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A Itália estreou em Copas do Mundo com um sonoro 7 a 1 sobre os Estados Unidos

Houve um tempo em que a presença da Itália em Copas do Mundo não era tão habitual – e não estamos falando do nefasto período entre as décadas de 2010 e 2020. Nos primórdios da modalidade e da própria competição, os azzurri declinaram o convite para a edição inaugural do torneio, em 1930, no Uruguai, e só optaram por participar da festa em 1934, como país-sede. Na condição de anfitriã, a seleção italiana teve os Estados Unidos como sua primeira adversária.

A seleção italiana, assim como várias outras equipes nacionais europeias, decidiu não disputar a primeira Copa do Mundo da Fifa por conta dos altos custos de uma viagem de navio para a América do Sul – um trajeto que, além de caro, demorava semanas para ser percorrido. Mas a competição, vencida pelo anfitrião Uruguai, foi um verdadeiro sucesso. Dessa forma, países europeus manifestaram interesse de sediar a edição seguinte do torneio, em 1934.

Àquela altura, poucos países tinham tanto interesse em receber uma competição internacional quanto a Itália. Sediar a Copa do Mundo era estratégico para o regime de Benito Mussolini: o primeiro-ministro queria difundir para o planeta a imagem de uma nação próspera, unida e estruturada sob a doutrina fascista, além de alinhar o acolhimento do torneio à comemoração dos 10 anos da Marcha sobre Roma, que marcou a sua ascensão ao poder. O futebol era visto como uma das formas mais eficazes de corroborar a sua ideologia, através da propaganda.

Por isso, o seu governo não mediu esforços para convencer a Fifa. Ainda que o mundo vivesse grande crise econômica desde o crash da bolsa de Nova York, em 1929, Mussolini assegurou investimentos na ordem de 3,5 milhões de liras para realizar a Copa. Em outubro de 1932, a sua articulação gerou frutos: os dirigentes da entidade esportiva escolheram a Itália, descartando a candidatura da Suécia.

Foram 35 as seleções que se inscreveram para disputar as eliminatórias. Eventualmente, após algumas desistências, o número foi reduzido para 29 concorrentes para 16 vagas – dentre os quais a Itália, que precisou lutar para estar no torneio, na única vez em que o país-sede disputou uma qualificatória à vera. Em março de 1934, a Nazionale fez o dever de casa e, com um 4 a 0 sobre a Grécia, se garantiu na Copa do Mundo. O seu adversário na primeira fase, a de oitavas de final, foi definido apenas três dias antes do início da competição. Em Roma, os Estados Unidos venceram o México e se classificaram para encarar os azzurri.

Aquela seleção da Itália era treinada com muito rigor por Vittorio Pozzo, que iniciara sua quarta passagem pela Nazionale em 1929. Os azzurri vinham de um bronze olímpico em 1928 e da conquista da Copa Internacional de 1930, tendo os defensores Virginio Rosetta e Umberto Caligaris, da Juventus, como referências. O técnico, porém, deixou a dupla ciente de que, no Mundial, os titulares seriam Luigi Allemandi e Eraldo Monzeglio – na estreia, por indisponibilidade de Monzeglio, Rosetta foi escalado.

Com seleção recheada de craques, a Itália triturou os Estados Unidos nas oitavas da Copa de 1934 (Guerin Sportivo)

O comandante disciplinador também tinha à disposição alguns outros craques, como o goleiro Gianpiero Combi, os meia-atacantes Giovanni Ferrari e Giuseppe Meazza, e o centroavante Angelo Schiavio. Além disso, o governo fascista tinha permitido que estrangeiros que fossem filhos ou netos de italianos, os chamados oriundi, pudessem representar a Nazionale. Dessa forma, Pozzo convocou quatro argentinos (Luis Monti, Raimundo Orsi, Atilio Demaría e Enrique Guaita) e o brasileiro Amphilóquio Guarisi, mais conhecido como Filó.

Do outro lado, os Estados Unidos também tinham uma seleção multicultural. A equipe era treinada pelo escocês David Gould e contava com vários jogadores nascidos em outros países, como Julius Hjulian (Suécia), George Moorhouse (Inglaterra), Werner Nilsen (Noruega) e Walter McLean (Escócia), e descendentes de imigrantes, tal qual Ed Czerkiewicz (de origem polonesa), Billy Gonsalves (de ascendência portuguesa) e os ítalo-americanos Thomas Florie e Aldo Donelli.

Na tarde do dia 27 de maio de 1934, Itália e Estados Unidos entraram no campo do estádio Nacional do Partido Fascista, em Roma. Cerca de 25 mil pessoas acompanhariam a peleja – dentre elas, Mussolini, sentado em seu lugar habitual, na tribuna de honra. Os presentes acabaram assistindo a uma espécie de treino de luxo da Squadra Azzurra.

Os italianos definiram o jogo rapidamente, logo no primeiro tempo. Schiavio abriu o placar aos 18, Orsi ampliou na sequência e, aos 29, o centroavante do Bologna anotou o seu segundo no duelo. Na etapa complementar, a Nazionale teve suas redes violadas e, curiosamente, coube a um oriundo estreá-las: o gol dos Estados Unidos foi marcado por Donelli, cuja família emigrou do norte da Itália para a Pensilvânia.

No entanto, o gol do ítalo-americano – que viria a fazer carreira como técnico da NFL – foi apenas um acaso. A Squadra Azzurra reagiu de imediato e, com Ferrari, Orsi e Schiavio, anotou três vezes num espaço de seis minutos. No apagar das luzes, Meazza decretou o 7 a 1. Ao fim do jogo, Pozzo fez uma análise ácida do que viu: “Nossa atuação contra os Estados Unidos não merece nenhuma narração ou ênfase particular. Na seleção americana havia de tudo, menos qualidade técnica”, disparou, com violenta franqueza.

Depois de massacrar os Estados Unidos, a histórica seleção italiana enfrentou adversários muito mais qualificados na Copa do Mundo. Nas quartas de final, empatou com a Espanha (1 a 1) e só eliminou a Fúria num jogo extra (1 a 0); na sequência, bateu a Áustria, habitual pedra no sapato, pelo placar mínimo. Na final, a Nazionale precisou da prorrogação para vencer a Checoslováquia e levantar a taça Jules Rimet pela primeira vez em sua existência. E tudo começou com aquele 7 a 1…

Itália 7-1 Estados Unidos

Itália: Combi; Rosetta, Allemandi; Pizziolo, Monti, Bertolini; Guarisi, Meazza, Schiavio, Ferrari, Orsi. Técnico: Vittorio Pozzo.
Estados Unidos: Hjulian; Czerkiewicz, Moorhouse; Pietras, Gonsalves, Florie; Ryan, Nilsen, Donelli, Dick, McLean. Técnico: David Gould.
Gols: Schiavio (18′, 29’e 64′), Orsi (20′ e 69′), Ferrari (63′) e Meazza (90′); Donelli (57′)
Árbitro: René Mercet (Suíça)
Local e data: estádio Nacional do Partido Fascista, Roma (Itália), em 27 de maio de 1934

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