De 1980 a 1985, muitos anos depois da queda da monarquia italiana, o Velho Continente contou com um Rei de Roma. Este, porém, não desfilava em salões de ouro, mas em gramados cercados por quatro linhas pintadas com cal. Apesar do seu espírito de liderança, ele não era um monarca tradicional, mas um meia com uma habilidade fora de série e uma elegância ímpar. Seu nome é Paulo Roberto Falcão.
Os cinco anos de Falcão com a camisa da Roma são considerados como o período de maior prestígio da história do clube e foram suficientes para que o catarinense de Abelardo Luz, nascido em 1953, ganhasse a alcunha carinhosa da torcida giallorossa. E, claro, arregimentasse uma legião de fãs em solo italiano, que o admiram até os dias de hoje.
Em entrevista exclusiva à Calciopédia, o ex-jogador e atual treinador brasileiro resgatou curiosidades do período em que vestiu a camisa do time da capital italiana, e aproveitou para opinar sobre o presente momento do clube. Falcão elogiou a contratação do técnico José Mourinho pela Roma e declarou que a expectativa que tem para a Roma na atual temporada é a melhor possível.
Sem treinar um clube desde 2016, quando foi desligado pelo Internacional, ele ainda afirmou que planeja retornar à beira de campo e que não negaria um convite para comandar um time italiano, algo que seria inédito em seu currículo – que conta, ainda, com passagens por Sport, Bahia, América do México e as seleções do Brasil e do Japão. O ex-jogador também não descarta assumir um cargo executivo em algum clube.
Falcão ainda elogiou o momento atual vivido pelo futebol italiano, destacando o título europeu da seleção e o projeto de Roberto Mancini. O Rei de Roma, aliás, conhece Mancio de longa data. Eles foram adversários nos gramados e, em 1996, quase trabalharam juntos: naquele ano, o brasileiro ficou a um passo de treinar a Sampdoria, equipe em que o atual técnico da Nazionale construiu idolatria semelhante à angariada pelo volante na Cidade Eterna.
Além de conversar sobre temas atuais, Falcão também relembrou diversos momentos de seus tempos como jogador da Roma, como o doloroso vice da Copa dos Campeões em pleno Olímpico, o amor pela torcida giallorossa e a importância do técnico Nils Liedholm para sua vida, revelando bastidores de sua amizade com o lendário comandante.
Confira, abaixo, a íntegra da conversa com Paulo Roberto Falcão, o Rei de Roma.
Como tem acompanhado o atual momento da Roma? Acredita que, com a chegada de José Mourinho, é possível a equipe giallorossa voltar a sonhar com uma taça?
A Roma conseguiu, com a contratação de José Mourinho, um profissional de muita competência e de muita história. Consequentemente, é um profissional que entra no vestiário e o jogador sabe quem é que tá entrando, é um nome de peso, que representa muita coisa no futebol mundial. Existe um respeito geral da mídia, dos torcedores e dos próprios jogadores. Ele também conhece muito o futebol italiano pelo trabalho na Inter, embora muitos anos atrás. Sabe como gira o futebol mundial. É um profissional que deve agregar bastante.
A Roma tem chance de ganhar a Conference League?
Precisa esperar um pouco. Torço para que todos os times italianos possam chegar a um patamar ainda melhor que hoje em dia. Torço para todos, mas é evidente que mais para a Roma, por toda a história que eu tenho. Ainda é cedo para falar qual a chance que tem, vamos esperar. A expectativa é a melhor possível para a Roma e para os times italianos nas competições europeias.
Os times italianos e a própria Itália sempre foram muito conhecidos pela obediência tática, força defensiva e por suas estratégias. Acredita que isso foi um fator importante para a liga voltar a ganhar destaque nos últimos anos e até na conquista da Eurocopa?
Os times italianos estão sempre bem posicionados taticamente, a diferença é pela qualidade individual dos jogadores que cada clube tem e de repente outro não tem. Mas o esquema segue uma linha tática importante. Na Itália eu aperfeiçoei muito minha leitura de jogo. Eu já era treinador quando eu jogava.
O destaque talvez tenha sido dado pelo título da Eurocopa pela Itália, que voltou a mandar no futebol europeu em termos de seleções. Isso coloca a Itália em uma visão mundial muito importante. A Itália voltou a ser olhada com esse título de uma maneira um pouco diferente. A ótima surpresa foi o trabalho do Mancini, cercado pelos ex-jogadores que estão em sua comissão [Alberico Evani, Attilio Lombardo, Giulio Nuciari, Fausto Salsano, Gianluca Vialli e Daniele De Rossi, que saiu após a Euro].
Para um reforço ainda melhor, seria interessante que um clube italiano pudesse ser o campeão da Liga dos Campeões. O que é muito difícil, mas não impossível. Muitos times se reforçaram também. Vai ser uma luta a competição toda.
Acha que um time italiano pode ganhar a Champions?
Muito cedo para falar qual time italiano poderia lutar pelo título da Champions, mas você vê aí o time do Paris Saint-Germain com o ataque que tem. Se posicionarem bem os três ali, Neymar, Messi e Mbappé, vai ser um negócio sério [risos]. O [Manchester] United, com a chegada do Cristiano Ronaldo, vai crescer. O Bayern é sempre candidato. Tem muitos times fortes e não sei quem vai ganhar, mas de qualquer maneira, para reforçar ainda mais o bom momento italiano, seria bom um clube da Itália conquistar a taça.
Durante sua época, a rivalidade com a Juventus foi muito acirrada. Agora a Juve perdeu o Italiano depois de quase dez anos e vive uma fase conturbada. Acredita que o campeonato voltou a ficar mais competitivo?
Nesses últimos dez anos não teve nada de acirrado para a Juventus [risos]. A Juventus disparou com nove conquistas seguidas do Italiano e ninguém segurava. A Juventus é sempre um adversário forte. Nos últimos dois anos a grande sensação na minha visão foi a Atalanta, com um time bem organizado.
Vejo Napoli, Inter, Lazio, Milan, Juventus e a Roma, além da Atalanta, muito bem. Isso sem contar com outro time que pode surgir. Por enquanto não dá para cravar nada, tudo muito cedo. Me parece um campeonato muito interessante.
O Napoli vem forte, a Lazio também, pelos treinadores que têm, principalmente. O Spalletti, no Napoli, e o Sarri, na Lazio. A Inter é forte. O Milan também. É um campeonato que não dá para cravar nada para nenhum lado, está muito competitivo. O futebol italiano sempre foi muito difícil. Muitos times têm suas estruturas táticas bem colocadas e vai ser um campeonato bom, para ser acompanhado de perto.
Onde coloca a Roma?
A Roma está junto no patamar dos outros que citei.
A Roma tem histórico de contar com ídolos ou diretores nascidos na Cidade Eterna, mas hoje não há grandes ícones locais, como Totti e De Rossi. Na sua visão, como fica o clube sem esse tipo de referencial?
Eles se aposentaram já faz alguns anos. São jogadores que representaram muito para a Roma e que compuseram um momento especial do time, mas a Roma já está trabalhando há algum tempo sem eles. A Roma também já trabalhou sem Bruno Conti, que foi outro jogador importante no clube.
Eu vi o time casualmente contra o Sassuolo e foi um jogo encrespadíssimo. Muito difícil para a Roma, que venceu só no final. Mas o que me chamou a atenção é que é um time novo, com poucos jogadores conhecidos pela mídia, mas é muito organizado em campo. A surpresa foi o Sassuolo, também bem montado.
Pellegrini, que é romano, pode assumir esse posto?
O Pellegrini é um bom jogador. Vi uma jogada dele [contra o Sassuolo], em que ele recebeu uma bola dentro da área, limpou bonito e acabou chutando para fora, mas foi um lance de quem conhece e de quem sabe jogar. Também tem o Zaniolo, que está voltando depois de operar o joelho e é um jogador de que gosto muito. O brasileiro Ibañez é um quarto zagueiro com muita qualidade. É um time que está começando a caminhar, mas ainda é muito cedo para fazer uma análise muito profunda. Além disso, vai enfrentar sempre times fortes.
Sobre a Eurocopa, você visitou o CT da Inter em 2014 e encontrou o Roberto Mancini, que veio a se tornar campeão com a Itália. Como foi esse encontro e como viu o título especialmente por ele?
Em 1996, eu fui convidado para treinar a Sampdoria e o Mancini jogava naquele time. Na época, o secretário geral do clube era o Emiliano Salvarezza. Mas aí não nos acertamos. Eu vim conhecer o Mancini mesmo na Inter em 2014, quando eu trabalhava para a Fox Sports. Fazia entrevistas para o canal e uma delas foi com o Mancini. Ele me deu uma camisa e me recebeu muito bem. Inclusive conversamos sobre a história de eu poder ter sido o treinador dele na Sampdoria.
Ele fez um belíssimo trabalho na seleção e montou um time muito equilibrado. Interessante que a seleção italiana tem o Mancini como treinador e uma série de ex-jogadores na comissão, e acho isso fundamental. Gente do ramo e que conhece as dificuldades do campo, como funciona na prática. Achei legal a comissão montada.
Você foi um dos melhores meias da história do futebol. Como viu a conquista do prêmio de melhor da Uefa pelo ítalo-brasileiro Jorginho? Acha que hoje existe mais abertura para todo tipo de jogador vencer o prêmio?
Na época que eu joguei na Itália, esse título não era dado para jogadores sul-americanos, somente para europeus. Depois, lá na frente, abriu essa possibilidade. O Jorginho foi muito bem na seleção e no Chelsea, um jogador que organiza e que chama a atenção de seus companheiros. Ele tem um grande espírito de liderança, inclusive na Itália. Foi um grande ano para ele.
Quais os próximos passos do Rei de Roma? Sonha em voltar à Itália, mas dessa vez como treinador?
Na Itália talvez não tenha a necessidade de trazer treinadores de fora. Difícil isso acontecer. O Mourinho voltou agora, mas já tinha treinado a Inter. A grande maioria dos treinadores são italianos. Eles tem uma história tática e Coverciano, que é uma belíssima formação de técnicos. Talvez um estrangeiro que jogou e está há muito tempo lá possa ganhar espaço, mas é difícil. Eu não penso que a Itália se voltaria para me chamar para treinar um time, não sei se é isso que passa na minha cabeça, mas o meu objetivo é continuar no futebol e sempre preparado para isso, tentando fazer algo diferente.
Mas como posso dizer que não gostaria de treinar um time italiano? [risos]. Existe um conhecimento sobre o meu trabalho em toda a Itália e é uma coisa que me envaidece muito, e me dá a convicção de que o trabalho dentro e fora do campo foi bem feito. Faz com que a gente fique muito gratificado.
Pensa em mudar de cargo e assumir como um diretor de futebol, por exemplo?
Alguns amigos meus do futebol ficam me cutucando sobre isso [risos]. Eu olharia com carinho, principalmente se pudesse ser o responsável pela formação da comissão técnica, seguindo a política do clube. É que a política da Itália é um pouco diferente do Brasil, aqui você tem diretores e conselheiros, mas lá tem um dono do clube e alguns acionistas. Eu até acho que seria interessante porque poderia dar um auxílio para a comissão técnica e fazer uma ligação com a diretoria. Olha, você está me fazendo pensar em mais alguma coisa, viu? [risos]. Pode acontecer, sim!
Gostaria de saber um pouco mais sobre a história de você quase ter ido para a Inter. Reza a lenda que até o papa João Paulo II interferiu para o negócio não acontecer.
Nem eu sei como isso aconteceu [risos]. Eu sei porque o Giulio Andreotti, que era o primeiro-ministro na época, contou essa história em uma rádio. O papa perguntou se eu ia sair e disse que eu tinha que ficar em Roma, então o Giulio contou que ele teria ligado para minha mãe, que era muito católica, dizendo que o papa queria que o filho dela ficasse na Roma. Ele contou isso e quero crer que é verdade [risos].
Foi quando terminaram meus primeiros três anos de contrato na Roma, mas seria muito difícil eu jogar em um time que não fosse a Roma. Diria que seria impossível, pela relação que se estabeleceu entre mim, o clube e os torcedores. Poderia te dizer que seria impossível como jogador. A relação era tão forte e tão bonita que não tinha como. É uma relação que dura até hoje e que não tem explicação.
Ainda na sua época de jogador, você conquistou duas vezes a Coppa Italia e um Italiano pela Roma. O que destaca desse período?
Deveríamos ter ganho desde o primeiro ano que estive por lá. O campeonato de 1980-81 teve uma arbitragem trágica. Nós jogamos contra a Juventus, em Turim, e estávamos só um ponto atrás dela, faltando três jogos, incluindo este. Na época se jogava por dois pontos. Jogávamos dois jogos fora, um em casa e terminava o campeonato. Nós fizemos um gol, que seria o da vitória, que foi anulado de maneira escandalosa [nota: há alguns meses, contamos a história do famoso “gol de Maurizio Turone“]. Nós passaríamos um ponto na frente da Juventus. Foi uma coisa que poucas vezes eu vi. Até hoje não se sabe quem estava impedido. Isso foi muito pesado.
Uns dias depois eliminamos a própria Juventus nas semifinais da Coppa Italia, que acabamos vencendo na final contra o Torino. No ano seguinte ficamos em terceiro porque tínhamos muitos jogadores machucados. Inclusive, eu me machuquei. No outro ano nós ganhamos o Italiano e no quarto ano fomos campeões da Coppa Italia e chegamos na final da Copa dos Campeões da Europa [atual Liga dos Campeões].
Como foi vivenciar a perda da Copa dos Campeões com a Roma, em casa, na temporada 1983-84?
Na Copa dos Campeões eu tive uma dificuldade porque recebi uma pancada no joelho e fiquei alguns jogos fora. No primeiro jogo contra o Dundee United, da Escócia, na semifinal, eu não consegui jogar por lesão e perdemos por 2 a 0. Na volta tive que fazer uma injeção no joelho para jogar e ganhamos de 3 a 0. Dali até a final eu alternava: jogava e não jogava, e treinava e não treinava.
Fui jogar contra o Liverpool novamente com uma injeção, anestesiando a parte da perna que estava doendo demais. Só que, além do tempo normal, fomos para a prorrogação. Quando terminou o primeiro tempo extra, eu nem conseguia andar direito. Estamos falando de 120 minutos. Eu estaria escalado para ser o quinto batedor de pênaltis caso fôssemos para as cobranças, mesmo posição em que converti na final contra o Torino e fomos campeões. O Liedholm sempre me colocava como quinto por superstição.
Na hora dos pênaltis eu não tinha condição de bater, mas a Roma sequer bateu o quinto pênalti porque o Liverpool converteu a quinta cobrança deles, depois de termos perdido. O triste é que não consegui jogar aquela partida da final inteiro, como gostaria, tudo por causa dessa entrada forte que recebi.
Perdemos nos pênaltis em casa. Uma tristeza absurda, mas foi a primeira e até hoje única vez do clube numa final europeia. Era um momento em que, não tendo o hábito de disputar jogos assim, precisa ter experiência para jogar partidas desse tamanho e você via que o time do Liverpool estava muito mais solto, brincando, acostumados a isso. Eles já tinham três conquistas de Liga dos Campeões e tinham um timaço. Foi um jogo parelho e jogamos muito, mas eles foram mais felizes nos pênaltis, que na realidade não demonstra quem é mais competente ou não.
Qual a importância de Nils Liedholm, sueco que foi seu treinador na Roma?
Difícil de encontrar uma figura e um personagem como o Liedholm no futebol e na vida. Uma figura extraordinária, de uma inteligência e ironia ímpar. Ele era sueco de nascença, sim, mas tinha um pouco do jeito sul-americano e do italiano. Ele era dotado de muito carisma. Ele entrava num lugar e nem precisava falar.
Além de entender muito de futebol por ter jogado muita bola, era uma figura muito doce. Uma vez, inclusive, ele me disse que se via muito em mim jogando e nós falávamos muito sobre isso. Ele era de libra, assim como eu, e ele era muito supersticioso [risos]. Tanto é que se tivesse que bater um pênalti em cobranças, eu sempre seria o quinto. Ele dizia que eu tinha o 5 na camisa e que deveria fechar a disputa [risos].
Era um tipo de cara que poucas vezes conheci. Aprendi muito com ele sobre como olhar o jogo, porque ele confiava muito em mim para ter esse tipo de conversa e me deu essa abertura para falar sobre. Falávamos muito de tática. Ele sabia que eu tinha a característica de ser praticamente um treinador dentro de campo e ele queria que eu ajudasse e levasse uma forma de jogar da marcação por zona, diferente da homem a homem, que era muito frequente. Ele foi o responsável por trazer a marcação por zona na Itália, que depois o [Arrigo] Sacchi deu uma aperfeiçoada com a marcação por zona pressão. Nós não fazíamos pressão, tínhamos muita posse de bola.
Era uma figura incrível. Tanto é que, quando o Liedholm estava de saída da Roma e veio o Sven-Göran Eriksson, outro sueco com quem conversava muito taticamente, eu dei a minha camisa 5 para o Liedholm.
Quando eu cheguei na Roma, o Liedholm me perguntou com qual camisa queria jogar. Falei que se não fosse criar nenhum transtorno e constrangimento para ninguém, gostaria de jogar com a 5. Ele me deu a camisa de número 5.
Quando ele estava de saída da Roma, eu não entreguei a camisa, mas mandei entregar e escrevi algo como: “Estou mandando entregar a camisa que o senhor me deu quando eu cheguei. Não é exatamente a mesma de quando eu cheguei, mas é um símbolo. Eu não estou entregando pessoalmente porque, conhecendo o senhor e me conhecendo, para não nos emocionarmos e nos protegermos dos sentimentos, preferi apenas mandar”. Passaram-se alguns anos, eu encontro o filho dele, o Carlo, em uma cidade perto de Turim, quando trabalhava de comentarista na TV Manchete, em 1990, e eu perguntei da camisa. Ele me disse que a camisa estava em um quadro na sala do pai e que ninguém poderia tocar [risos]. Era uma figura antológica.
Na sua época, de quem você era mais próximo no elenco romanista? E como era sua amizade com o Batista, que jogava na Lazio, maior rival da Roma?
Eu tinha uma relação boa com todos lá. Os primeiros que se aproximaram para me ajudar por lá, quando cheguei, foram o Luciano Spinosi e o próprio Agostino Di Bartolomei [o capitão]. Depois eu mantive uma ótima relação com todos, porque sempre tive cuidado de mostrar que só tinha ido para ser mais um para ajudar o clube a ser campeão e evidenciar mais a Roma.
Tive a preocupação de levar aquilo que seria importante, que os próprios jogadores da época relatam, que é a mentalidade vencedora. Eu tinha ganho três títulos importantes [do Brasileirão] pelo Internacional, além dos estaduais. Isso foi muito legal. Eu fiz apenas os jogadores individualmente acreditarem mais em si mesmos. Não podíamos perder antes, mas dentro de campo, e se o adversário fosse melhor. Mas se não for melhor que a gente, nós vamos jogar o máximo que pudermos. O ambiente do futebol se cria dentro do campo. Foi legal porque conseguimos fazer grandes coisas pelo clube.
O Batista foi depois [nota: Batista jogou pela Lazio de 1983 a 1985, nos dois últimos anos da passagem de Falcão pela Roma]. Se criou uma rivalidade inventada, mas ele era meu amigo. Inclusive eu que indiquei ele para jogar nas categorias de base do Internacional, quando ele jogava no Cruzeiro do Rio Grande do Sul.
A torcida da Roma tem, como uma de suas características mais fortes, um amor incondicional pelo time. Pressionam jogadores, criticam dirigentes, cantam para ídolos, fazem “greve” e ficam sem ir ao estádio, por exemplo. Como você vê a força de atuação da torcida em relação ao time?
A torcida da Roma é fantástica. É um negócio impressionante. Nunca vou esquecer da faixa com a frase “A Roma não se discute, se ama” [nota: virou título do hino do clube]. Não precisa dizer mais nada. Eles ajudavam e não contestavam. Na época, a Roma só tinha torcida em Roma e a gente foi aumentando isso através de boas atuações em campo. A cidade de Roma passou a ser respeitada pelo futebol que o time apresentava. Isso foi muito legal.
Eu sempre lembro de uma história linda. Logo depois de termos perdido a Copa dos Campeões, fomos enfrentar a Lazio, a maior rival da Roma, e a torcida rival estendeu uma faixa escrita: “Acabou o sonho”. No mesmo momento, abre uma faixa da torcida da Roma escrita: “Certas emoções têm quem vive e quem sonha viver”. A rivalidade ficou na faixa, mas os dois foram muito criativos. Um dia perguntei para um dos que fizeram a faixa sobre como sabiam da faixa da Lazio e ele me disse: “Temos espiões” [risos].
A torcida da Roma é indescritível. Não tenho como descrever a torcida da Roma e nem descrever a relação que eu tenho com o clube. Eu saí em 1985 e desde então tem essa história e esse carinho recíproco que é sempre muito gratificante.
Recentemente você entrou no Hall da Fama da Roma e no Hall da Fama da Federação Italiana de Futebol. Como vê esse reconhecimento por parte dos italianos, inclusive pelo apelido de Rei de Roma?
De modo geral, o carinho que eu recebo vem da Itália toda, mesmo tendo atuado somente pela Roma. Sempre com muito respeito. Eu acho isso fantástico. Eu sempre tive o cuidado de respeitar todos os times e torcidas adversárias. Eram adversários, mas não inimigos. Claro que tinha rivalidade e a torcida era contra, mas nada além disso. Nunca tive nenhuma má conduta com os adversários e isso me ajudou demais com o carinho, respeito e admiração não só pelo jogador, mas pelo ser humano que eu sou. Isso é muito marcante para mim.
Falcão é uma daquelas personalidades do futebol que tem uma elegância fora do normal e que pra qualquer amante do esporte ouvi-lo é algo fundamental. Parabéns pela entrevista.