Passar por três grandes clubes, ter experiências em três países estrangeiros e atuar em alto nível por duas décadas não é para qualquer um. Por esses motivos (e não só), Morgan De Sanctis foi considerado como um dos melhores goleiros de sua geração. Apesar disso, foi menos reconhecido do que deveria, especialmente por ter enfrentado uma forte concorrência por uma vaga na seleção: afinal, não era mesmo fácil desbancar Angelo Peruzzi, Francesco Toldo e, sobretudo, Gianluigi Buffon. Apesar disso, o goleiro construiu grandes histórias e, sempre firme, foi um líder por onde passou.
Nascido na montanhosa região do Abruzzo, Morgan desceu a serra rumo ao litoral, e iniciou sua carreira às margens do Mar Adriático, defendendo o Pescara. Aos 17 anos, o jovem da equipe Primavera era também o terceiro goleiro dos profissionais na Serie B 1994-95 e, diante das lesões de Nello Cusin e Gianpaolo Spagnulo, teve sua chance na sétima rodada. Logo em sua primeira partida como titular, foi posto à prova e correspondeu às expectativas que vinham sendo criadas sobre sei. De Sanctis defendeu um pênalti de Christian Vieri, então atacante do Venezia, e nunca mais perdeu a posição.
De Sanctis foi unanimidade no gol biancazzurro ao longo de três temporadas, nas quais um Pescara em profunda crise econômica fez campanhas razoáveis na segundona. Morgan chegou a ser convocado para a seleção italiana sub-18 e, em 1997, foi adquirido pela Juventus, como opção a Peruzzi e Michelangelo Rampulla. O primeiro ano foi de completo aprendizado para o jovem de 20 anos, que sequer pisou em campo. Mesmo assim, adicionou ao currículo seus primeiros títulos: uma Supercopa Italiana e uma Serie A, além do vice da Liga dos Campeões. Na temporada seguinte, o arqueiro fez sua estreia num jogo contra a Lazio e atuou em apenas três outras partidas.
Em busca de mais espaço, De Sanctis foi negociado com a Udinese, mas continuou exercendo o posto de reserva – dessa vez de Luigi Turci. Mesmo assim, não deixou o radar das seleções de base e fez parte da campanha vitoriosa no Europeu sub-21. A geração campeã continental tinha, ainda, jogadores como Gennaro Gattuso, Andrea Pirlo, Simone Perrotta e Christian Abbiati, que foi titular da meta azzurra. Novamente como reserva, Morgan também representou a Nazionale nos Jogos Olímpicos de Sidney, em 2000.
Foi apenas na terceira temporada em Údine que, aos 25 anos, De Sanctis desbancou Turci e assumiu a titularidade do time friulano. Morgan pegou a posição do rival nos últimos jogos da Serie A 2001-02 e só largou quando trocou de clube. O goleiro abruzês passou cinco anos absoluto no gol bianconero e foi peça fundamental para as três classificações consecutivas para competições europeias. A última da série ocorreu sob as ordens de Luciano Spalletti: a Udinese ficou em quarto lugar na Serie A 2004-05 e conquistou inédita vaga na Uefa Champions League. Neste período, também recebeu as primeiras oportunidades na seleção.
Il Pirata, como era conhecido, acumulou 230 jogos pelo time de Údine e chegou a ser um dos 10 atletas que mais atuaram pela equipe em toda história – acabou deixando o pódio depois, quando Antonio Di Natale e o brasileiro Danilo o superaram. Porém, mesmo com todo o sucesso pelos bianconeri, sua saída foi conturbada. Em 2007, Morgan entrou em litígio com a diretoria e acionou a Fifa para romper seu contrato, três anos antes do final, para assinar com o Sevilla, então bicampeão da Copa Uefa. Anos depois, o TAS (Tribunal Arbitral do Esporte) condenou o clube espanhol a indenizar a Udinese pela quebra do vínculo.
De Sanctis ficou apenas um ano na Espanha, como reserva de Andrés Palop, mas mesmo assim foi convocado para ser o terceiro goleiro da Itália na Euro 2008. Após a competição, o jogador foi emprestado ao Galatasaray, mas não obteve sucesso: embora titular, viu o time aurirrubro ficar apenas com a quinta posição no Campeonato Turco. Aos 32 anos, retornou a seu país por causa de Roberto Donadoni, que já havia lhe dado espaço no Europeu. Então no Napoli, o técnico avalizou a aposta num goleiro barato e experiente para substituir os inseguros Gennaro Iezzo e Nicolás Navarro.
A trajetória do veterano em Nápoles começou sob desconfiança, até porque o time não engrenou com Donadoni. Após a troca no comando e a chegada de Walter Mazzarri, De Sanctis manteve seu espaço e, quem diria, deu início a um tardio e prolongado auge na carreira. O Pirata acumulou boas defesas e partidas seguras, chegando a ficar seis rodadas consecutivas sem levar gols – quis o destino que a sequência acabasse diante da Udinese.
O bom momento no Napoli colocou uma pulga atrás da orelha de Marcello Lippi, que ainda avaliava quais seriam os reservas de Buffon na Copa de 2010. No fim das contas, o novato Salvatore Sirigu foi preterido, pela falta de experiência, e De Sanctis acompanhou Federico Marchetti na convocação. Assim, de última hora, foi para seu primeiro e único Mundial.
Depois do fiasco italiano na África do Sul, De Sanctis viveu um esplendoroso segundo ano na Campânia. Entre os principais feitos, destaca-se o estabelecimento da marca de 799 minutos sem levar gols dentro do San Paolo – um recorde na história partenopea. Titular em todos os jogos (assim como na campanha anterior), o goleiro ajudou o Napoli a retornar à Champions League depois de 20 temporadas.
No ano seguinte, o Pirata teve um pouco menos de destaque, mas fez o San Paolo vibrar ao defender uma cobrança de pênalti de Mario Gómez, no empate por 1 a 1 contra o Bayern de Munique. O ponto conquistado naquela partida foi vital para que o Napoli avançasse às oitavas da Liga dos Campeões num grupo complicado, que teve Manchester City e Villarreal eliminados. De Sanctis ainda venceu a Coppa Italia e garantiu lugar no grupo italiano na Euro 2012. Do banco, o goleiro viu a Nazionale ser vice-campeã.
A campanha seguinte foi a última do goleiro pelo Napoli. Em 2012-13, ele foi o pilar da segunda melhor defesa da Serie A e ajudou a equipe comandada por Mazzarri a conquistar o vice campeonato nacional – a melhor posição dos azzurri desde o título de 1991. Em grande momento, De Sanctis protagonizou algo raro no futebol: fez um clube desembolsar dinheiro para obter as prestações de um atleta de 36 anos. Por 500 mil euros, acertou com a Roma.
O veterano chegou à Cidade Eterna para suprir uma deficiência que os romanistas enfrentaram no ano anterior, sobretudo devido ao retumbante fracasso de Maarten Stekelenburg. Logo de cara, De Sanctis adicionou outra bela marca à carreira: participou do recorde de vitórias consecutivas na reta inicial da liga, sofrendo apenas um gol nas dez primeiras partidas, todas vencidas pela Roma.
Apesar do bom início, a equipe de Rudi Garcia não conseguiu superar o ímpeto extraordinário da Juventus naquela temporada e “amargou” a segunda colocação. Ao entrar em campo pela equipe capitolina na Liga dos Campeões, o Pirata também se tornou o primeiro italiano a disputar a competição por cinco clubes diferentes.
Duas temporadas como intocável na meta giallorossa foram o bastante para De Sanctis, que sabia que não teria mesmo uma longa estadia como titular da Roma. Aos 38 anos, perdeu a posição para Wojciech Szczesny e acabou sendo pouco utilizado. Na janela de verão de 2016, o Pirata passou a custo zero ao Monaco, que seria o seu último clube na carreira. A turnê de despedida dos gramados foi excelente: Morgan jogou oito vezes e colaborou com a obtenção do título francês e do vice da Copa da Liga, além das boas campanhas na Copa da França e na Liga dos Campeões, competições em que os monegascos atingiram as semifinais.
Logo após sua aposentadoria, Morgan De Sanctis voltaria à Roma – mesmo sob protestos de uma pequena parcela dos ultràs, que não engoliu o fato de o ex-goleiro ter dado um depoimento às autoridades sobre um tumulto envolvendo torcedores ao final de um jogo contra a Fiorentina. Apaziguados os ânimos, o Pirata teve maior tranquilidade para exercer o papel de team manager romanista, cargo que ocupa até hoje. Além de ser gerente esportivo no clube, ele também já conseguiu licença para atuar como treinador das divisões inferiores e ser auxiliar nas categorias A e B.
Morgan De Sanctis
Nascimento: 26 de março de 1977, em Guardiagrete, Itália
Posição: goleiro
Clubes como jogador: Pescara (1994-97), Juventus (1997-99), Udinese (1999-2007), Sevilla (2007-08), Galatasaray (2008-09), Napoli (2009-13), Roma (2013-16) e Monaco (2016-17)
Títulos conquistados: Supercopa Italiana (1997), Serie A (1998), Europeu sub-21 (2000), Copa Intertoto (2000), Supercopa da Turquia (2008), Coppa Italia (2012) e Ligue 1 (2017)
Seleção italiana: 6 jogos