Árbitros

Polêmico e autoritário, Concetto Lo Bello foi o príncipe dos árbitros

Em um jogo de futebol, as principais estrelas são os jogadores. Às vezes, os técnicos, mas nunca um árbitro. Porém, como para tudo existe uma exceção, Concetto Lo Bello foi dono de um estrelato digno de um protagonista de filmes produzidos no auge da Cinecittà e tinha todos os holofotes voltados para si e seu característico e finíssimo bigode. Polêmico, controverso e narcisista, o siciliano foi o primeiro apitador a se tornar celebridade na Itália, décadas antes de Pierluigi Collina. Mas, como os tempos eram outros, o seu brilho incomodava: foi acusado de prejudicar os grandes times e sofreu até ameaças de dirigentes italianos.

Lo Bello nasceu em 1924, em Siracusa, município localizado na Sicília e conhecido pelo adjetivo dado aos seus monarcas: eles não eram chamados de reis, mas de tiranos. Por seu estilo autoritário, o árbitro acabou seguindo a tradição de sua cidade natal e ganhou o apelido de O Tirano de Siracusa ao longo de sua carreira. Sua carreira nos gramados teve início em 1944, quando o siciliano se dividia entre treinar um time de polo aquático e apitar campeonatos de futebol amador. Concetto dirigiu o seu primeiro jogo de Serie B em 1952. Em 1954, aos 29 anos, estreou na Serie A no empate por 1 a 1 entre Atalanta e Sampdoria.

Conhecido por ser demasiado dogmático, Lo Bello acumulou polêmicas durante a carreira e, diversas vezes, foi acusado de prejudicar grandes clubes italianos, como Fiorentina, Juventus e Milan. Também sofria represálias: em 1967, assinalou três pênaltis contra a Spal num jogo vencido por 4 a 1 pelo Napoli. Luigi Pretti, Ministro da Economia e torcedor spallino, se revoltou e colocou os órgãos de controle fiscal na cola do árbitro, que também era vendedor de seguros. Concetto não se abalava. Se definia como um homem livre e íntegro, que nada tinha a temer: dizia que se orientava em campo e na vida por critérios justos.

A principal crítica acerca de Lo Bello se devia a seu estilo enérgico. Por causa disso, o árbitro acabava sendo a estrela das partidas no lugar dos jogadores: como quando, numa magra vitória da Roma sobre o Napoli, em 1972, agarrou pelo colarinho um torcedor que invadira o gramado e se utilizou de chutes para tirá-lo de campo.

O siciliano não precisava usar a força para se impor ante os jogadores que dirigia – embora tivesse perfil atlético e, até hoje, seja reconhecido como um dos primeiros apitadores que se dedicava a fazer uma intensa preparação física. Lo Bello era firme em suas decisões e dificilmente as mudava por protestos. Ao contrário, utilizava-se de sinais com as mãos para demonstrar sua enorme autoridade.

Lo Bello teve carreira brilhante entre as décadas de 1950 e 1970, ganhando prestígio internacional (imago)

Controvérsias à parte, o árbitro siciliano era aclamado pelas entidades do futebol e ganhou seu distintivo Uefa em 1958. Lo Bello apitou a final dos Jogos Olímpicos de Roma, entre Iugoslávia e Dinamarca, em 1960; a semifinal da Euro 1964, entre União Soviética e Dinamarca; e foi o escolhido para representar a Itália na Copa de 1966. Na competição, dirigiu o confronto entre Inglaterra e México, na fase de grupos, e uma das semifinais, entre Alemanha Ocidental e União Soviética. Na partida de Liverpool, foi acusado de prejudicar os soviéticos devido ao seu rigor excessivo, que levou à expulsão de Igor Chislenko. Foi o único Mundial de Concetto, já que a comissão de arbitragem fazia um rodízio à época.

Na Itália, Lo Bello também apitava confrontos decisivos. Em 1964, um ano depois de ganhar o prêmio Giovanni Mauro, dado ao melhor árbitro da temporada italiana, ele recebeu uma missão complicadíssima: comandar o duelo entre Bologna e Inter, naquela que foi a única partida de desempate realizada para definição de um scudetto. Bolonheses e milaneses haviam empatado em pontos, e o regulamento da época previa o chamado spareggio (um jogo extra) para que a Serie A tivesse um campeão. A tarefa já seria dura por si só, mas o clima entre os adversários era quente por conta de acusações de doping que chacoalharam o campeonato e, principalmente, porque o presidente do time emiliano, Renato Dall’Ara, morrera dias antes do embate, numa reunião com Angelo Moratti, mandatário nerazzurro. O Bologna ganhou por 2 a 0 e faturou o seu sétimo título.

A arbitragem de Concetto numa peleja importante chamou atenção em 12 de outubro de 1969, quando Fiorentina e Cagliari se enfrentaram pela Serie A. Com mais de 200 jogos no campeonato, Lo Bello era o principal árbitro do país havia anos e costumava ser o escolhido para apitar os duelos de maior impacto. Assim, foi designado para o confronto entre toscanos e sardos, que estavam na disputa do título daquele campeonato. De um lado, a Fiorentina visava estender a incrível sequência de 29 partidas de invencibilidade – contando com a temporada anterior, na qual se sagraram campeão. Sensação do país, o Cagliari caçava um inédito scudetto.

Lo Bello foi o protagonista da partida que encerrou a sequência invicta dos gigliati: marcou um polêmico pênalti para o Cagliari e se negou a dar duas penalidades para o time da casa. Perto do final, mais uma polêmica: naquele que seria o gol de empate dos florentinos nos derradeiros minutos, Concetto marcou um discutível impedimento no lance. Os jogadores estavam enfurecidos e partiram para cima do árbitro, que expulsou o brasileiro Amarildo. Quando o jogo terminou, com vitória visitante, os torcedores da Viola direcionaram ao juiz um canto comum nos anos de fascismo na Itália: “Duce, Duce”, em referência ao apelido do líder fascista Benito Mussolini. Para a torcida violeta, o siracusano era uma espécie de ditador com apito.

Os jornais italianos lhe acusavam de ter “excessiva influência sobre a tabela do campeonato”, mas também destacavam a coragem do árbitro siciliano. No final daquele campeonato, o Cagliari se sagrou campeão com quatro pontos de vantagem sobre a Inter, que ficou com o vice. Em 1969-70, Lo Bello também foi o juiz na vitória dos sardos sobre o Bologna, por 1 a 0, e no empate por 2 a 2 com a Juventus.

Lo Bello ficou conhecido por estilo enérgico e rusgas com Rivera, craque do Milan (Rivista Contrasti)

Nenhum dirigente, técnico ou jogador da época estava acima de Concetto – nem mesmo as estrelas dos grandes clubes. Umberto Agnelli, presidente da Juventus e, por um tempo, da Federação Italiana de Futebol – FIGC, tentou fazer com que Lo Bello não apitasse mais os jogos do seu time, após uma suposta sequência de controvérsias em partidas do time bianconero. Não obteve sucesso.

Concetto também protagonizou uma das discussões mais icônicas da história da Serie A com o lendário técnico milanista Nereo Rocco e a estrela Gianni Rivera. Em 1973, como a relação de Lo Bello com Rocco já era cheia de arestas, após uma expulsão no passado, o Tirano de Siracusa não poupou esforços e expulsou o técnico numa partida entre Lazio e Milan. Em uma entrevista pós-jogo, Rocco disparou contra o siciliano: disse que o árbitro usava os gramados como um palco para mostrar seu comportamento exibicionista.

Sem ficar para trás, Rivera proferiu palavras nada carinhosas a Concetto. O fantasista disse que o árbitro foi um dos maiores culpados pelos três vice-campeonatos seguidos do Milan, entre 1970 e 1973. A guerra entre os dois não parou por aí: em campo, o Golden Boy acusou Lo Bello de não marcar faltas que ele sofrera. O siciliano respondeu. “Te dou minha palavra de honra que eu não estou vendo essas faltas”, disse. Gianni, então, partiu para o ataque. “Eu não acredito na sua palavra de honra”, disparou.

Por causa do acesso de raiva e de um suposto insulto ao árbitro no episódio, o jogador milanista recebeu uma suspensão de quatro jogos. Um ano antes, porém, Lo Bello reconhecera em entrevista ao programa La Domenica Sportiva – a mais importante mesa-redonda do país, até hoje – que cometera um erro ao não assinalar um pênalti para o Milan num clássico contra a Juventus, que terminou empatado em 1 a 1.

Naquele mesmo ano de 1972, Lo Bello entrou para a política: ainda árbitro, foi eleito deputado pelo extinto partido Democracia Cristã, com cerca de 70 mil votos. A quem apontava um conflito de interesses entre as duas profissões, Concetto evocava a sua integridade. Como não havia qualquer impeditivo legal para que continuasse a apitar jogos enquanto ocupava um cargo como parlamentar, o siciliano fez parte dos quadros da Uefa e da AIA (a Associação Italiana de Árbitros) até 1974, quando completou 50 anos e se aposentou.

Além de ter dirigido importantes jogos em seu país, o italiano apitou 93 partidas internacionais (imago/WEREK)

Lo Bello apitou 328 jogos na Serie A e é dono de um recorde jamais batido por nenhum outro colega. No futebol italiano, dirigiu dezenas de partidas de absoluto relevo, como as citadas anteriormente e os dérbis de Milão (12 vezes), d’Italia (11), de Roma (3), de Turim (3) e de Gênova (1), além do clássico entre Juventus e Milan (2).

Concetto também comandou 93 partidas fora da Itália, sendo 34 duelos entre seleções e sete finalíssimas de torneios internacionais. À já mencionada final olímpica entre Iugoslávia e Dinamarca (1960) juntam-se as decisões da Copa das Feiras de 1966, entre Zaragoza e Barcelona; do Mundial Interclubes de 1967, entre Real Madrid e Peñarol; da Recopa Uefa de 1967, entre Bayern de Munique e Glasgow Rangers; e das Copas dos Campeões de 1968 e 1969, entre Manchester United e Benfica e Feyenoord e Celtic, respectivamente. Em 1974, quando dirigiu a final da Copa Uefa, entre Feyenoord e Tottenham, se tornou o mais velho árbitro de uma competição europeia, com 50 anos e 16 dias.

Por seu estilo e pelas entrevistas que costumava dar, Lo Bello humanizou a figura do juiz de futebol e se tornou uma espécie de celebridade fora do campo. Em 1970 e 1972, influenciou até o cinema. Nos filmes I Due Maghi del Pallone e L’arbitro, os personagens Concettino Lo Brutto e Carmelo Lo Cascio – este último, oriundo de Acireale, cidade a cerca de 80 km de Siracusa – eram claras paródias de Concetto.

A partir de 1974, sem compromissos como árbitro, Lo Bello deu sequência à sua carreira de político e se destacou pela proposição e pela relatoria da lei que regulamentou a construção de praças esportivas de todas as modalidades no sul da Itália. Foi reeleito três vezes seguidas para o parlamento nacional, mantendo sua cadeira até 1987. Concetto também foi prefeito de Siracusa por alguns meses, em 1986.

O siracusano também colocou o dedo em outros esportes. Além do polo aquático, que citamos no início do texto, o ex-árbitro de futebol se tornou presidente da federação italiana de handebol – cargo que ocupou de 1976 até a sua morte, em setembro de 1991. Concetto também deixou herdeiro na arbitragem: Rosario Lo Bello seguiu os passos do pai e se juntou a ele no panteão dos mais célebres e longevos apitadores do futebol itálico. Ficou em atividade entre 1975 e 1992.

Lo Bello faleceu em 1991, aos 67 anos. Logo após a sua morte, o cronista Gianni Brera, seu amigo, escreveu um enorme artigo no jornal La Repubblica em sua homenagem. O siciliano foi definido categoricamente como “um pouco magistrado e um pouco padre”, por sua intransigência na busca da justiça. Concetto é considerado por muitos como o mais célebre árbitro de todos os tempos na Itália e como um dos maiores da história do futebol. Em 2013, o Tirano de Siracusa foi homenageado postumamente com um lugar no Hall da Fama do futebol italiano.

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