Quando se joga em um time de referências, é natural adquirir experiência e qualidade. Para um Marco Simone de 20 anos, que chegava ao Milan da década de 1990, isso significava aprender com Marco van Basten, Roberto Baggio, George Weah e outras lendas do clube. O atacante italiano teve um relacionamento duradouro com o clube, no qual trabalhou sob o comando de treinadores como Fabio Capello e Arrigo Sacchi, e não passou despercebido pelo Diavolo.
Jogador instintivo, de bom posicionamento e faro apurado para marcar, Simone surpreendia os adversários ao efetuar dribles curtos em pouquíssimo espaço. Era rápido e, mesmo sem calcular, era exato na hora da finalização. Além disso, não se limitou em balançar redes na Itália: na França, brilhou por Paris Saint-Germain e Monaco, vencendo a Ligue 1 com Les Rouge et Blanc.
Um garoto de 20 anos em um Milan estrelado e experiente
Marco Simone nasceu em Castellanza, uma pequena cidade na província de Varese, no norte da Itália. Na própria Lombardia, o garoto integrou as categorias de base de Legnano e Como, estreando profissionalmente pelos comascos, na temporada 1986-87. Antes mesmo de fazer 18 anos, o atacante entrou em campo num jogo contra o Arezzo, pela Coppa Italia. Depois de completar a maioridade, disputou também duas partidas da Serie A.
Para que Simone ganhasse mais experiência e minutos em campo, o Como optou por emprestá-lo à Virescit Boccaleone, agremiação que, na época, disputava a Serie C1 e era conhecida por revelar bons jogadores jovens. Na única temporada em que defendeu a equipe violeta de Bérgamo, Marco anotou 15 gols e terminou como um dos artilheiros da terceira divisão. O garoto foi o principal jogador da ótima campanha do seu time, que ficou na terceira colocação de sua chave e se classificou aos playoffs de acesso, mas acabou parando na Reggina.
Com o fim do empréstimo, o atacante voltou ao Como e marcou seis gols na Serie A de 1988-89. A equipe terminou a temporada em último e foi rebaixada à segunda divisão italiana, mas Simone se destacou – a ponto de começar a frequentar as convocações da seleção sub-21. Mesmo com o descenso dos lariani, Marco – que era titular – chamou a atenção da Juventus e do Milan. O lombardo preferiu o time da sua região e, na capital, viveu momentos mágicos com a camisa dos rossoneri, ainda que isso tenha demorado a acontecer como protagonista.
No início de sua passagem de oito anos por Milanello, Simone teve como referências comportamentais os líderes do elenco – Franco Baresi, Paolo Maldini e Alessandro Costacurta –, ao passo que Van Basten, Ruud Gullit, Daniele Massaro e Dejan Savicevic foram os colegas de posição em que ele pode se inspirar. Ao mesmo tempo, a concorrência por um posto era grande. Nas cinco primeiras temporadas, o baixinho foi visto apenas como uma valiosa opção de banco: não se firmava entre os titulares, mas produzia o suficiente para continuar a ser levado em conta no rodízio feito pelos treinadores. Por conta de sua altura (1,70m) e por nunca crescer como jogador e dar um salto na carreira, Simone acabou ganhando o apelido de Peter Pan.
Durante esse período, Marco foi atrapalhado por seguidas lesões musculares, que chegaram a lhe render a incômoda pecha de jogador com demasiada fragilidade física. Em entrevista ao Corriere della Sera, em 1995, Simone declarou que a tensão que lhe circundava na tentativa de mostrar que era um jogador digno de pertencer ao Milan foi um dos fatores que contribuíram para tantos infortúnios.
Peter Pan, portanto, vivia de lampejos – e, mesmo assim, conquistou incríveis 13 títulos com a camisa rossonera, entre 1989 e 1994. Ainda sob o comando de Sacchi, Simone venceu uma Copa dos Campeões, em 1990, e deu uma contribuição importante ao marcar um dos gols que levaram à vitória sobre o Mechelen, na prorrogação das semifinais.
Comandado por Capello, o atacante também apareceu com gols em jogos importantes da Serie A, como em vitórias sobre a Juventus e no histórico 8 a 2 sobre o Foggia, ocasião em que anotou uma doppietta. Por fim, Simone ainda foi o autor do tento do título da Supercopa Italiana de 1993: após pivô de Savicevic, chegou finalizando e balançou as redes na magra vitória sobre o Torino. Esses lampejos fizeram com que estreasse na seleção principal, em dezembro de 1992, em partida contra Malta.
Jogando ao lado de jogadores de características tão distintas, como Van Basten, Gullit, Massaro e Savicevic, Simone se desenvolveu como um atacante versátil e capaz de encontrar gols em situações difíceis, como em finalizações de pouco ângulo. Simone também passava com facilidade pelos marcadores, já que era habilidoso e tinha velocidade.
Em 1994-95, sua melhor temporada com a camisa do Milan, finalmente essas características ficaram em evidência. A lesão que levou à aposentadoria de Van Basten já havia tido a consequência de dar a Peter Pan mais oportunidades na campanha anterior, e a venda de Gullit à Sampdoria foi o divisor de águas para que a titularidade lhe fosse conferida por Capello.
Naquela época, o atacante anotou 17 gols em 30 partidas da Serie A, sendo um dos cinco principais artilheiros da competição. Um dos tentos mais marcantes ocorreu na rodada inaugural, contra o Genoa, em San Siro. O Milan empatava em 0 a 0, mas Simone encontrou as redes na segunda etapa, quando recebeu a bola na pequena área. Mesmo no chão, o atacante polivalente conseguiu anotar o único gol da partida.
O estilo de puxar a marcação antes de finalizar se repetiu com frequência, como uma marca registrada. Outros gols, como o anotado sobre a Sampdoria, num 3 a 0 fora de casa, seguiram a mesma fórmula. Peter Pan ainda marcou quatro vezes na campanha do vice da Champions League e foi o grande goleador rossonero na temporada, com 21 bolas nas redes.
Apesar dos bons números de Simone, o presidente Silvio Berlusconi não ficou satisfeito com o terceiro lugar do Milan na Serie A e empreendeu um mercado ambicioso no verão europeu de 1995: adquiriu Weah e Baggio, que se tornariam titulares do ataque rossonero. Marco acabou perdendo espaço e voltou a ter o status de jogador importante para a rotação de elenco, uma vez que atuava tanto pelas pontas quanto como primeiro ou segundo atacante. Com a confiança renovada, também voltou a ser convocado por Sacchi para a seleção italiana.
Em suas duas últimas temporadas na primeira passagem por Milão, Simone fez 11 e 10 gols, respectivamente. Em 1996, o atacante chegou a guardar uma tripletta na Champions League, contra o Rosenborg. O time costumava trocar passes curtos para chegar ao ataque e criava situações perfeitas para o lombardo mostrar serviço. O primeiro tento saiu desse jeito, com Simone saindo por trás da marcação. O segundo teve a assinatura registrada de Marco, que efetuou dois dribles e finalizou da entrada da área. Já o terceiro veio com o cruzamento de Savicevic para a área e cabeceio do camisa 23.
A tripletta foi uma das poucas felicidades que Simone vivenciou numa temporada falimentar: comandado por Óscar Tabárez até dezembro e por Sacchi a partir de então, o Milan caiu na fase de grupos da Liga dos Campeões e foi 11º colocado na Serie A. Era hora de reformulação e Peter Pan, aos 28 anos, estava na lista de transferências.
O destaque em terras francesas
Após um relacionamento duradouro com o Milan, Simone foi parar na França. O italiano chegou a negociar com o Bayern de Munique, então comandado por Giovanni Trapattoni, mas o Paris Saint-Germain foi mais rápido e adquiriu o atacante. Na época, o valor desembolsado pelos parisienses foi o maior investido em um estrangeiro. O negócio ainda envolveu a ida de Leonardo para a Itália.
Em seu biênio na capital francesa, Simone se notabilizou como o homem das decisões e, logo na primeira temporada, foi importante para a conquista de dois títulos domésticos – o que lhe permitiu ganhar os prêmios de melhor estrangeiro e melhor jogador em atividade na França. No jogo final da Copa da Liga, fez o gol que levou a partida contra o Bordeaux para a prorrogação. Nos pênaltis, converteu a segunda cobrança e viu o PSG erguer o troféu, a exemplo do que foi visto na final da Copa da França diante do Lens, ocasião em que marcou o segundo gol da vitória por 2 a 1.
Simone foi o dono da camisa 9 do Paris e, com ela, ainda venceu a Supercopa da França. Em 1998-99, o italiano também foi eleito como melhor atleta estrangeiro do país e fez um dos gols da vitória do PSG no clássico sobre o Marseille, que ajudou a tirar o título da Ligue 1 do grande rival. A sua polivalência no ataque, que lhe permitiu atuar com qualidade em posições diferentes, proporcionou um ótimo rendimento na capital: foram 32 tentos anotados em 80 partidas.
Após o período no PSG, Simone rumou ao Monaco. No Principado, viveu o ponto alto de sua passagem pela Ligue 1: formando uma letal dupla de ataque com David Trezeguet, conquistou, em 2000, aquele que foi o último título nacional do time monegasco. Simone anotou 21 gols, enquanto o francês fez 22 – ou seja, 43 dos 69 gols saíram dos pés dos dois.
Peter Pan também foi o destaque do Monaco nas participações medianas dos alvirrubros em torneios continentais: marcou seis gols em sete jogos na Copa Uefa de 1999-2000 e seis em seis partidas na Liga dos Campeões da temporada seguinte. Os bons números pelas competições europeias foram o último grande momento da carreira do jogador italiano. Em 2001, ele se desentendeu com o técnico Didier Deschamps, perdeu espaço no ASM e voltou à Itália em outubro. Ficou perto de acertar com o Parma, mas acabou emprestado ao Milan.
Os últimos suspiros como jogador e a nova profissão
Como acontece com todo atleta, Simone chegava ao momento em que o físico não permitia mais que rendesse em alto nível: Peter Pan envelhecia e a sua carreira estava próxima ao fim. Em sua segunda passagem pelo Milan, vestiu a camisa 69 e não obteve êxito: balançou as redes apenas uma vez em 15 partidas. No total, Marco disputou 260 jogos e anotou 75 gols pelo time rossonero.
Em sua volta ao Monaco, o italiano atuou em somente cinco partidas, que lhe fizeram totalizar 99 aparições e 44 gols pelo clube monegasco. Caminhando para os derradeiros momentos como profissional, Simone teve melancólica experiência pelo Nice, em 2004, e passou toda a temporada 2004-05 sem clube. Em 2005-06, acertou a aquisição do Legnano, time em que dera os seus primeiros passos nas categorias de base. Dono da agremiação lilás, Marco também entrou em campo: disputou 11 jogos pela Serie C2 e, aos 37 anos, encerrou a sua carreira.
Na temporada seguinte, ocupando o posto de diretor, devolveu o Legnano à terceira divisão, que os lilases não disputavam havia 20 anos. Com a missão cumprida, Simone vendeu o clube e se dedicou às funções de empresário e agente Fifa. Em 2009, retornou ao Monaco como consultor de mercado e, duas temporadas depois, assumiu o time como técnico, na Ligue 2. No entanto, o trabalho não rendeu e o ex-jogador só comandou o clube durante uma campanha, que foi concluída com a oitava colocação.
Como técnico, Simone não viu a sua carreira engrenar. Vagando pelo mundo, passou – duas vezes – sem sucesso por Lausanne (Suíça), Club Africain (Tunísia), Ratchaburi Mitr Phol (Tailândia) e Chabab Mohammédia (Marrocos), mas teve mais oportunidades em clubes franceses. Na França, comandou Tours, Laval e também o Châteauroux, time em que foi rebaixado para a terceira divisão, em 2021. Nesse período, Marco esteve próximo de voltar ao Milan em 2018: o Diavolo iria inscrever um time B na terceira divisão, mas acabou desistindo depois que a agremiação passou por troca na presidência.
Independentemente de onde esteja, seja na Itália ou fora dela, Simone continua a ter o coração batendo pelos rossoneri. Em entrevista ao site Il Posticipo, realizada em março de 2021, o treinador contou que, apesar de o pai ser torcedor nerazzurro, ele optou pelo rival. “Eu costumava ir ao San Siro com meu tios, que torciam para o Milan. Então, comecei a absorver essa paixão”, conta.
Marco Simone
Nascimento: 7 de janeiro de 1969, em Castellanza, Itália
Posição: atacante
Clubes como jogador: Como (1986-87 e 1988-89), Virescit Boccaleone (1987-88), Milan (1989-97 e 2001-02), Paris Saint-Germain (1997-99), Monaco (1999-2001 e 2002-03), Nice (2004) e Legnano (2005-06)
Títulos: Supercopa Uefa (1989, 1990 e 1994), Mundial Interclubes (1989 e 1990), Liga do Campeões (1990 e 1994), Serie A (1992, 1993, 1994 e 1996), Supercopa Italiana (1992, 1993 e 1994), Copa da França (1998), Copa da Liga Francesa (1998 e 2003), Supercopa da França (1998 e 2000) e Ligue 1 (2000)
Clubes como técnico: Monaco (2011-12), Lausanne (2013-14 e 2014-15), Tours (2015-16), Laval (2016-17), Club Africain (2017), Ratchaburi Mitr Phol (2019), Chabab Mohammédia (2019) e Châteauroux (2021)
Seleção italiana: 4 jogos