Entre os campos, na base da Portuguesa, e as ruas de São Paulo, o jovem Enéas havia optado pelo trabalho de office-boy. Em uma metrópole que crescia assustadoramente no início dos anos 1970, lhe parecia mais seguro seguir uma carreira corporativa do que enveredar pelos rumos incertos do futebol. No entanto, ele aceitou retornar ao esporte por insistência de seu treinador, Nena. Uma bela troca: deixou de ser um qualquer para se tornar um dos maiores jogadores da história da Lusa.
Lançado em 1972 no time principal da Lusa, Enéas tornou-se ídolo no Canindé, por onde ficou por quase dez anos. Neste período, fez quase 400 jogos no currículo, e anotou 179 gols: é o segundo maior artilheiro do clube lusitano. A verve goleadora foi colocada em prática a partir de 1973, quando o treinador Oto Glória, que o considerava craque, o colocou no ataque, puxando Basílio para a meia cancha.
Após nove anos vestindo a camisa rubro-verde, Enéas trocou o estilo português do time paulista pelos prazeres da Velha Bota. Em 1980, com a reabertura das fronteiras para estrangeiros na Serie A, o brasileiro foi contratado pelo Bologna, e tinha a seu lado o protagonismo na Lusa e sua qualidade em deixar seus companheiros na cara do gol. Com esse crédito, Enéas fez com que a torcida no Renato Dall’Ara esperasse um novo Pelé – claro, guardadas as devidas proporções.
O bom início empolgou, mas uma série de dificuldades de adaptação, sobretudo em relação ao rígido inverno, ao padrão tático e à saudade da família, fez com que o futebol que o consagrou no Brasil tivesse rápidas aparições em campos italianos. Um fato curioso envolvendo a relação de Enéas com o inverno europeu foi fato de o brasileiro ter chegado a entrar em campo vestido quase como um Papai Noel, com calça, luvas, mangas longas e até mesmo gorro. Apesar das adversidades, ganhou a simpatia da torcida, com sua simplicidade.
Na segunda parte da temporada, uma lesão fez com que Enéas perdesse mais de dez jogos na reta final do campeonato. Quando voltou a atuar, o futebol também já não era o mesmo. Sem conseguir render o esperado, o brasileiro viveu de lampejos. Nem mesmo uma brilhante apresentação contra a Juventus, em Turim, foi o suficiente para comover a diretoria a rossoblù a permanecer com o jogador – veja alguns momentos de sua passagem pelo Bologna aqui. Veículos de comunicação da época afirmam que o real motivo de sua saída foi um desentendimento com o técnico Luigi Radice, que não concordava com sua vida fora dos campos.
Depois de 20 jogos e apenas três gols, Enéas foi envolvido numa troca com a Udinese, que levou Herbert Neumann à Emília-Romanha. Mas, sua passagem pelo Friuli foi ainda mais rápida, e o brasileiro acabou deixando o clube sem ter jogado uma partida sequer. Enéas foi comprado pelo Palmeiras, e chegou com uma lesão no joelho, o que limitou as suas apresentações logo na chegada. Mesmo assim, ficou no Palestra Itália por mais três anos, antes de rodar por clubes de menor expressão, encerrando a carreira no Central Brasileira de Cotia.
Artista com a bola, problemático fora dele, Enéas ainda se ariscou como dirigente, mas ficou pouco tempo na nova função. Um grave acidente de carro em São Paulo fez com que Enéas, de apenas 34 anos, acabasse internado, com uma luxação na cervical. Após quatro meses no hospital, uma broncopneumonia abreviou a vida de um grande personagem do futebol brasileiro e jogador querido pela torcida do Bologna, mesmo com poucos jogos pelo clube. Enéas faleceu em 1988, mas até hoje é capaz de arrancar lágrimas dos felsinei.
Enéas de Camargo
Nascimento: 18 de março de 1954, em São Paulo (SP)
Morte: 27 de dezembro de 1988, em São Paulo (SP)
Posição: atacante
Clubes: Portuguesa (1971-80), Bologna (1980-81), Udinese (1981), Palmeiras (1981-84), XV de Piracicaba (1984), Juventude (1984-85), Atlético-GO (1985-86), Desportiva (1986-87) e Central de Cotia (1987)
Títulos: Campeonato Paulista (1973) e Campeonato Capixaba (1986)
Seleção brasileira: 3 jogos e 1 gol
E qual o total de gols de Enéas?
No Bologna, só 3 gols, acho.
Se não fossem as lesões e os problemas extracampo, Enéas sem dúvida nenhuma teria tido mais tempo de vida e até mesmo de carreira. Mas uma coisa é inegável, por onde passou, ele deixou sua marca.
P.S.: Quando que vocês vão fazer o do Luís Sílvio (o ponta que não era “punta”)?