigiu uma polêmica decisão da Coppa Italia, com triunfo do Bologna sobre o Palermo, nos pênaltis.

Gabaritado, o árbitro italiano conseguiu apitar a final da Eurocopa de 1976 e da Copa do Mundo de 1978 (imago)

Sergio passaria a ser escalado com mais regularidade para decisões de campeonato. Antes da temporada seguinte, porém, um “presente” caiu em seu colo: dirigir um amistoso da seleção da Itália contra a Bulgária. Isso aconteceu porque o árbitro designado para o jogo, o espanhol Pablo Sánchez Ibáñez, teve de ser substituído de última hora. Assim, o piemontês acabou chamado para o seu lugar. O confronto entre italianos e búlgaros, realizado em Gênova em dezembro de 1974, foi concluído sem bola na rede.

A segunda metade da década de 1970 proporcionou a Gonella a arbitragem de jogos de prestígio, dentro e fora da Itália. Foram duas finais de Copa Mitropa: Honvéd contra Wattens-Wacker, em 1975, e Velez Mostar versus Wattens-Wacker, um ano depois. A decisão da Supercopa Europeia, na qual o Dynamo Kyiv derrotou o Bayern de Munique, por 1 a 0, também entra em seu currículo, tal qual a partida que definiu a Eurocopa de 1976: a Checoslováquia bateu a Alemanha Ocidental, nos pênaltis, em torneio realizado na antiga Iugoslávia.

Gonella também foi nomeado para arbitrar clássicos na Serie A de 1975-76. Atuou no Derby della Capitale dos dois turnos (empate em ambos os embates); num Derby del Sole, entre Napoli e Roma, com vitória napolitana; e num Derby della Madonnina, entre Inter e Milan, concluído com triunfo milanista. Por ser nascido no Piemonte, jamais trabalhou em duelos envolvendo os principais times de Turim – naquele campeonato, inclusive, Torino e Juventus ficaram em primeiro e segundo lugares, respectivamente. No total, participou de quatro confrontos entre os arquirrivais de Milão e cinco entre os da Cidade Eterna.

A fase de Gonella era boa, mas ficaria ainda melhor no último ano de sua carreira. É que Sergio acabou designado para trabalhar na Copa do Mundo de 1978, na Argentina. Ele ganhou a “queda de braço” com Michelotti, outro juiz italiano em destaque à época. Mas, como citamos no início deste texto, a ligação de Alberto com o comunismo pode ter influenciado na decisão, já que o Mundial ocorreria em um país que encarava uma ditadura militar de direita.

Gonella optou por encerrar a carreira após comandar a partida de maior prestígio do futebol (imago)

“O árbitro Sergio Gonella me roubou a final de 1978, na Argentina”, sentenciou Michelotti, em conversa com o amigo e jornalista Vanni Zagnoli. Uma declaração dura direcionada ao colega, que atuou em dois jogos naquela Copa: Brasil 0-0 Espanha e, claro, a decisão entre Argentina e Holanda. Apitar a finalíssima certamente foi o ponto alto da carreira de Sergio, mas gerou muitos questionamentos no lado holandês.

Os holandeses alegaram que o italiano não conseguiu controlar os ânimos em campo, sobretudo na prorrogação – a peleja, no tempo normal, havia terminado em 1 a 1. De acordo com as críticas dos neerlandeses, Gonella teria errado em algumas decisões e permitido aos jogadores argentinos serem mais violentos. Daniel Passarella, por exemplo, deu uma cotovelada em Johan Neeskens, mas não recebeu cartão vermelho. Cabe lembrar que a Argentina estava atuando em casa, empurrada pela torcida.

Polêmicas à parte, a Argentina marcou dois gols na prorrogação – um de Mario Kempes e outro de Daniel Bertoni – e ficou com a taça, alçada aos céus pelo capitão Passarella. A final do Mundial foi a última partida de Gonella como árbitro de futebol profissional. Escolheu sair por cima após a Copa, com o status de segundo juiz da história a apitar uma decisão de Mundial e uma Eurocopa, atrás apenas do suíço Gottfried Dienst.

No período posterior à aposentadoria, Gonella trocou o uniforme preto por ternos: virou dirigente e atuou em várias esferas do quadro de arbitragem na Itália, trabalhando desde as divisões mais internas até chegar à presidência da AIA, a Associação Italiana de Árbitros, e à Comissão Arbitral da Uefa, ambas as funções exercidas de 1998 a 2000. Em 2013, o piemontês foi inserido no Hall da Fama do futebol italiano. Morreu aos 85 anos, em junho de 2018, de causas não reveladas.

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