Houve um tempo em que o Cagliari podia almejar o título da Serie A e, de fato, conquistá-lo. Nos charmosos anos 1960 do futebol italiano, a equipe da Sardenha se tornou a única representante de uma das ilhas do país a ser capaz de levantar o principal troféu nacional. Luigi Riva foi o grande destaque daquele time, mas a conquista teria ficado restrita aos delírios das mentes mais insanas se não fosse a participação do versátil capitão Pierluigi Cera.
Embora tenha feito história na Sardenha, Cera nasceu muito longe dali, na região nordeste da Itália. Natural de Legnago, nos arredores de Verona, Pierluigi começou sua carreira como volante do Hellas, na temporada 1957-58. Com 17 anos, ele fez sua estreia na Serie A diante do Milan, mas demorou a voltar a disputar um jogo na elite. Os butei acabariam rebaixados naquele campeonato e só conseguiram o acesso para a primeira divisão no fim da década de 1960.
Cera se firmou como titular do meio-campo veronês durante este percurso na Serie B. Em seis anos, o volante se apresentou como um dos nomes mais promissores da posição e fez parte do grupo sub-21 italiano que conquistou os Jogos do Mediterrâneo. Em 1964, o Cagliari subiu para a elite pela primeira vez em sua história e fez questão de acertar com Cera.
Sem muita pompa, o jogador vêneto chegou e tomou conta da posição e dos corações dos torcedores, aliando bom posicionamento, força física e qualidade técnica. Em seu primeiro ano na ilha, ele ajudou a equipe a sair da zona de rebaixamento e começar uma arrancada histórica, que levou o Cagliari ao sexto lugar na classificação final.
Depois de alguns anos de campanhas razoáveis na Serie A (e de uma aventura nos Estados Unidos, representando o Chicago Mustangs), o elenco do Cagliari surpreendeu a Itália em 1968-69. O time tinha uma forte espinha dorsal e, além de Cera, contava também com o goleiro Enrico Albertosi, o ponta brasileiro Nenê e os atacantes Riva e Roberto Boninsegna. Este grupo foi vice-campeão italiano e também ficou com a segunda posição na Coppa Italia.
Para o campeonato seguinte, o Cagliari recebeu um importante aporte de capital. A química SIR, de Angelo Rovelli, e a petrolífera Saras, de Angelo Moratti – que foi dono da Inter –, patrocinaram a equipe e foram fundamentais para a contratação de jogadores importantes. Chegaram, por exemplo, Angelo Domenghini e Sergio Gori, envolvidos numa troca que levou Boninsegna para Milão. Também em 1969, Cera assumiu a faixa de capitão dos casteddu.
A partir daquela temporada, o vêneto começou a ser utilizado frequentemente como líbero pelo “filósofo” Manlio Scopigno. O treinador cogitou a possibilidade porque Giuseppe Tomasini havia se machucado e Cera poderia adicionar muita qualidade à saída de bola. Jogando assim, foi um dos grandes jogadores do campeonato e acabou sendo vital para que o scudetto fosse conquistado com quatro pontos de vantagem sobre uma Inter cheia de craques. Afinal, o Cagliari sofreu apenas 11 gols em 30 partidas: até hoje, é a defesa que sofreu o menor número de gols numa temporada.
Com a Copa de 1970 batendo à porta, o técnico Ferruccio Valcareggi não se furtou em utilizar a base do Cagliari e convocou seis jogadores da equipe sarda para a competição. Cera foi um deles: o volante recebeu sua primeira chance em 1969 e disputou o Mundial inteiro como titular. Não deixou o gramado em nenhum minuto e participou de momentos históricos, como o “Jogo do Século”, contra a Alemanha, e da finalíssima, com show do Brasil de Pelé, Rivellino, Tostão, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto Torres.
Depois da Copa, Cera continuou no Cagliari e participou de boas campanhas dos rossoblù até 1973, quando deixou a braçadeira e o próprio clube. O polivalente jogador integraria a seleção italiana até o ano anterior e se aposentaria depois que a Nazionale não conseguiu se classificar para a fase final da Euro – disputada por apenas quatro equipes naquela época.
Já na fase final da carreira, Cera deixava o Cagliari para ajudar outro estreante na Serie A: o Cesena. O volante assumiu a faixa de capitão da equipe, que defendeu por seis anos – quatro deles na elite. Após contribuir para que os cavalos marinhos evitassem o rebaixamento em duas temporadas sob o comando do “sargento de ferro” Eugenio Bersellini, Cera foi protagonista de mais uma façanha.
Sob as ordens de Giuseppe Marchioro, aquela equipe modesta ficou com a sexta posição no Campeonato Italiano 1975-76 – até hoje a melhor colocação que os bianconeri registraram em sua história. A equipe também conquistou uma vaga na Copa Uefa, mas deu azar no sorteio e foi eliminada logo na primeira fase pelo Magdeburg, da Alemanha Oriental. O Cesena também acabaria rebaixado em 1977.
Nos dois últimos anos como jogador, Cera continuou atuando com frequência pela equipe romanhola. Aos 38 anos, decidiu se aposentar: naqueles tempos, com uma medicina esportiva incipiente, chegar àquela idade atuando como profissional era muito raro. Já como ex-jogador, Pierluigi decidiu não seguir carreira ligada ao futebol e se afastou de vez dos holofotes. Apesar disso, Cera continua a ser lembrado com carinho pelos cagliaritanos, que lhe inseriram no Hall da Fama do clube e no time ideal de sua história.
Pierluigi Cera
Nascimento: 21 de fevereiro de 1941, em Legnago, Itália
Posição: volante e líbero
Clubes: Verona (1957-64), Cagliari (1964-73), Chicaco Mustangs (1967) e Cesena (1973-79)
Títulos: Jogos do Mediterrâneo (1963) e Serie A (1970)
Seleção italiana: 18 jogos
Grande time do Cagliari, pena ter sido eliminado pelo Atlético de Madrid na Copa Europeia de 1970/71.