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A marca da pantera: David Suazo deixou Honduras para entrar para a história do Cagliari

Até o presente momento, poucos jogadores das Américas Central e do Norte conseguiram se destacar na Serie A italiana. Curiosamente, a maior parte deste seleto grupo de atletas não saiu de países de futebol mais forte na região, como México, Estados Unidos ou Costa Rica. Três dos mais importantes deles saíram de Honduras: Julio César De León, Edgar Álvarez e, claro, David Suazo.

Rei David ou Pantera. A grandiloquência dos apelidos deixa clara a importância de Suazo para o futebol hondurenho. Na família, seus primos Maynor Suazo e Hendry Thomas representaram a seleção, mas foi David que realmente marcou época pelos bicolores. Embora não tenha tantos jogos pela equipe nacional (“apenas” 57), o atacante é o nono maior goleador dos catrachos, com 17 gols. Além disso, nenhum outro compatriota defendeu clubes das maiores ligas europeias por tantos anos (13).

A história de Suazo na Europa começa muito cedo, impulsionada pelo sucesso que fez em dois continentes. O atacante atuava pelo Deportivo Olimpia, maior clube de Honduras, e já somava alguns títulos locais quando, em 1999, viajou para a África juntamente com a seleção sub-20 nacional. No Mundial da categoria, disputado na Nigéria, os bicolores tinham remotas chances de avançar num grupo que tinha a Espanha de Iker Casillas e Xavi e o Brasil de Julio Cesar, Juan, Fábio Aurélio, Mancini e Ronaldinho. A lógica se confirmou e os hondurenhos foram eliminados, mas o camisa 9 catracho fez um gol e chamou a atenção do futebol europeu.

Aos 19 anos, Suazo chegou ao Cagliari por indicação do técnico uruguaio Óscar Tabárez e se tornou o primeiro hondurenho da história da Serie A. O jovem David viu o homem que o levou para a Sardenha ser demitido exatamente após o jogo de sua estreia: na quarta rodada da Serie A, o empate contra o Venezia (somado a três derrotas nas partidas anteriores) fez com que o presidente Massimo Cellino sacasse Tabárez. Com isso, Suazo recebeu poucas chances; a maioria delas depois que o rebaixamento do Cagliari, penúltimo colocado, já estava sacramentado. Em seu primeiro ano, o atacante só marcou um gol em 16 jogos.

Com a queda para a segundona, o Pantera Negra assumiu a titularidade dos casteddu. Absoluto no Cagliari, Suazo fez três ótimas temporadas na Serie B, embora o time vivesse momentos ruins e passasse longe da disputa por vagas na elite. O panorama mudou em 2003-04, quando o astro Gianfranco Zola voltou para a Itália para encerrar sua carreira no clube da Sardenha e formou uma dupla poderosa com o veloz goleador hondurenho. Com 13 gols de Zola e 19 de Suazo, o Cagliari foi vice-campeão e conseguiu o acesso à primeira divisão.

Em oito anos de Sardenha, Suazo se tornou o segundo maior artilheiro da história rossoblù (Arquivo/Cagliari Calcio)

O atacante centro-americano ficou mais três temporadas no time do estádio Sant’Elia, período em que foi a estrela da companhia e no qual o Cagliari fez campanhas razoáveis na Serie A e foi até semifinalista da Coppa Italia (em 2004-05). Entre 2005 e 2007, o Pantera chegou a ser capitão do time sardo.

As melhores atuações de Suazo aconteceram na temporada 2005-06, quando ele ajudou o Cagliari a permanecer na elite ao deixar sua assinatura contra times como Inter, Juventus e Roma e marcar 22 gols. Ao balançar as redes tantas vezes, o hondurenho superou o mítico Luigi Riva como o maior goleador do clube em uma única edição da Serie A. Na mesma temporada, Rei David ainda foi eleito o melhor jogador estrangeiro do campeonato, empatado com Kaká.

Em 2006-07, no auge físico, o Pantera Negra fez outra boa temporada pelo Cagliari e se revelou um exímio cobrador de pênaltis: dos 14 realizados na Serie A, oito saíram da marca da cal. Com estes números, se aproximou de Riva na artilharia geral dos rossoblù: o italiano é o maior goleador casteddu, com 164 tentos, seguido por Suazo, que fez 102.

Ao fim daquela temporada, o atacante foi pivô de uma novela de mercado. Desejado por Inter e Milan, Suazo chegou a fazer exames médicos para fechar com a equipe nerazzurra, conforme anunciado pelo presidente Cellino no dia 13 de junho. Dias depois, porém, o Milan publicou uma nota informando que havia chegado a um acerto com o Cagliari para contratar o hondurenho por 14 milhões de euros. Rei David, no entanto, declarou que seu desejo era o de vestir a camisa da Internazionale e os rossoneri acabaram se retirando das tratativas.

A escolha pela Inter acabou não se revelando tão feliz. A equipe, então treinada por Roberto Mancini, tinha Zlatan Ibrahimovic como titular absoluto no ataque, enquanto Suazo batalharia por espaço com Hernán Crespo e Julio Cruz pela outra vaga no setor. Mancio rodava muito o elenco e o hondurenho demorou para valorizar as chances recebidas: marcou seu primeiro apenas no nono jogo pela Beneamata, na 10ª rodada da Serie A, contra o Genoa.

Capitão do Cagliari, Suazo chamou a atenção de gigantes (imago/IPA Photo)

O Pantera Negra não conseguiu se impor diante do rodízio e teve atuações irregulares durante toda a temporada. Suazo fez 37 partidas e anotou oito gols, mas só balançou as redes na Serie A, competição que a Inter acabou faturando – e que marcou a primeira conquista do atacante em solo europeu. Soberana na Itália, a equipe nerazzurra sonhava com voos mais altos em nível continental e contratou José Mourinho para a campanha seguinte, o que afetou a condição do hondurenho no elenco. O português entendeu que Suazo não era um jogador capaz de ser útil para o salto de qualidade e o liberou para encontrar outro clube.

Os três anos seguintes foram complicados para o Rei David. Emprestado pela Inter ao Benfica, Suazo custou a encontrar espaço pelos encarnados e voltou para a Itália depois de apenas 21 partidas e cinco gols em Portugal. Suazo não achou um clube para jogar no mercado de verão de 2009 e acabou ficando na Inter, mas foi usado a conta-gotas por Mourinho. Ainda assim, pode colocar seu nome nas notas de rodapé da conquista da Tríplice Coroa.

Em janeiro de 2010, o Pantera Negra conseguiu arrumar um empréstimo de seis meses junto ao Genoa para poder ter ritmo de jogo em vistas da Copa do Mundo. Suazo fez partidas apenas medianas pelos grifoni, mas foi convocado para o Mundial sul-africano, no qual Honduras foi eliminado na fase de grupos. Devolvido à Inter ao final do contrato de cessão, o atacante passou uma temporada inteira inativo, pois nenhum clube se interessou por seu futebol.

No verão europeu de 2011, tudo parecia certo para que Suazo, então sem clube, voltasse ao Cagliari quatro anos depois. O hondurenho chegou a treinar com o grupo na pré-temporada, mas o presidente Cellino voltou atrás: “estava ouvindo o coração, mas acordei repentinamente e descobri que estava cometendo um erro”, disse o cartola.

O Pantera Negra, de fato, não mostrava condições de jogo. Tanto é que, após o desacerto com a diretoria sarda, Suazo assinou com o Catania, mas só entrou em campo seis vezes na Serie A 2011-12. E, na sequência, anunciou sua aposentadoria, com apenas 33 anos.

A Inter foi o maior clube que Suazo defendeu, mas sem obter o mesmo sucesso dos tempos de Cagliari (AFP/Getty)

Depois de pendurar as chuteiras, Suazo e o Cagliari reataram seu namoro. O hondurenho virou olheiro do clube e ganhou novas atribuições a partir de 2014, com a aquisição do clube por parte do empresário Tommaso Giulini. O ex-atacante foi colaborador da equipe profissional sarda e também treinou os times sub-15 e sub-16. Além disso, entrou para o Hall da Fama da agremiação.

Em 2017, Suazo começou o curso para treinadores profissionais da Federação Italiana de Futebol e, no início de junho do ano seguinte, recebeu sua primeira oportunidade. O hondurenho foi contratado pelo Brescia, que disputa a Serie B e é comandado por Massimo Cellino, o dirigente que havia lhe dado as primeiras chances na Europa e que, anos depois, havia vetado seu retorno ao Cagliari.

O convite para o trabalho na Lombardia não apenas restaura a relação entre os dois, mas faz de Suazo um dos dois únicos técnicos negros nas duas maiores divisões italianas. Se conseguir o acesso com as andorinhas, o ex-atacante será apenas o quarto afrodescendente a comandar um time na Serie A, após o brasileiro Cané, o italiano Fabio Liverani (treinador do Lecce, promovido para a segunda categoria) e o holandês Clarence Seedorf.

David Suazo Velásquez
Nascimento: 5 de novembro de 1979, em San Pedro Sula, Honduras
Posição: atacante
Clubes como jogador: Deportivo Olimpia (1997-99), Cagliari (1999-2007), Inter (2007-08, 2009-10 e 2010-11), Benfica (2008-09), Genoa (2010) e Catania (2011-12)
Títulos conquistados: Supercopa Hondurenha (1997), Copa Hondurenha (1998), Campeonato Hondurenho (1999), Serie A (2008 e 2010), Taça da Liga Portuguesa (2009), Coppa Italia (2010) e Liga dos Campeões (2010)
Carreira como técnico: Brescia (2018-atual)
Seleção hondurenha: 57 jogos e 17 gols

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