Grandes feitos: Primeira seleção bicampeã do Mundo, em 1934 e 1938
Time base: Combi (Olivieri); Monzeglio (Foni) e Allemandi (Rava); Ferraris (Locatelli), Monti (Serantoni) e Bertolini (Andreolo); Guaita (Colaussi), Meazza, Schiavio (Piola), Ferrari e Orsi (Biavati). Técnico: Vittorio Pozzo.
“O nascimento da Squadra Azzurra”
A camisa azul da Itália possui força e aura próprias, uma mística capaz de levar um selecionado desacreditado a façanhas inacreditáveis e, claro, um time forte ao topo do pódio. Mas essa história de glórias e títulos da Azzurra só foi possível graças aos feitos do técnico Vittorio Pozzo e de jogadores como Combi, Monzeglio, Monti, Colaussi, Piola, Ferrari e Meazza, que tornaram a seleção a primeira bicampeã mundial da história, e de maneira consecutiva, em 1934 e 1938. Com um futebol que aliava muita força física, planejamento tático e técnica, os italianos não tiveram rivais por oito anos. Porém, com o acontecimento da II Guerra Mundial, a seleção não teve a chance de ampliar seu “palmarès”, vencendo outros títulos. É hora de relembrar os feitos da primeira Squadra Azzurra de ouro.
Vencer ou vencer
Depois da primeira Copa do Mundo, em 1930, o torneio já tinha destino certo em 1934: a Europa, mais precisamente a Itália, comandada pelo fascismo de Benito Mussolini. Obviamente, o ditador utilizou do torneio para promover de todas as maneiras possíveis seu governo e as qualidades do país. Para isso, antes de mais nada, Mussolini ordenou que a seleção dona da casa conquistasse o torneio, nem que fosse preciso agregar jogadores de outras nações. E foi o que aconteceu, uma vez que a Itália utilizou. Os argentinos De María e Guaita, que já jogavam na itália, foram naturalizados italianos, enquanto os também argentinos Monti e Orsi, oriundi, de origem italiana, também ganharam seu passaporte. Eles se juntaram a outros jogadores italianos, entre eles Meazza, um baixinho que era o terror para as zagas adversárias com velocidade, técnica e muitos gols.
Para comandar a seleção, Vittorio Pozzo, extremamente inteligente e conhecedor de táticas como ninguém. Ele baseou seu time na qualidade dos cinco jogadores de frente: Orsi e Ferraris pela esquerda, Meazza e Guaita pela direita, e Schiavio pelo meio. Seu esquema ganhou o nome de Metodo, e era baseado num 2-3-5, que virava por vezes um 2-3-2-3. A movimentação constante desses jogadores garantiria a força ofensiva do time. E o sucesso esperado por Mussolini, que deixou seu recado antes do mundial aos jogadores: “Vencer ou arcar com as consequências”.
Rumo a Roma
A Copa de 1934 teve apenas 16 seleções participantes, que se enfrentariam em eliminatórias simples. O torneio teve o boicote do então campeão mundial, o Uruguai, em represália à não participação de vários europeus no primeiro mundial, realizado exatamente no país sul-americano. A ausência dos campeões foi comemorada por todos, afinal, seria um grande time a menos no caminho dos europeus, que tinham a chance de levantar o troféu pela primeira vez. A seleção favorita ao título era a Áustria, do genial Sindelar, conhecido como “o homem de papel”. Porém, os austríacos iriam sucumbir justamente diante dos italianos. O Brasil foi para a Copa sem grandes pretensões e terminou apenas na 14ª colocação.
A Itália estreou na Copa contra a fraca seleção dos Estados Unidos e goleou por 7 a 1, com três gols de Schiavio, dois de Orsi, um de Ferrari e um de Meazza. Em seguida, duelo contra a Espanha e empate em 1 a 1 (gol da Itália marcado por Ferrari). No dia seguinte, uma nova partida foi marcada e a Itália venceu por 1 a 0, gol de Meazza logo no início do jogo. Nas semifinais, o duelo mais esperado, contra a Áustria. Debaixo de muita chuva e num campo pesadíssimo, os austríacos, mais técnicos e velozes, foram presas fáceis para a força dos jogadores italianos, que venceram por 1 a 0, gol de Guaita. Como esperado por Mussolini, a Azzurra estava na final.
Mundo azul
Na grande final da Copa, a Itália enfrentou a Tchecoslováquia no Estádio do Partido Nacional Fascista, em Roma. O jogo foi muito disputado e a Tchecoslováquia assustou os italianos ao abrir o placar, aos 71 minutos, com Puc. Mas dez minutos depois, Orsi empatou e levou o jogo para a prorrogação. Nela, Schiavio virou o placar e deu o inédito título mundial para a Itália. Mussolini podia respirar aliviado. Já Jules Rimet, presidente da Fifa, teve que lamentar o fato de seu torneio ter virado, naquele ano, um palco para promoção política.
Ouro olímpico renova esquadrão
Depois da conquista do título, a Itália seguiu forte no futebol mundial e europeu e conquistou, nas Olimpíadas de Berlim, em 1936, o Ouro Olímpico, derrotando a Áustria na final por 2 a 1. O torneio serviu para apresentar ao país novas estrelas para o selecionado principal como Foni, Rava e Locatelli, que partiram para a equipe da Itália na Copa do Mundo de 1938, na França.
Saideira antes da guerra e mundo azul – de novo
Pouco poderiam imaginar os amantes do futebol que a Copa de 1938, na França, seria a última antes da II Guerra Mundial, e que somente 12 anos depois o planeta veria novamente um mundial. Apesar de a Europa “cheirar a pólvora”, por conta da grande tensão que o continente vivia, era difícil imaginar um conflito tão longo, destrutivo e sangrento. Porém, a Copa foi realizada, o Brasil encantou pela primeira vez, com a genialidade de Leônidas da Silva, e a Itália mostrou porque era a melhor seleção de toda a década.
Reforçada pelo talento de Silvio Piola no ataque, a Nazionale estreou com vitória sobre a Noruega por 2 a 1, com gols de Ferraris e Piola. Em seguida, venceu a França, dona da casa, por 3 a 1, com dois gols do mágico Piola e um de Colaussi. Na semifinal, o adversário seria o Brasil, que contava com Leônidas da Silva e Domingos da Guia. Porém, Leônidas não jogou e fez muita falta. A Itália venceu por 2 a 1, com um gol de Meazza e outro de Colaussi, e carimbou a vaga para a grande final.
A Itália encarou na final a forte seleção da Hungria. Os italianos abriram o placar com Colaussi aos 6. Dois minutos depois, Titkos empatou para a Hungria. Piola, sempre ele, deixou a Azzurra em vantagem aos 19 e Colaussi ampliou aos 35. No segundo tempo, Sarosi diminuiu para os húngaros, mas Piola fez mais um e garantiu o resultado de 4 a 2 e o bicampeonato mundial para a Itália.
Era a consagração de Meazza e companhia como os melhores jogadores do planeta. Meazza foi novamente o garçom do time, atuando mais pelo meio, e servindo Piola e Colaussi de maneira perfeita, juntamente com outro grande meia-atacante, Ferrari. Em quatro jogos, a Itália marcou 11 gols, uma média de 2,8 por jogo. Além da Azzurra como um todo, outro que fazia história com o bicampeonato era o técnico Vittorio Pozzo, que se tornava o primeiro, e até hoje único, treinador a conquistar dois mundiais consecutivos. A Itália estava, de vez, na história do futebol.
Guerra impede hegemonia histórica
Após o Mundial, a Itália viu sua supremacia no futebol ser interrompida por conta da II Guerra Mundial, que impediu a realização das Copas de 1942 e 1946. Isso prejudicou demais o selecionado europeu, que poderia ter conquistado mais uma ou até duas Copas, pois uma nova geração de craques surgiu na década de 40, vestindo o grená do Torino.
Depois da Guerra, os italianos tiveram que esperar 44 anos para ver o país novamente campeão mundial. Com força, técnica e a genialidade de Meazza e Piola, a Itália 1934-1938 foi a segunda seleção hegemônica do planeta, sucedendo o Uruguai de 1920-1930, e ajudando a construir a mística da Squadra Azzurra, competitiva e temível em qualquer competição de futebol. Uma seleção imortal.
Os personagens:
Gianpiero Combi (Juventus): seguro e dono da meta da Juventus por mais de 12 anos, Combi foi um dos maiores goleiros da Itália no século passado. Ajudou a seleção a conquistar a Copa do Mundo de 1934. Detém o recorde de 934 minutos sem sofrer gols com a camisa da Juventus, de outubro de 1925 até fevereiro de 1926.
Aldo Olivieri (Lucchese): foi o goleiro da Itália na Copa de 1938, mantendo a regularidade defensiva da equipe azul. Começou a carreira no Verona, em 1929. Foi o penúltimo bicampeão do mundo a falecer, em 2001, aos 90 anos.
Eraldo Monzeglio (Bologna): jovem e talentoso zagueiro, jogou as duas Copas vencidas pela Itália, em 1934 e 1938. Começou no Casale, em 1926, até alcançar o estrelato no Bologna e na Roma.
Alfredo Foni (Juventus): ao lado de Rava, foi o paredão da zaga da seleção italiana na Copa de 1938, sendo essencial para o bicampeonato mundial. Depois de pendurar as chuteiras, virou técnico.
Luigi Allemandi (Ambrosiana-Inter): compôs a zaga italiana na Copa de 1934, ano do primeiro título mundial. Teve destaque jogando pela Ambrosiana (Internazionale).
Pietro Rava (Juventus): foi o outro membro do paredão da zaga italiana na Copa de 1938. Conquistou vários títulos pela Juventus e também pela seleção. Foi uma das revelações dos Jogos Olímpicos de 1936, quando ajudou a Azzurra a vencer o Ouro.
Attilio Ferraris (Roma): ótimo meio-campista da Itália no título de 1934, ajudando na marcação e no ataque. Disputou 10 temporadas da Serie A.
Ugo Locatelli (Ambrosiana-Inter): foi outra revelação dos Jogos Olímpicos de 1936 e um dos poucos a ter a honra de vencer o Ouro Olímpico e uma Copa do Mundo pela Azzurra. Meio campista, Locatelli foi um dos melhores de seu tempo e peça chave para o sucesso da Itália de 1936 até 1938.
Luis Monti (Juventus): foi um dos argentinos naturalizados italiano para a disputa da Copa de 1934. Detém a façanha de ser o único jogador na história a ter disputado duas finais de Copa por dois países diferentes: em 1930, pela Argentina, e em 1934, pela Itália. Era ótimo no desarme e no apoio defensivo no meio de campo, com muita força física.
Pietro Serantoni (Roma): o pequenino Serantoni, de 1,65m, foi um dos membros do meio de campo da Itália no bicampeonato mundial, em 1938. Jogou por muito tempo na Ambrosiana-Inter, na Juventus e na Roma.
Luigi Bertolini (Juventus): impunha respeito com sua presença física e era uma das forças do meio de campo da Itália na Copa de 1934. Teve destaque na Juventus.
Michele Andreolo (Bologna): nasceu no Uruguai, mas se naturalizou italiano e jogou mais de 25 jogos com a camisa azzurra, participando da conquista do bicampeonato mundial de 1938. Foi ícone no Bologna de 1935 até 1943.
Enrique Guaita (Roma): outro argentino naturalizado, Guaita foi uma das forças do ataque da Itália na Copa de 1934, sendo o herói no dificílimo jogo semifinal contra a Áustria de Sindelar, ao marcar o gol da vitória por 1 a 0. Disputou 10 partidas pela seleção e marcou cinco gols. Na Itália, era chamado também de Enrico.
Luigi Colaussi (Triestina): ao lado de Piola, fez uma dupla de ataque irresistível na Copa de 1938, quando marcou quatro gols. Muito rápido, era a grande arma da equipe pela esquerda, o lado preferido do técnico Pozzo para destruir os adversários. Fez dois gols contra a Hungria na final do mundial. Em 26 partidas pela Azzurra, marcou 15 gols.
Giuseppe Meazza (Ambrosiana-Inter): um dos maiores gênios (se não o maior) da história do futebol italiano, Giuseppe Meazza foi o maior jogador de seu país antes da II Guerra Mundial e ídolo máximo na Internazionale de Milão. Sua popularidade e importância foram tão grandes para a equipe e para a cidade de Milão que o estádio San Siro foi rebatizado com seu nome, logo após sua morte, como homenagem. Em 53 jogos pela Itália, marcou 33 gols, um recorde que só foi superado por Luigi Riva, muito tempo depois. Uma lenda do esporte.
Angelo Schiavio (Bologna): com os passes que recebia de Meazza, foi o homem gol da Itália na Copa de 1934, ano do primeiro caneco mundial da Azzurra. Era o centroavante da equipe e marcou o gol do título na final contra a Tchecoslováquia.
Silvio Piola (Lazio): outra lenda italiana, Silvio Piola foi um dos maiores matadores do futebol do país e o mais prolífico da história da Itália. É até hoje o maior artilheiro do Campeonato Italiano com 274 gols em 537 jogos, mesmo sem nunca ter vencido o torneio. É o dono da melhor média de gols pela seleção, com 30 gols em 34 partidas (0,88). Outro recorde que detém é o de maior número de gols em uma mesma partida, seis, nenhum deles de pênalti. Foi o craque da Copa do Mundo de 1938 e um dos maiores responsáveis pelo bicampeonato da Azzurra.
Giovanni Ferrari (Juventus): recordista em títulos do Campeonato Italiano (oito taças), Giovanni Ferrari fazia jus a “potência” do nome com um futebol técnico, eficiente e extremamente competitivo. Foi a referência maior no meio de campo e no ataque da Itália nas Copas de 1934 e 1938.
Raimundo Orsi (Juventus): mais um argentino naturalizado, começou a carreira no Independiente, até partir para a Itália em 1928, para se destacar na Juventus. Jogou e venceu a Copa de 1934, tendo ampla importância ao marcar o gol de empate contra a Tchecoslováquia na final do Mundial, levando o jogo para a prorrogação.
Amedeo Biavati (Bologna): teve destaque pelo Bologna e ajudou a Itália na conquista da Copa de 1938. Em 18 jogos com a camisa azul, marcou oito gols.
Vittorio Pozzo (Técnico): maior técnico da história da Itália, estrategista, inteligente e vencedor, Vittorio Pozzo deu ao país os maiores títulos possíveis para uma seleção de futebol: o Ouro Olímpico e duas Copas do Mundo. É o único técnico a ter vencido duas Copas consecutivas, além de ter mantido a Itália invicta de 1934 até 1939. Formou uma seleção muito organizada, com uma zaga bem protegida e um ataque letal, com até cinco homens de frente. Referência para qualquer um que queira estudar táticas futebolistas, Vittorio Pozzo foi um dos heróis do bi mundial.
Conteúdo do blog Imortais do Futebol. Leia mais sobre times, seleções, jogadores, técnicos e jogos que marcaram época no futebol mundial aqui.
bela análise !