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Desprestígio de Adriano Galliani é reflexo de Milan perdido

Em quase trinta anos de serviços prestados, Galliani tem como marca a sua elegância e influência nos bastidores do futebol. E, também, sua inigualável careca, combinada com sua gravata amarela, que desfilava em todos os cantos do mundo, inclusive no Brasil, quando veio negociar Seedorf. Porém, nem tudo é eterno, ainda mais quando falamos em negócios. O casamento entre Adriano Galliani e o Milan quase acabou, e está estremecido.

Após divergências com a filha do chefe, Barbara Berlusconi, o vice-presidente (que também era administrador-delegado e diretor esportivo) decidiu pedir demissão. “Vou embora com ou sem acordo. Sofri um dano pessoal muito sério, esse não é o caminho para levar a cabo a reestruturação do clube. Tudo deve ser feito com elegância. Pedi demissão por justa causa”, disse o mandatário à agência Ansa.

Galiani não gostou nada das declarações de Barbara sobre sua gestão no clube. Após ouvir que o Milan não tem uma rede de observadores como Roma e Fiorentina, o ex-vice presidene foi enfático ao responder que nos últimos cinco anos, a Roma disputou a Champions League uma única vez, enquanto a Fiorentina, nenhuma. O Milan só não foi à LC uma vez nesse período. Vencedor de cinco Liga dos Campeões enquanto gestor do clube, ele também citou o orçamento equilibrado que conseguiu deixar no clube nos últimos anos, diferentemente de muitos outros clubes.

Sua relação com o clube começou a estremecer após a chegada de Barbara no Conselho Administrativo, passando a assumir posições políticas importantes no clube e criticando a gestão de Galliani, que daria fim à sua história no Milan após o dérbi contra a Inter, no dia 22. Porém, após um jantar com Berlusconi, Galliani fica, ao menos por enquanto, mas com menos poderes. Em comunicado à imprensa, Silvio Berlusconi anunciou que o Milan terá dois administradores-delegados: Galliani fica com a parte esportiva, e sua filha Barbara, com o restante. Um claro sinal de que o casamento pode acabar em breve e que esse momento é de transição.

Galliani, nos anos 1990, já com sua gravata amarela (Onze/Icon Sport)

História
Adriano Galliani, inicialmente torcedor da Juventus, chegou ao Milan em 1986, logo que Sílvio Berlusconi assumiu o controle da equipe. Com experiência de dois anos gerindo o Monza, o braço direito do ex-primeiro ministro já era sócio do político no Canale 5, canal de tv fundado pelos dois. Galliani, antes funcionário público, chegou a se candidatar a prefeito de Monza, mas começou a trabalhar no ramo de meios de comunicação, onde conheceu Berlusconi.

No Milan, Galliani fez por muito tempo as vezes de mandatário da equipe, enquanto o chefe conciliava a presidência do rossonero com a política nacional ou enquanto Berlusconi se acertava com a justiça local, devido aos inúmeros casos de suborno ou prostituição de menores. Sempre coube a Galliani o conduzir a administração do Milan, mesmo quando Berlusconi estava mais à frente do clube. Além de administrador-delegado, Galliani é um faz-tudo, e acumula também funções como diretor esportivo, elo entre diretoria e elenco, e até como homem forte nas relações com a imprensa.

Em 1991 ficou marcado pelo episódio em que tirou o time do Milan de campo, após a queda de energia em partida contra o Olympique Marseille, pela Champions League. A atitude do mandatário custou a derrota no duelo, que culminou com a eliminação da equipe da competição, além da exclusão no ano seguinte.

Em 2002, tornou-se presidente da Lega Calcio. Na ocasião, foi levantada a polêmica de que haveria um conflito de interesses, já que ele ocupava o cargo correspondente ao de presidente do Milan e Berlusconi era o primeiro-ministro do país. Em 2006, se demitiu da presidência da liga após acusações no envolvimento no escândalo do Calciopoli. Julgado pela Justiça Federal, foi suspenso por nove meses, conseguindo, logo depois, redução da pena para cinco.

Em 2007, foi acusado de inflacionar o preço de alguns jogadores, entre 1999 e 2003, juntamente com o ex-vice-presidente da Inter, Rinaldo Ghelfi, e do ex-diretor Mauro Gambaro. Julgado no início de 2008, foi absolvido. Recebeu prêmios por sua carreira e em 2011 chegou ao Hall da Fama do futebol italiano, na categoria gerente.

Ao todo, até agora, Galliani conquistou 28 troféus como dirigente rossonero. São oito Serie A, cinco Ligas dos Campeões, seis Supercopas Italianas, cinco Supercopas Europeias, três Mundiais Interclubes e uma Coppa Italia. Um dos dirigentes mais vencedores de toda a história do futebol mundial.

Contratações como a de Nesta tiveram participação decisiva de Galliani (imago/Buzzi)

Contratações
Galliani ficará marcado pelas diversas contratações de sucesso que fez no Milan, desde as que formaram os esquadrões do fim da década de 1980 e início dos anos 1990, com partiipação de alguns dos melhores jogadores do mundo à época, até os times mais recentes, que conquistaram a Champions nos anos 2000. Contratações de jogadores como Rijkaard, Gullit, van Basten, Donadoni, Weah, Desailly, Shevchenko, Nesta, Serginho, Leonardo e Dida.

Influente no mercado europeu, trouxe grandes nomes para o time, como recentemente Balotelli, Ibrahimovic e sobretudo Kaká, que retornou ao clube. “Eu fui à Madrid para trazer Kaká sem nenhum agendamento e abri os escritórios do Real. Quando fui contratar Ibrahimovic junto ao Barcelona, Rosell me encontrou, mesmo de férias com sua família”, disse, mostrando toda sua influência.

Sem dinheiro e daqui para frente sem um nome forte no comando, o Milan precisa ir às compras em janeiro. Galliani já acertou com Rami, que virá por empréstimo e deixou tudo encaminhado por Honda. Resta saber o desfecho da negociação após sua tentativa de demissão e como o time seguirá negociando, ainda mais após o imbróglio com Mino Raiola, que podem fazer com que o clube aceite ofertas por diversos jogadores, entre eles Balotelli, Abate e Niang.

Adriano Galliani, sua indefectível gravata amarela e o San Siro (Ansa)

Futuro
Depois de receber manifestações de apoio de diversos treinadores, entre eles Carlo Ancelotti e José Mourinho, Galliani não pretendia se empenhar em um novo projeto tão rápido. Tido por muitos como um dos grandes gestores e respeitado por toda a Europa, ele continuará trajando sua gravata amarela nos estádios, mas em breve pode se dedicar à carreira política.

Enquanto isso, o Milan projeta sua renovação. Para assumir os postos que poderiam ser deixados por Galliani, diversos nomes foram cotados, entre eles ex-jogadores e ídolos do clube como Paolo Maldini e Demetrio Albertini e outros bem avaliados na Itália, como Michele Uva (ex-dirigente de Lazio e Parma), Sean Sogliano (Verona) e Claudio Fenucci (ex-Roma). Nada impede que esses nomes voltem a ser especulados no Milan outra vez, e que substituam Galliani em futuro próximo.

Com a perda de podres de Galliani, nem mesmo Allegri tem mais sua segurança no comando, já que era o dirigente quem o garantia como treinador. Seedorf é um dos favoritos de Barbara, que continuará pressionando internamente pela troca de técnico, embora a parte esportiva esteja sob a responsabilidade de Galliani. A existência de dois executivos-chefe, inclusive, pode amargar o ambiente interno do Milan.

Com ou sem Galliani, o Milan seguirá respeitado. Resta saber se Barbara, projetando-se cada vez mais como figura forte no Diavolo, colocará o clube de volta ao patamar dos gigantes europeus ou o levará para um buraco ainda mais fundo.

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