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Hasse Jeppson protagonizou transação histórica e encantou a Itália com seu faro de gol

Jovem prodígio, Hans Olof Jeppson teve um começo brilhante de carreira. Com apenas 18 anos, já figurava entre os melhores jogadores de tênis da Suécia, seu país natal. Peraí, tênis? Pois é. Um dos grandes artilheiros de Atalanta e Napoli na década de 1950 dividia sua atenção com outros esportes, inclusive atrasando tardiamente a sua profissionalização para seguir com a raquete. Mesmo tendo uma carreira curta nas quatro linhas, Hasse protagonizou grandes momentos dentro delas pelo seu faro de gol contra gigantes e, extracampo, foi a principal peça de uma transação histórica que o levou a ganhar os apelidos de Mister 105 e Banco de Nápoles, numa referência às cifras milionárias investidas em sua contratação.

O escandinavo Jeppson nasceu no dia 10 de maio de 1925, na cidade de Kungsbacka, localizada a cerca de 30 quilômetros de Gotemburgo. Alternando entre futebol e o tênis, Hasse deu início a sua trajetória futebolística no modesto Kungsbacka, passando em seguida para o Örgryte. Entre 1946 e 1947, chamou a atenção do cenário nacional marcando incríveis 48 vezes em 30 partidas.

Em duas temporadas na segunda divisão, não conseguiu levar o Örgryte à elite, porém atraiu olhares do Djurgarden, time treinado por Per Kaufeldt – o maior artilheiro da história do AIK, com 122 gols. Lá, assim como nos seus primeiros passos na carreira, continuou a brincar de balançar as redes com um ótimo tutor.

Na sua campanha de estreia, em 1948-49, ajudou o time voltar à primeira divisão após o rebaixamento na liga anterior. O acesso veio com uma campanha invicta, de 17 vitórias e um empate. Jeppson jogou até 1951 na Allsvenskan, a elite sueca, sendo artilheiro na última temporada, com 17 gols, e conquistou o sexto lugar juntamente a seus companheiros.

Durante essa época, Jeppson ganhava o primeiro de muitos apelidos que o acompanhariam pela carreira: Hasse Guldfot, ou Hasse Pé de Ouro. Ao todo, marcou 58 vezes em 51 partidas pelo Djurgarden e já era considerado o sucessor de Gunnar Nordahl na seleção sueca – Nordahl era atacante do Milan e tinha sido medalhista de ouro com a Suécia nos Jogos Olímpicos de 1948, em Londres.

Devido à profissionalização, Nordahl não era mais convocado para defender as cores de seu país, pois a federação só permitia a convocação de jogadores amadores. Hans, por outro lado, não via com bons olhos a profissionalização, já que isso o impediria de seguir competindo como tenista, uma de suas maiores paixões.

Jeppson foi terceiro colocado com a seleção sueca na Copa de 1950 e, pouco depois, fechou com a Atalanta (Eco di Bergamo)

Com apenas 18 anos, em seu início de carreira nos esportes, Jeppson havia vencido o campeonato nacional estudantil de tênis e também conseguiu chegar entre os 10 melhores da modalidade no seu país. Já no futebol, também voou alto e foi convocado para seleção sueca pela primeira vez aos 24. Seu grande momento com os Blagult aconteceu na Copa do Mundo de 1950, quando marcou dois gols na vitória por 3 a 2 sobre a Itália na fase de grupos e ajudou a Suécia a ser terceira colocada no torneio, disputado no Brasil. Essa experiência internacional lhe abriu as portas em outros países.

Em janeiro de 1951, o atacante sueco recebeu uma proposta inesperada quando decidiu viajar para se aprofundar nos seus estudos de economia na Inglaterra, bancado pela empresa em que trabalhava. Enquanto assistia aos jogos do Charlton, foi abordado pelo diretor do clube, Jimmy Seed: ciente das prioridade de Hans, lhe ofereceu apenas um contrato amador para contar com os seus serviços.

O craque aceitou a proposta e, em 6 de janeiro daquele ano, se tornou apenas o segundo sueco a atuar no futebol inglês. Apesar de não ter tido grande passagem, Jeppson deixou sua marca anotando uma tripletta contra o Arsenal, em vitória por 5 a 2 contra os londrinos, e terminando com uma ótima média de gols: nove em 11 jogos. Ele permaneceu até a primavera, quando retornou ao Djurgarden por um breve período – o suficiente para negociar a sua ida para outro clube. Finalmente, Hans iria desembarcar na Itália.

Em 1951, a Atalanta de Denis Neville teve um péssimo começo de temporada, sendo, inclusive, vítima de um vareio da Juventus por 7 a 1 na quinta rodada. Dois jogos depois, a sequência negativa resultou na demissão do treinador inglês e na ascensão do ex-goleiro Carlo Ceresoli ao comando. O técnico pediu reforços para o ataque e, no fim de outubro daquele ano, Jeppson acertou com os bergamascos.

Já conhecido pela sua atuação na Copa do Mundo, Guldfot fez valer seu apelido após chegar por cerca de 30 milhões de liras: estreou marcando o gol da vitória sobre o Como e, em seus 10 primeiros jogos, já tinha sete bolas nas redes. Logo em sua primeira temporada em Bérgamo, Jeppson anotou 22 tentos em 27 partidas e ficou empatado com Renzo Burini na quarta colocação da artilharia do campeonato. Vale mencionar que ele se profissionalizou, mas conseguiu se manter legalizado para seguir no tênis. A Dea, por sua vez, escapou do rebaixamento com um 12° lugar, apenas dois pontos da zona de descenso.

A má fase da Atalanta também foi motivo de polêmica para Jeppson. Entre seus altos e baixos de uma ótima temporada, alguns rumores apontavam que o sueco estaria atuando mal de propósito para provocar o rebaixamento de seu time e, consequente, acionar uma cláusula que facilitaria sua saída para os grandes italianos. Porém, a irretocável reta final de campeonato mostrou que essa teoria não passava de mera conspiração.

Em confrontos diretos contra times da parte de baixo da tabela, na 36ª e na 37ª rodadas, o atacante marcou incríveis sete gols em dois jogos. Contra a Triestina, que terminou na zona de playoff, anotou um poker (quatro tentos) na vitória por 7 a 1. Na sequência, ante o Torino, que terminou empatado em número de pontos com os nerazzurri, guardou uma tripletta e ajudou a selar a permanência da Dea em sua última grande atuação na Lombardia.

Hasse vestiu a camisa da Atalanta apenas por uma temporada, mas marcou época pelos nerazzurri (Eco di Bergamo)

Enquanto isso, ao sul da Itália, Achille Lauro ia para a sua segunda passagem como mandatário do Napoli, em 1952. Também prefeito da cidade de Nápoles e com histórico de laços fortes com a monarquia e o fascismo italiano, que favoreceram o seu enriquecimento como empresário da indústria naval, o poderoso presidente deu ao treinador de seu clube, Eraldo Monzeglio, o poder de escolher qualquer jogador para reforçar o seu time e ele apontou para Hasse Jeppson. Não seria uma negociação nada fácil.

A Inter, também interessada nos serviços do sueco, entrava na briga pela contratação, mas sem saber do que seu adversário estava disposto a investir. Quebrando todos os parâmetros da época, Lauro pagou 75 milhões de liras pelo jogador e mais 30 milhões diretamente para o atleta em um contrato de três anos. O valor representava um novo recorde de transferências, pela primeira vez batido por um clube italiano.

O vultoso montante resultou em mais um apelido para o atleta: Mister 105, em referência aos milhões de liras envolvidas na sua contratação. Com altas expectativas da torcida, Jeppson teve uma temporada decepcionante apesar de terminar como artilheiro do time, em 1952-53. Anotando 14 gols, inclusive contra Juventus, Inter, Roma e Lazio, Hasse contribuiu para que o Napoli terminasse a Serie A em um razoável quarto lugar. Talvez o episódio mais marcante fique pelo momento cômico de sua estreia no Estádio da Libertação, onde o clube partenopeo jogava na época.

Hasse recebeu uma chegada forte de um adversário e se estatelou no chão. Aí, um torcedor azzurro gritou o que viria a se tornar o último apelido de Jeppson: “è caduto ‘o Banco ‘e Napoli!”. Na tradução literal para o português, a frase significaria “caiu o Banco de Nápoles!”, mas o idioma italiano (mais exatamente, o dialeto napolitano, neste caso) faz a sentença ter duplo sentido: “o Banco de Nápoles quebrou!”, ironizava o homem. A brincadeira pegou e, apesar de possuir um certo tom de chacota, não desmotivou os bons anos que viriam pela frente para o atacante.

Antes de sua melhor temporada com o Napoli, outro episódio curioso de sua carreira aconteceu antes do início da Serie A. Em abril de 1953, o presidente do clube de tênis napolitano consultou Lauro sobre a possibilidade de permitir que o atleta jogasse um torneio local. Houve um aceno positivo e o sueco entrou com o pseudônimo Verde, uma identidade para que sua participação passasse despercebida.

Na primeira rodada, enfrentou Horst Hermann, um dos melhores tenistas alemães da época, com participações na Copa Davis, e saiu triunfante: conseguiu a vitória por parciais de 6-3 e 6-4. No entanto, o caminho foi curto: na rodada seguinte, foi eliminado por Rolando Del Bello (6-1 e 6-3). Terminada a diversão, Jeppson volta ao futebol para sua melhor temporada na Bota.

Na Serie A de 1953-54, Hasse Guldfot desencantou para valer e anotou 20 gols, ficando atrás apenas do conterrâneo Nordahl, autor de 22 pelo Milan. Jeppson viu o entrosamento com Amedeo Amadei, Bruno Pesaola e Giancarlo Vitali melhorar, ainda que o Napoli tenha ficado num posicionamento mais baixo que o da liga anterior – abocanhou o quinto lugar. O Banco de Nápoles também registrou mais um poker na carreira, e justo contra a Atalanta: a lei do ex ajudou a garantir a vitória por 6 a 3 sobre o time de Bérgamo.

Jeppson se dedicava mais em jogos contra times grandes, como mostra este duelo num duelo entre Napoli e Milan, em 1953 (Archivio Publifoto)

A partir do ano seguinte, Jeppson começaria a decair de nível de forma mais acentuada, inclusive com problemas físicos. Fora da seleção desde que conseguiu se profissionalizar na transferência para a Dea, o atacante não tinha a cabeça 100% no futebol, tendo distrações não só com o tênis mas também com outra paixão: as mulheres.

Na reta final de sua passagem na equipe napolitana, o sueco teve desentendimentos tanto com seu treinador Monzeglio quanto com o mandatário Lauro. Sua paixão pelo tênis encontrou-se também na famosa tenista italiana à época, Silvana Lazzarino, que passou a ser mais uma de suas outras prioridades. Ao mesmo tempo, Jeppson fazia a valer a máxima de seu compatriota Lennart Skoglund, da Inter, que o definira “fenomenal tanto para marcar quanto para perder gols”. Hasse guardava os mais difíceis, mas nem sempre balançava as redes nas chances mais claras.

Hans deixaria o Napoli em 1956, com quatro temporadas de serviços prestados e nenhum título. Antes de se despedir, depois de 112 jogos e 52 gols, o sueco daria uma última alegria aos torcedores partenopei: na reta final da Serie A de 1955-56, Jeppson marcaria o único tento da vitória azzurra sobre a rival Juventus, quebrando um jejum de oito anos sem triunfos sobre a Velha Senhora em Turim. A capital do Piemonte seria justamente o seu destino. Lá, encerraria a carreira no Torino – ao menos a sua trajetória no futebol.

Vestindo a malha granata, fez uma única temporada discreta, antes de se aposentar com 32 anos. Marcando sete vezes em 19 jogos, e conhecido por crescer contra gigantes, deixou uma doppietta contra a Juventus na vitória por 4 a 1 no seu primeiro Derby della Mole. Seu último gol, ironicamente, foi contra o Napoli. Fora dos gramados, seguiu no tênis para trabalhar nos bastidores.

Jeppson se casou com a italiana Emma Di Martino e continuou a morar na Velha Bota. Fora dos campos, chegou até a trabalhar num consulado da Suécia na Itália, auxiliando na relação de comércio bilateral entre os dois países.

Em abril de 2008, Hasse foi pela primeira vez ao San Paolo, que ainda não havia sido construído nos tempos em que atuava pelo Napoli, para acompanhar uma partida do time com o qual criou maior identificação no país. Além de ser muito bem recebido, ganhou uma camisa com seu nome e o número 9, que lhe acompanhou durante toda carreira. Cinco anos depois da visita ao estádio, o economista e ex-jogador de futebol e tênis sofreu com complicações após intervenções cirúrgicas no fêmur e veio a falecer em Roma, onde morava com a esposa.

Hans Olof “Hasse” Jeppson
Nascimento: 10 de maio de 1925, em Kungsbacka, Suécia
Falecimento: 23 de fevereiro de 2013, em Roma, Itália
Posição: atacante
Clubes: Örgryte (1946-48), Djurgarden (1948-51), Charlton (1951), Atalanta (1951-52), Napoli (1952-56) e Torino (1956-57)
Seleção sueca: 12 jogos e 9 gols

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