Não é novidade o fato de que a Itália é uma das maiores produtoras de zagueiros de alto nível do futebol mundial. A grande concorrência na posição faz com que um atleta precise ter uma carreira impecável para conseguir espaço na seleção italiana. No anos 2000, Alessandro Gamberini demonstrou qualidade suficiente para integrar a Nazionale, sobretudo por suas atuações pela Fiorentina, mas lesões frequentes durante sua trajetória comprometeram a sua continuidade no grupo azzurro. Gambero, como era chamado carinhosamente, tinha potencial para ser ainda mais reconhecido do que foi.
Gamberini é natural de Bolonha, uma das principais cidades da Itália. Foi lá mesmo que ele deu início à sua caminhada no esporte, nas categorias de base do Bologna. Pelos felsinei, Alessandro se mostrou um zagueiro elegante, com boa técnica, coordenação, noções privilegiadas de posicionamento e, principalmente, altíssima capacidade de desarme e força no jogo aéreo – embora, com 1,85m, não fosse um gigante. Seus atributos fizeram com que, em janeiro de 2000, com apenas 18 anos, Francesco Guidolin lhe desse sua primeira chance entre os profissionais: o defensor estreou na Serie A como titular numa vitória por 3 a 1 sobre a Lazio, que se sagraria campeã.
O zagueiro começou a ser utilizado com maior frequência por Guidolin na temporada 2000-01, mas, ao lado de Pasquale Padalino, era uma das opções a Giulio Falcone e Marcello Castellini, dupla de zaga titular: condição intensificada no ano seguinte, após a contratação de Salvatore Fresi. Ainda assim, Gambero – apelido dado como diminutivo do seu sobrenome, mas cujo significado literal é “lagostim” – contava com o apreço de Claudio Gentile, especialista na posição. Ex-defensor da Juventus, Gentile convocou o zagueiro para a seleção sub-20 e o integrou também à sub-21.
Em busca de mais minutos em campo, Gamberini rumou por empréstimo ao Verona, em 2002. Aos 21 anos, o garoto chegava para substituir Dario Dainelli e ganhou a titularidade da equipe de Alberto Malesani, que acabara de ser rebaixada para a segunda divisão. Depois de 20 partidas pelo Hellas, Gambero sofreu a primeira lesão mais séria de sua carreira e não voltou mais aos gramados em 2002-03. Ao fim da campanha, o zagueiro foi reintegrado ao elenco bolonhês, então treinado por Carlo Mazzone.
Gambero teve dificuldades de encontrar espaço na defesa a três de Mazzone em seu ano de retorno, já que Cristian Zaccardo, Cesare Natali e Emiliano Moretti tinham a preferência do comandante. Mesmo assim, o zagueiro teve algumas oportunidades e, juntamente aos companheiros Zaccardo e Moretti, fez parte do elenco italiano que foi campeão europeu sub-21 em 2004.
Na temporada seguinte, o sucesso do trio bolonhês os levou a outros clubes e, aí sim, Gamberini assumiu a titularidade – e atuou em 28 partidas. O time de Mazzone teve a quarta melhor defesa do campeonato, com apenas 36 gols sofridos em 38 jogos, mas somou 42 pontos e acabou rebaixado após perder o spareggio para o Parma. Aquela Serie A foi extremamente atípica, contudo: a diferença entre os veltri, que ficaram na 18ª posição, e a Roma, oitava colocada, foi de apenas três pontos.
As excelentes prestações de Gambero pelo Bologna fizeram com que a segunda divisão ficasse pequena demais para ele. Gamberini, então, foi contratado pela Fiorentina, por uma cifra de aproximadamente 3 milhões de euros, e iniciaria uma parceria indelével com Dainelli, com quem formou uma das maiores duplas de defesa da história gigliata. Os dois, tal qual Cosme e Damião, raramente se separariam dali para frente: só em Florença, foram quatro anos e meio de parceria no centro da zaga.
Em 2005-06, devido a uma série de lesões de Gamberini, a dupla não chegou a ir a campo muitas vezes – o bolonhês só entrou em campo 19 vezes, mas mesmo assim recebeu as suas primeiras convocações para a seleção italiana. O ano seguinte, porém, foi fenomenal: a revista L’Ultimo Uomo, inclusive, define 2006-07 como o White Album de Dario Dainelli e Alessandro Gamberini, numa referência ao trabalho mais cultuado dos Beatles. A Fiorentina, que começou a Serie A com 15 pontos a menos, em virtude do Calciopoli, terminou em sexto, com 58 – sem a punição, teria ficado em terceiro.
O principal feito do time de Cesare Prandelli, contudo, foi terminar a campanha com a melhor defesa do campeonato, com apenas 31 gols sofridos. A dupla esteve em campo ao mesmo tempo em 22 partidas, nas quais a viola foi vazada 14 vezes – seis delas nos dois jogos contra a Inter, que seria a campeã. Os centrais se complementavam perfeitamente: Gamberini era mais dinâmico e dado a botes fora da área, enquanto Dainelli ficava mais estático e era insuperável no jogo aéreo. Ao final daquela temporada, Gambero pode finalmente estrear pela Nazionale, depois de ter ficado seis jogos no banco. A estreia ocorreu num amistoso contra a África do Sul, em outubro de 2007.
Naquele momento, a Fiorentina já havia iniciado uma das campanhas gloriosas que protagonizou entre 2007-08 e 2009-10. Nesse período, a equipe toscana ficou com a quarta posição na Serie A duas vezes, conquistando a classificação para a Liga dos Campeões, e também foi semifinalista da Copa Uefa, em 2008. Em alta, Gamberini continuou sendo chamado para a seleção italiana e disputou a Euro 2008, em substituição ao lesionado Fabio Cannavaro – curiosamente, quatro anos antes, ele já havia substituído o irmão mais novo do capitão, Paolo, na versão sub-21 do torneio.
Para coroar a grande fase, Gamberini ajudou os violetas a avançarem ao mata-mata da UCL em 2009-10. A Fiorentina liderou um grupo com Liverpool e Lyon, batendo os Reds em casa e em Anfield. No Franchi, Fernando Torres (que era um dos grandes atacantes da época) não viu a cor da bola por causa de Dario e Alessandro. Em janeiro de 2010, porém, a dupla foi desfeita, quando a equipe de Florença contratou o brasileiro Felipe e Dainelli, que não teria mais a titularidade garantida, pediu para sair.
Gamberini se manteve em alto nível, mas as lesões – sempre musculares – começaram a ficar mais frequentes. Em 2009-10, por exemplo, o zagueiro chegou a ficar parado por quatro meses, distribuídos em dois períodos de cerca de 60 dias, por conta de problemas físicos. Foi uma dessas eventualidades que o tiraram do mata-mata europeu, no qual a Fiorentina foi eliminada pelo Bayern de Munique apenas por causa do gol qualificado – e graças a uma atuação decisiva do árbitro Tom Henning Øvrebø, que expulsou Massimo Gobbi de maneira rigorosa e ainda validou um gol irregular de Miroslav Klose.
Depois do brilho na Champions League, a Fiorentina ainda foi semifinalista da Coppa Italia naquela temporada, mas o ciclo de Prandelli já estava perto do fim. A equipe já tinha realizado uma campanha mediana na Serie A e, no ano seguinte, depois que o treinador acertou com a seleção italiana e Sinisa Mihajlovic assumiu o pepino, repetiu a dose: nono lugar.
Gamberini estava saudável e mantinha a regularidade, mas nem mesmo a faixa de capitão do time de Florença, que herdou de Riccardo Montolivo, em 2011, eram sinais de que as coisas iam bem para ele na Toscana. Afinal, desorganizada, a Fiorentina flertou com o rebaixamento em 2011-12, teve três treinadores ao longo da temporada – Mihajlovic, Delio Rossi e Vincenzo Guerini – e ficou apenas na 13ª posição. Na fase final da carreira, o jogador de quase 31 anos resolveu mudar de ares.
Em 2012, Gambero foi um dos principais reforços do Napoli, que fez uma janela modesta: além do bolonhês, foram contratados Bruno Uvini, Omar El Kaddouri, Valon Behrami e Giandomenico Mesto, enquanto um jovem Lorenzo Insigne retornava de empréstimo ao Pescara. Com facilidade, Gamberini passou os veteranos Gianluca Grava e Salvatore Aronica na hierarquia do treinador Walter Mazzarri e revezou com Miguel Britos pelo lado esquerdo do trio de zaga azzurro, mas sendo utilizado com maior frequência do que o uruguaio. Contribuiu bastante, portanto, para que os napolitanos tivessem a segunda melhor defesa da Serie A e ficassem com o vice-campeonato.
Embora tivesse feito o seu trabalho com competência, Gamberini não permaneceu no Napoli para a temporada 2013-14. Isso porque o presidente Aurelio De Laurentiis perdeu Mazzarri para a Inter e trouxe Rafa Benítez para substitui-lo. O espanhol teve carta branca para trazer as peças que queria e aproveitou a fortuna obtida pela venda de Edinson Cavani para reformular quase todo o elenco: chegaram nomes como Pepe Reina, Raúl Albiol, Federico Fernández, José Callejón, Gonzalo Higuaín, Dries Mertens e Duván Zapata. Gambero, então, foi emprestado ao Genoa, mas não decolou no novo clube: por conta de diversas lesões, fez apenas 10 jogos pelos grifoni.
Ao fim do empréstimo ao Genoa, Gamberini não foi aproveitado pelo Napoli e acabou cedido em definitivo para o Chievo. Ao fechar com os mussi volanti, Alessandro reencontraria o parceiro Dainelli, que estava em Verona desde 2012. Embora os clivensi esperassem que a dupla fosse reeditada com grande frequência, Gambero não correspondeu – ou melhor, o seu corpo não correspondeu, como em grande parte de sua carreira.
As lesões musculares o acompanharam por toda a sua passagem pelo Marcantonio Bentegodi e fizeram com que ele decidisse encerrar sua carreira um ano antes do previsto. Em 2016, o defensor renovara seu contrato por três anos, mas em junho de 2018, Gambero decidiu se aposentar. No Chievo, Gamberini nunca chegou a fazer mais do que 25 partidas por temporada, o que comprometeu sua parceria com Dainelli: atuaram juntos apenas 40 vezes em quatro anos, mas ao menos puderam completar oito campanhas e meia de amizade e confiança em campo. Mais tempo do que conjuntos defensivos famosos, como Lilian Thuram e Fabio Cannavaro (oito anos pela Juventus) e Gerard Piqué e Carles Puyol (seis no Barcelona).
A L’Ultimo Uomo, inclusive, fez um belo levantamento sobre a performance da dupla. Em suas carreiras, Gamberini e Dainelli ficaram em campo ao mesmo tempo durante 9404 minutos, distribuídos em 122 jogos; 82 na Fiorentina e 40 no Chievo. Seus esforços resultaram em 59 vitórias, 31 derrotas e 32 empates: o equivalente a 1,70 ponto por partida, média de times italianos que obtêm vaga na Liga Europa. Se fossem considerados os jogos em que pelo menos um dos dois foi a campo e o outro ficou no banco, a média cai para 1,51 ponto por partida. Isso demonstra que a sinergia entre os dois também gerava frutos mais saborosos para as equipes que defendiam.
Depois de pendurar as chuteiras, Gamberini não voltou para sua cidade natal. Muito querido pela torcida do Chievo, o ex-zagueiro permaneceu em Verona e foi contratado imediatamente como treinador da equipe sub-17 dos gialloblù. A base do Ceo, que costuma revelar bons jogadores, como o ítalo-brasileiro Emanuel Vignato, teve, portanto, um professor à altura. Um atleta que, desafortunadamente, não conseguiu expressar o seu melhor em campo, por causa de problemas físicos, mas que tem a sabedoria e a técnica necessárias para ensinar os mais jovens. E é assim que Gambero tem levado a vida fora dos campos, como auxiliar técnico de times italianos – na função, já passou por Ambrosiana, Virtus Verona e Venezia.
Alessandro Gamberini
Nascimento: 27 de agosto de 1981, em Bolonha, Itália
Posição: zagueiro
Clubes: Bologna (1999-2002 e 2003-05), Verona (2002-03), Fiorentina (2005-12), Napoli (2012-13), Genoa (2013-14) e Chievo (2014-18)
Títulos: Europeu Sub-21 (2004)
Seleção italiana: 8 jogos