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Juan Manuel Vargas, o ‘louco’ que virou ídolo de Catania e Fiorentina

Sair da América do Sul rumo à Europa tem sido, há algumas décadas, um caminho comum a muitos jogadores. Com o peruano Juan Manuel Vargas não foi diferente: o lateral pertence a essa lista de atletas que migraram para o Velho Continente para atingirem o auge da carreira. El Loco marcou seu nome na história recente do futebol italiano e, principalmente, com as camisas de Catania e Fiorentina, clubes em que se destacou tanto pela sua canhota de ouro quanto pela irreverência fora dos gramados.

Nascido na região metropolitana de Lima, capital do Peru, Vargas ingressou nas categorias de base do Universitario, o maior campeão do país, aos 12 anos. Como juvenil, Juan também passou pelo Unión Minas, mas retornou aos cremas para se profissionalizar. Em sua temporada de estreia, em 2002, com 19 anos, demonstrou uma habilidade fora de série e logo começou a se destacar por cruzamentos precisos, dribles arrojados e um chute potente com a perna esquerda.

Pelo clube da capital, Vargas conquistou um título peruano, uma vaga no Sul-Americano Sub-20 e, a partir de 2004, a seleção. As grandes exibições o levaram a estrear pela Bicolor aos 21 anos, quando foi convocado por Paulo Autuori para a disputa das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2006. No Universitario, apesar da idade, El Loco foi se tornando referência técnica de uma equipe que tinha as suas limitações. Precisava deixar o seu país para evoluir.

Depois da primeira experiência profissional com a camisa da La U, Vargas fez uma parada em outro país sul-americano antes de rumar à Europa. O destino foi o Colón, clube pelo qual fez 54 jogos e quatro gols entre 2005 e 2006. O primeiro tento em solo argentino foi uma pintura sobre o Almagro, ocasião em que chapelou três adversários e ainda driblou o arqueiro antes de finalizar. Ganhando experiência e destaque tanto pelos sabaleros quanto na seleção, El Loco despertou o interesse do futebol internacional.

Era quase impossível segurar a transferência do lateral-esquerdo para o mercado europeu. Vargas recebeu uma proposta do Portsmouth, mas optou em seguir para o futebol italiano. No verão de 2006, o Catania, logo após conseguir seu acesso para a Serie A após uma ausência de 22 anos, contratava o peruano por quase 3,5 milhões de dólares.

Com muito volume de jogo a serviço do Catania, Vargas apresentou o seu cartão de visitas (imago/AFLOSPORT)

Assim que chegou à equipe siciliana, o lateral precisou de poucos jogos para assumir a titularidade absoluta no time ofensivo de Pasquale Marino. Em 2006-07, atuou em 33 rodadas e contribuiu bastante para que o Catania permanecesse na elite, mas o melhor ainda estava por vir.

No seu segundo ano pelos elefantes, Vargas se consolidou como principal válvula de escape de um time de poucos recursos técnicos e foi fundamental na campanha dos rossazzurri, que chegaram às semifinais da Coppa Italia ao passarem por Milan e Udinese nas oitavas e nas quartas, respectivamente. O Catania venceu o Diavolo por 2 a 1 em San Siro e, na volta, o peruano anotou um golaço de voleio, o que permitiu que os sicilianos tivessem tranquilidade para avançarem de fase. Os etnei só foram eliminados – e por um agregado de apenas 2 a 1 – pela Roma de Luciano Spalletti, que viria a ser a campeã da competição.

Nessa mesma temporada, El Loco também brilhou na Serie A: jogou tanto como lateral quanto como meia pela esquerda e marcou mais cinco gols. Com isso, ajudou os elefantes a permanecerem na elite do futebol italiano. A definição só ocorreu na última rodada, quando o Catania arrancou um empate com a Roma e concluiu o certame um ponto à frente do Empoli.

Atuando no mais alto nível e sendo um dos melhores nomes da equipe, Juan virou objeto de consumo das maiores agremiações europeias. O lateral de 23 anos era tido como uma joia rara que precisava alçar voos mais altos. Real Madrid, Juventus, Roma e Milan entraram na fila para a contratação do atleta, que acabou optando pelo protagonismo que poderia alcançar pela Fiorentina. Os 12 milhões de euros pagos pela Viola fazem de Vargas, até hoje, o jogador peruano mais caro de todos os tempos.

Em seus dois primeiros anos de Fiorentina, Vargas foi um dos jogadores mais importantes da equipe (imago/AFLOSPORT)

Em Florença, o seu poder ofensivo fez com que fosse peça importante pela esquerda no 4-2-3-1 montado por Cesare Prandelli. Em seu primeiro biênio de Fiorentina, Vargas ratificou o seu poderio ofensivo, inclusive se aperfeiçoando nas bolas paradas, e marcou gols importantes: em 2008-09, anotou nas vitórias sobre Cagliari, Roma e Torino, na reta final da Serie A, e ajudou a Viola a se classificar para a Champions League. Depois, em 2009-10, encaminhou, com outros tentos, quatro das 13 vitórias de seu time num campeonato em que os gigliati tiveram menor rendimento no certame nacional. El Loco também balançou as redes em empate no clássico contra a Juve.

Sob as ordens de Prandelli, Vargas disputou a Liga dos Campeões duas vezes naquelas temporadas, nas quais esteve entre os cinco melhores do futebol italiano em todas as funções que desempenhou: lateral ou ponta pela esquerda. O atleta peruano teve destaque na campanha europeia dos toscanos: se destacou ao marcar contra o Sporting, pelos playoffs da Champions League; ao converter uma cobrança de pênalti no triunfo sobre o Lyon, na fase de grupos; e por dar início à vitória por 3 a 2 sobre o Bayern Munique, na fatídica eliminação nas oitavas de final.

A história mostra que Juan não era único só no que tange ao futebol. Ninguém é conhecido como El Loco à toa e o peruano extravasava originalidade em seus gestos. Ainda na época de Sicília, ficou marcado por trocar selinhos com o atacante Gionatha Spinesi depois de alguns gols marcados. Pela Viola, não se furtava de ficar somente de cuecas depois de algumas partidas vencidas: atirava os uniformes para a torcida. Esses episódios o tornaram uma figura carismática e, ao mesmo tempo, travessa.

Vargas defendeu a Fiorentina por seis anos, no total, mas viveu mesmo os seus melhores momentos enquanto foi comandado por Prandelli. Após 2010, quando o técnico rumou à seleção italiana, o peruano teve uma leve queda de rendimento, como toda a equipe, e deixou de ser titular absoluto. Mas, até 2012, transformou em hábito colocar diversas bolas na cabeça de Alberto Gilardino, tabelar com Stevan Jovetic e marcar em chutes indefensáveis de longa distância.

Descartado por Montella, o jogador peruano foi emprestado ao Genoa, clube em que não rendeu (imago/HochZwei/Syndication)

No último dia de mercado de verão de 2012, El Loco foi cedido por empréstimo ao Genoa, que vinha lutando contra o rebaixamento. A temporada 2012-13 dos rossoblù foi uma verdadeira bagunça e Vargas pouco se encontrou: inclusive, atuou muitas vezes centralizado e até como volante, repetindo uma experiência malsucedida em Florença, e entregou um desempenho apagado. Os grifoni permaneceram na elite, mas o peruano não marcou nenhum gol em 20 jogos.

De volta à Florença, Vargas não entrava nos planos do treinador Vincenzo Montella. Colocado na lista de transferências, o jogador não encontrou um novo clube e acabou permanecendo na Fiorentina para ocupar um lugar à margem do elenco – sequer foi inscrito na Liga Europa. Contudo, El Loco mostrou afinco nos treinamentos e convenceu o técnico de seu valor: logo na primeira oportunidade que recebeu, marcou um gol no empate por 2 a 2 contra o Parma.

Nas rodadas seguintes, o camisa 6 ainda marcou nas importantes vitórias sobre Milan, em San Siro, e Verona. Com experiência, virou componente da espinha dorsal da equipe violeta, mesmo que sem a potência e força de anos anteriores. Em 2013-14, ajudou a Fiorentina, que apresentava um futebol dos mais agradáveis do país, a ser quarta colocada da Serie A e vice-campeã da Coppa Italia. Acabou, então, renovando o seu contrato por mais um ano.

Em 2014-15, Vargas teve o seu ato final pela Viola. Já como reserva na campanha da equipe no certame nacional, foi mais utilizado por Montella na Liga Europa, na época pouco valorizada pelos italianos. El Loco teve excelente participação na trajetória dos gigliati: marcou nas vitórias sobre Guingamp e Paok, na fase de grupos, e anotou o tento da tranquilidade sobre o Dynamo Kyiv, nas quartas de final. Nas semis, a Fiorentina perdeu para o Sevilla, que se viria a ser o campeão com Unai Emery. Naquele ano, os toscanos também foram semifinalistas da Coppa Italia e repetiram o quarto posto na Serie A.

Após retornar de empréstimo, Vargas ganhou novo fôlego com a camisa da Fiorentina (imago)

Dessa forma, terminava a trajetória de Vargas pela Fiorentina. Ao todo, o peruano distribuiu 27 assistências e marcou 25 gols nos 186 jogos disputados com a camisa violeta. Um desempenho de excelência, superior aos momentos muito positivos que tivera no Catania: pelos etnei, que viviam realidade bem mais modesta, contribuíra com seis tentos e oito passes-chave em 73 aparições.

Após deixar a Fiorentina, Vargas também deixou o futebol italiano. No próprio verão de 2015, o recém-promovido Betis, da Espanha, apostou na experiência de Juan e lhe ofereceu um contrato de dois anos. Na época, os espanhóis também compraram o jovem lateral-direito Cristiano Piccini junto à Viola e ele migrou com El Loco para a Andaluzia. O canhoto atuou pelos verdiblancos por apenas uma temporada e, antes de se aposentar, em 2018, teve uma nova passagem pelo Universitario, onde disputou o Campeonato Peruano e a Copa Libertadores.

Vargas não chegou a repetir o sucesso que teve na Itália na seleção peruana, mas foi importante nos quase 12 anos de militância pela Bicolor. O canhoto representou a equipe nacional em 62 partidas e marcou quatro gols. Quis o destino que ele demorasse para atuar pelo Peru em ocasiões que não fossem compromissos amistosos ou pelas eliminatórias. Em 2007, quando estrearia numa Copa América, sofreu uma luxação no cotovelo durante um treinamento e teve de ser cortado.

El Loco esteve presente na Copa América de 2011, porém – e foi nesta competição que marcou o seu gol mais importante pelo Peru. Vargas anotou o segundo tento da vitória por 2 a 0 diante da Colômbia, na prorrogação, e garantiu a Bicolor nas semifinais daquela edição. Na partida seguinte, ele foi do céu ao inferno. Ao dar uma cotovelada em Sebastián Coates, recebeu o cartão vermelho e viu caírem por terra todas as chances de recuperação dos peruanos, que já perdiam por 2 a 0 para o Uruguai. Juan manteve o seu espaço na seleção e, em 2015, contribuiu para que a Blanquirroja ficasse com o terceiro lugar na copa do continente sul-americano.

Ao longo de toda a carreira, Vargas mostrou os seus atributos com regularidade: a pontaria letal, a precisão nos cruzamentos e a enorme dedicação lhe acompanharam até o fim de sua trajetória no futebol. Não foi à toa que o peruano virou ídolo das torcidas de Catania e Fiorentina. El Loco honrou o legado deixado por Víctor Benítez e Gerónimo Barbadillo, compatriotas que também brilharam em solo italiano.

Juan Manuel Vargas Risco
Nascimento: 5 de outubro de 1983, em Callao, Peru
Posição: lateral-esquerdo e meio-campista
Clubes: Universitario (1995-2001 e 2017), Colón (2005-06), Catania (2006-08), Fiorentina (2008-12 e 2013-15), Genoa (2012-13) e Betis (2015-17)
Títulos: Campeonato Peruano (2002)
Seleção peruana: 62 jogos e 4 gols

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