A figura do ponta ciscador é reverenciada no futebol pelo menos desde que o mitológico Garrincha desfilava em campo. Logicamente, poucos conseguiram alcançar as glórias do Anjo das Pernas Tortas, mas muitos jogadores da posição tiveram notoriedade nos campos italianos nas décadas de 1960 e 1970, quando a função era importante para o catenaccio e a zona mista, os esquemas táticos em voga na época. Luciano Chiarugi, campeão por Fiorentina e Milan, foi um deles.
Natural de Ponsacco, na província de Pisa, Chiarugi se transferiu bem cedo para a vizinha Florença – a capital da Toscana está localizada a cerca de 60 km de sua cidade natal. Luciano entrou na base da Fiorentina aos 13 anos e, enquanto era gandula do time principal, sonhava em adentrar o gramado fardado com o uniforme violeta da equipe gigliata. Isso aconteceu pela primeira vez em janeiro de 1966, numa vitória fora de casa sobre o Brescia, por 2 a 1.
Em fevereiro do mesmo ano, o jovem ponta marcou um dos gols que deram à Fiorentina o título da Copa Viareggio, prestigiosa competição sub-19 realizada na Itália. Após se destacar contra o Dukla Praga, Chiarugi ganhou mais espaço com o técnico Giuseppe Chiappella – ídolo viola como jogador e comandante do time principal desde 1960, quando se aposentara. Beppe via Luciano como sucessor natural do sueco Kurt Hamrin, principal jogador da equipe de Florença, mas os escalava juntos. Lado a lado, os dois foram titulares nas finais da Coppa Italia e da Copa Mitropa daquela temporada, vencidas ante Catanzaro e Jednota Trencin, respectivamente.
A carreira de Chiarugi começava de forma promissora – e embalada pelo ritmo do iê-iê-iê. Ao som do rock dos Beatles e dos Rolling Stones, dançando twist, os jovens passaram a ditar moda pelo mundo no fim da década de 1960. Tal qual o movimento da juventude, a Viola daqueles anos também tinha uma molecada ponta firme, que impressionava os veteranos e, por isso, recebeu a alcunha de “Fiorentina yè-yè”. Além de Chiarugi, os outros “garotos de Florença” eram Giuseppe Brizi, Ugo Ferrante, Mario Brugnera, Claudio Merlo, Mario Bertini, Giancarlo De Sisti e Roberto Vieri. Nenhum deles tinha mais de 25 anos.
Chiarugi passou a ganhar espaço de verdade na Fiorentina em 1966-67, quando ganhou apelidos como La Freccia di Ponsacco (“A Flecha de Ponsacco”) e Cavallo Pazzo (“Cavalo Doido”, alcunha que rejeitava). A velocidade do ponta-esquerda estava na origem de ambos os epítetos, enquanto seus supostos desvarios vinham de uma combinação de desobediência tática – não ficava fixo numa faixa do campo – com irregularidade, sumiços em momentos dos jogos e mania de segurar bastante a bola. Apesar de tudo, Luciano era capaz de alguns lances geniais.
O jovem toscano recebeu chances na seleção sub-21 e participou de boas campanhas da Fiorentina, que ficou entre os cinco primeiros colocados e se classificou para a Copa das Feiras em 1967 e 1968. Em 1968-69, a Viola passou a ser treinada por Bruno Pesaola, que inicialmente relegou Chiarugi ao banco e deu preferência a Francesco Rizzo. A história mudou depois que Luciano começou jogando contra o Lanerossi Vicenza e fez dois gols, comandando um triunfo violeta que valeu a retomada da liderança da Serie A.
Mas aquela não seria a única glória de Chiarugi na campanha. Após ganhar a titularidade, fazendo uma dupla de pontas imparável com o brasileiro Amarildo, A Flecha de Ponsacco terminou o campeonato com sete tentos. O mais importante deles veio na penúltima rodada, no clássico contra a Juventus, em Turim. Um gol que deu início à vitória gigliata por 2 a 0 e garantiu a conquista do segundo scudetto da equipe, com uma rodada de antecipação.
Vivendo um grande momento, Chiarugi recebeu sua primeira convocação para a seleção italiana em novembro de 1969, ocasião em que que participou de vitória por 3 a 0 sobre a Alemanha Oriental. Na temporada 1969-70, a Fiorentina não manteve a forma vencedora, mas Luciano continuou jogando bem e fez 17 gols, sendo 12 na Serie A. Com o passar dos anos, a Viola caiu de rendimento de forma mais acentuada – em 1970-71, chegou a brigar contra o rebaixamento –, ainda que o ponta toscano entregasse um bom futebol e uma razoável quantidade de gols: foram 25 em duas temporadas. Nesse período, chegou a atuar ao lado do sobrinho, o ala Emiliano Macchi.
No auge físico, o canhoto de 25 anos acabou mudando de ares. Requisitado por Nereo Rocco, Chiarugi deixou a Fiorentina após sete temporadas (nas quais fez 193 partidas e 56 gols) e se tornou a principal contratação do Milan, em 1972. Com a camisa rossonera, passou a alternar mais vezes de lado: caía sem grandes problemas pelo flanco direito e também pelo esquerdo. Cair, aliás, era uma das especialidades de Luciano. O ponta era acusado pelos adversários de se atirar ao gramado para cavar faltas e pênaltis. Até o árbitro Alberto Michelotti desprezava suas simulações – a ponto de cunhar o termo “chiarugismo” para se referir à prática.
Em sua primeira temporada na Lombardia, Chiarugi arrebentou. O atacante foi decisivo para que o Milan conquistasse a Recopa Uefa, ao marcar em quase todas as fases do torneio: guardou três contra o Red Boys Differange, na primeira eliminatória; classificou o Diavolo para as quartas com tento nos minutos finais da prorrogação com o Legia Varsóvia; voltou a aparecer nas semifinais, anotando na ida e na volta contra o Sparta Praga; e, por fim, balançou as redes logo no início da decisão de Tessalônica. A vitória magra sobre o Leeds United deu a segunda taça da competição aos rossoneri. Luciano, com sete gols, foi o artilheiro do certame.
O Milan de 1972-73, comandado por Rocco e Cesare Maldini, competiu fortemente em todas as frentes. Quatro dias após ser campeão continental, o time rubro-negro poderia ter faturado o scudetto. No entanto, o Diavolo perdeu por 5 a 3 para o Verona na última rodada e viu a Juventus, vitoriosa contra a Roma, ficar com o título. O troco veio na Coppa Italia, que os milanistas conquistaram ao baterem a Velha Senhora nos pênaltis.
Após os 22 gols marcados na temporada mais prolífica de sua carreira, La Freccia di Ponsacco manteve a boa sintonia com o craque Gianni Rivera e entregou mais 17 em 1973-74, quando foi artilheiro da equipe. O desempenho positivo lhe devolveu à seleção italiana, mas não foi capaz de fazer o Milan brilhar: o time caiu de produção e ficou apenas na metade da tabela da Serie A, além de ter sido vice da Recopa.
Nos dois anos seguintes, o ponta toscano também viu seu rendimento diminuir, conforme a idade avançava. O Milan, com Gustavo Giagnoni e Giovanni Trapattoni, também tinha dificuldade de se firmar como concorrente a grandes feitos: colecionou maus resultados e o máximo que obteve foi o vice da Coppa Italia, em 1975. Já com 29 anos, Chiarugi encontrou o fim de sua trajetória em Milanello, após 154 aparições e 60 gols pelo clube. Na janela de transferências do verão de 1976, acabou sendo trocado com o Napoli numa negociação que levou Giorgio Braglia à Lombardia.
Chiarugi chegou ao Napoli para dar suporte ao goleador Giuseppe Savoldi, grande nome da equipe. No San Paolo, o ponta reencontrou o técnico Pesaola… e o banco de reservas. A torcida esperava que Luciano fosse o fiel escudeiro do seu camisa 9, mas A Flecha de Ponsacco perdeu a concorrência para Giuseppe Massa e se tornou opção de segundo tempo do time, juntamente a Walter Speggiorin. Na primeira temporada na Campânia, o toscano foi campeão da Copa da Liga Ítalo-Inglesa, contra o Southampton, e semifinalista da Recopa Uefa.
Em 1977-78, com a troca no comando e a chegada de Gianni Di Marzio a Nápoles, Chiarugi foi ainda menos utilizado. Depois de mais um vice-campeonato da Coppa Italia e de 48 jogos e 10 gols pelos partenopei, o já veterano ponta foi atuar na segundona. Luciano reforçou uma Sampdoria que tinha o veterano zagueiro Marcello Lippi e dois jovens promissores: o goleiro Claudio Garella e o atacante Alviero Chiorri. Em Gênova, foi bastante utilizado, mas apenas conduziu os blucerchiati ao meio da tabela.
Chiarugi viria a ter sua última temporada na Serie A em 1979-80, quando foi reserva do Bologna e pouco jogou. O mesmo se repetiu no Rimini, na segunda categoria. Luciano, porém, não queria abandonar os gramados e aceitou defender a pequena Rondinella, na quarta divisão. Dessa forma, retornava para Florença.
Na Toscana, viveria seus derradeiros momentos como profissional. Depois de contribuir para o acesso dos biancorossi à Serie C1, o ponta disputou outras três campanhas pela Massese, com a qual conquistou o Campeonato Interregionale – equivalente ao quinto nível do futebol italiano – e duas permanências na C2. Aos 38 anos, após a temporada 1984-85, Chiarugi finalmente se aposentou.
Com as chuteiras penduradas, Chiarugi se tornou técnico. Após uma experiência pela amadora Migliarinese, Luciano voltou à Fiorentina para cuidar das categorias de base do time violeta. Na equipe sub-19, a Primavera, foi vice-campeão da Copa Viareggio de 1994 – quando foi derrotado pela Juventus de Alessandro Del Piero – e ganhou a Coppa Italia da categoria, dois anos depois.
Mostrando amor pela agremiação violeta, Luciano chegou a dirigir o seu time principal de forma interina em três momentos – sendo que dois deles estão na lista de tragédias da história da Fiorentina. Em 1993, em dupla com Giancarlo Antognoni, não conseguiu evitar a queda para a segundona; em 2002, com o clube falido, também não foi capaz de evitar o descenso. Antes de deixar para sempre a cena futebolística, Chiarugi ainda treinou o pequeno Poggibonsi, também da Toscana.
Luciano Chiarugi
Nascimento: 13 de janeiro de 1947, em Ponsacco, Itália
Posição: atacante
Clubes como jogador: Fiorentina (1965-72), Milan (1972-76), Napoli (1976-78), Sampdoria (1978-79), Bologna (1979-80), Rimini (1980-81), Rondinella (1981-82) e Massese (1982-85)
Títulos como jogador: Copa Viareggio (1966), Coppa Italia (1966 e 1973), Copa Mitropa (1966), Serie A (1969), Recopa Uefa (1973), Copa da Liga Ítalo-Inglesa (1976) e Campeonato Interregionale (1983)
Clubes como treinador: Migliarinese (1987-88), Fiorentina (1993, 2001 e 2002), Fiorentina (sub-19; 1993-2001) e Poggibonsi (2007-08)
Títulos como treinador: Coppa Italia Primavera (1996)
Seleção italiana: 3 jogos