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Na Fiorentina, o português Nuno Gomes viveu a glória de um título e o amargor da falência

Você provavelmente diria que nunca ouviu falar de Nuno Miguel Soares Pereira Ribeiro, mas deve conhecê-lo por sua alcunha de guerra – como ele mesmo costuma chamar. Nuno Gomes não recebeu o sobrenome de batismo, mas a vida lhe conferiu um apelido em referência a outro grande atacante português: Fernando Gomes. Na época, Fernando marcava muitos gols com a camisa azul e branca do Porto, além de ostentar cabelos compridos, como Nuno. Por isso, seu primo começou a chamá-lo da forma como ficaria conhecido o jogador que marcou o gol do último título da Fiorentina.

Nascido em julho de 1976, na região norte de Portugal, Nuno Gomes se apaixonou pelo futebol na infância. Aos 11 anos, ingressou nos juvenis do clube que leva o nome da sua cidade, o Amarante. Em 1990, aos 14, foi vestir a camisa axadrezada do Boavista, time em que concluiu a sua formação e em que estreou profissionalmente. Lá, fez três excelentes temporadas, coroadas com o título da Taça de Portugal, em 1997.

Quis o destino que essa grande final fosse contra o Benfica, o seu próximo clube. Parte do interesse dos encarnados se devia ao fato de Nuno ter marcado um dos gols daquela partida, terminada em 3 a 2 para o Boavista. A outra parte vinha das exibições em alto nível pelos axadrezados e também pela seleção: Gomes fora artilheiro do Torneio de Toulon e participou da boa campanha dos tugas na Olimpíada de Atlanta, em 1996, e também já integrava o time de adultos de Portugal.

Em Lisboa, Nuno começou a se destacar ainda mais. A temporada 1998-99 acabou sendo a sua melhor em questão de gols marcados: foram 34 em todas as competições disputadas. Com isso, foi eleito Jogador da Época naquela campanha e na seguinte. A ascensão no Benfica demorou um pouco a gerar resultados pela seleção portuguesa, mas eles vieram na hora certa.

Nuno Gomes marcou o seu primeiro gol pela Seleção das Quinas na virada histórica por 3 a 2 contra a Inglaterra, na primeira partida dos portugueses na fase de grupos da Euro 2000. O atacante voltou a marcar nas quartas de final, contra a Turquia, e na semifinal, na derrota por 2 a 1 contra a França. Esse jogo foi um dos mais polêmicos da carreira do atleta português. Indignado com um pênalti dado aos franceses no final do jogo, Nuno, primeiramente, ofereceu a sua camisa para o árbitro Günter Benkö para que ele nunca esquecesse o que tinha feito durante a partida. Depois, já no caminho dos vestiários, empurrou e atirou a vestimenta no juiz, o que lhe rendeu sete meses de suspensão das competições internacionais. Apesar do episódio, o atacante foi um dos vice-artilheiros do torneio e acabou escolhido para a seleção da Eurocopa.

Nuno Gomes chegou à Itália com pompa: tinha a missão de substituir Batistuta na Fiorentina (imago/PanoramiC)

Depois da Euro, Nuno Gomes recebeu algumas sondagens para deixar o clube de Lisboa. Benfiquista declarado, o atacante sabia que não seria fácil deixar o clube de coração, mas ele tinha alguns sonhos a serem realizados. Como um bom jovem atleta, Nuno tinha o fascínio de jogar no estrangeiro e rumar a uma nova aventura longe do seu país de origem. Nesse cenário, surgiu a Fiorentina, com uma oferta de 17 milhões de euros. Além da busca pelo reconhecimento internacional e por uma proposta financeiramente vantajosa, pesou na decisão do português a proximidade com o compatriota Rui Costa, que o convenceu a migrar para Florença.

A amizade com o trequartista português fez esmorecer em Nuno Gomes alguns receios, como os de aprender uma nova língua e adaptar-se a uma nova cultura. Afinal, ele não estaria sozinho nessa empreitada. No verão europeu de 2000, então, o atacante de 24 anos chegou à Itália com o status de maior transferência do futebol português até aquele momento e com a missão de substituir o ídolo Gabriel Batistuta, vendido à Roma.

O português escolheu a camisa de número 21, o mesmo que utilizou em toda a sua carreira, e estreou da melhor forma possível pela Fiorentina. Em apenas 35 minutos, anotou uma tripletta contra a Salernitana, pela ida das oitavas de final da Coppa Italia. A primeira exibição deixou uma ótima impressão, confirmada ao longo da temporada. Nuno Gomes foi o vice-artilheiro violeta, atrás de Enrico Chiesa, com nove gols marcados pela Serie A – muitos deles importantes, como os anotados ante Reggina, Bari, Vicenza, Juventus, Milan, Brescia e Atalanta. A equipe de Florença terminou o campeonato na nona posição.

O mais belo momento de Nuno Gomes com a camisa violeta, porém, aconteceu mesmo na Coppa Italia. Apesar da tripletta no jogo inaugural, o português passou quase toda a competição sendo um coadjuvante da equipe, que foi comandada por Fatih Terim até março. O turco foi demitido por resultados ruins na Serie A e Roberto Mancini acabou herdando uma equipe classificada à decisão da copa. A chegada do novo treinador não foi muito boa para o camisa 21, que havia anotado apenas um gol em 13 jogos sob as ordens de Mancio. A redenção estava reservada para um momento decisivo.

No dia 13 de junho de 2001, a Fiorentina entrava no gramado do Artemio Franchi para o jogo de volta das finais da Coppa Italia, contra o Parma. Paolo Vanoli havia feito o gol do triunfo gigliato no Ennio Tardini, mas os crociati estavam famintos pela revanche – e, com tento de Savo Milosevic, iam conseguindo levar a partida para a prorrogação. Nuno Gomes, então, saiu do banco no início do segundo tempo para, no minuto 65, receber um passe açucarado de Rui Costa e estufar as redes adversárias, empatando a partida e entrando para a história: ao dar à Fiorentina o seu sexto título da copa, o português alcançava o seu ápice na Itália.

O atacante português teve momentos positivos na Fiorentina e marcou alguns gols importantes (imago)

Apesar desse início, marcado por alguns grandes momentos, Nuno Gomes teve uma estadia inesperadamente curta na Velha Bota. A Fiorentina passava por uma fortíssima crise financeira, por causa de problemas de gestão desportiva que provocaram dívidas insustentáveis. O clube era dirigido por Vittorio Cecchi Gori, magnata do ramo cinematográfico, mas mal conseguia arcar com o salário de funcionários e jogadores. Aliado a isso, ou até mesmo como consequência, o desempenho futebolístico da Viola foi muito abaixo do padrão.

A temporada, que começou com uma clamorosa derrota para a Roma na Supercopa Italiana, teve eliminações precoces na Coppa Italia, para o Como, e na Copa Uefa, para o Lille, e terminou com o rebaixamento para a segunda divisão. Penúltima colocada, a Fiorentina ainda declarou falência e não se inscreveu na Serie B seguinte: teve de jogar a C2.

Nuno Gomes, que fez sete gols em 31 partidas em 2001-02, foi um dos atletas que entraram em litígio com o clube com a temporada em andamento. O português chegou a pedir a rescisão contratual formalmente, no fim de janeiro de 2002, e entrou em campo pelo clube pela última vez no dia 30 de março, em derrota para a Inter. Com a falência, Nuno e os outros atletas puderam sair a custo zero – daquele time, somente o meia Angelo Di Livio permaneceu, se tornando um pilar da reconstrução da Viola e da sua trajetória de retorno à elite do futebol italiano, em 2004.

Apesar dos momentos atribulados nos últimos momentos de Itália, Nuno Gomes fez questão de ressaltar, em diversas entrevistas, que ficou com uma boa impressão da Fiorentina. Afinal, o português vivenciou o ápice da felicidade ao levantar um título, sentiu a paixão da fanática torcida e compartilhou o gramado com craques como os já citados Rui Costa, Chiesa e Di Livio, além de Francesco Toldo, Predrag Mijatovic e Adriano. Não brilhou como Batistuta, mas teve relevância em Florença.

Nuno Gomes não passou muito tempo sem clube. A solução se deu depois do fracasso com Portugal na Copa do Mundo de 2002 – ocasião em que foi reserva e, saindo do banco, disputou duas partidas. O atacante recebeu algumas propostas, mas optou por voltar ao Benfica. O camisa 21 defendeu o emblema das águias de Lisboa por nove outras temporadas, conquistando oito títulos, sendo duas Primeiras Ligas. Já no fim da carreira, Nuno Gomes disputou uma época a serviço do Braga e ainda experimentou mais uma aventura no exterior: a bola da vez foi o Blackburn Rovers, da Inglaterra, onde encerrou a sua carreira em 2014.

Rebaixamento e falência: problemas financeiros da Fiorentina derrubaram o rendimento de Nuno Gomes em 2001-02 (Allsport)

Por Portugal, Nuno Gomes ainda esteve presente em mais duas Eurocopas (além do de 2000, os de 2004 e 2008) e uma outra Copa do Mundo (a de 2006). Foram, ao todo, 29 gols em 79 partidas com a camisa verde e vermelha. Apesar de bons números e de ter integrado o elenco vice-campeão europeu e quarto colocado no mundial, nunca foi uma unanimidade na seleção. Em alguns momentos foi reserva de Pauleta, Hugo Almeida e até mesmo do naturalizado Liedson, tanto sob o comando de Carlos Queiroz quanto de Paulo Bento. Com Luiz Felipe Scolari, teve melhores memórias, como um gol contra a Espanha, que valeu o avanço na fase de grupos da Eurocopa 2004, disputada em Portugal.

Em sua rica carreira, Nuno Gomes também passou por momentos de muitas dificuldades. A falência da Fiorentina foi um deles, assim como a derrota de Portugal para a Grécia, em casa, na final da própria Euro. Mas, sem dúvidas, o mais doloroso de todos foi a morte de Miklós Fehér, seu companheiro de equipe. Em um jogo entre Benfica e Vitória de Guimarães, o atleta húngaro desabou, já nos acréscimos, e veio a óbito.

Superar períodos difíceis compunha o estilo de Nuno Gomes, que se destacava pela entrega às camisas que vestia – assim como pela potência de suas cabeçadas. Fora dos gramados, era um homem pacato e, de certa forma, bonzinho até demais para um jogador de futebol, apontam alguns críticos. Talvez por ter a fama de galã em Portugal: no início dos anos 2000, fazia sucesso ter cabelos na altura dos ombros e o sorriso que ele colocava no rosto, depois de marcar seus gols, colaborava com isso.

A história hoje nos conta que Nuno Gomes não passou perto de ocupar o espaço de Batistuta no panteão da Fiorentina e nem de ter o mesmo espaço no coração do torcedor viola. É verdade que vivenciou momentos muito conturbados, mas pode mostrar, em solo italiano, um pouco de sua relação estreita com a bola e a baliza adversária. Sempre será lembrado como o autor do gol do sexto título da Coppa Italia da maior equipe da Toscana – o seu último, até então.

Nuno Miguel Soares Pereira Ribeiro, o Nuno Gomes
Nascimento: 5 de julho de 1976, em Amarante, Portugal
Posição: atacante
Clubes: Boavista (1994-97), Benfica (1997-00 e 2002-11), Fiorentina (2000-02), Benfica, Braga (2011-12) e Blackburn Rovers (2013-14)
Títulos: Taça de Portugal (1997 e 2004), Coppa Italia (2001), Primeira Liga (2005 e 2010), Supertaça de Portugal (2005 e 2006) e Taça da Liga (2009, 2010 e 2011)
Seleção portuguesa: 79 jogos e 29 gols

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1 Comentário

  • Nuno Gomes chegou com a difícil missão de substituir a lenda Gabriel Batistuta à altura. Uma pressão enorme. O Nuno até que não foi mal, mas abaixo das expectativas que eram enormes sobre ele.

    Na mesma época ainda chegou Predrag Mijatovic vindo do Real Madrid, que também rendeu abaixo do esperado. O único atacante que correspondeu e até superou as expectativas foi Enrico Chiesa. Forte, veloz e com chute certeiro, Chiesa fazia gol praticamente todo jogo.

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