Em uma época em que telões em estádios estavam bem longe de existirem, milhares de pessoas se reuniram no Wembley, em Londres, e usaram binóculos para acompanhar a disputa da Copa Campeões de 1962-63. A partida colocava frente a frente um Milan forte em âmbito nacional, mas que ainda não tinha vencido um título europeu, e um Benfica que dominava as quatro linhas em Portugal e corria atrás do tricampeonato do continente, com sua consistência e poder ofensivo.
Pelo caminho, o Milan superou Union Luxembourg, Ipswich Town, Galatasaray e Dundee, sempre com autoridade. Já o Benfica, experiente após ter disputado – e vencido – as duas finais anteriores, precisou passar por Norrköping, Dukla Praga e Feyenoord. Na decisão, os lusófonos Eusébio e José Altafini foram os protagonistas da manhã europeia.
Uma jornada italiana em busca das glórias
Apesar das conquistas dentro da Itália, o Milan ainda não era uma potência: o esquadrão composto por nomes como Cesare Maldini e Gianni Rivera ainda iniciava a trajetória de anos de glórias no futebol internacional. Em 1958, o time fracassou ao tentar conquistar a Europa pela primeira vez. O Diavolo teve um árduo caminho na Copa dos Campeões, mas passou por Rapid Vienna, Glasgow Rangers, Borussia Dortmund e Manchester United – curiosamente, teve mais dificuldades na primeira eliminatória, diante dos austríacos. O fim da campanha, porém, foi amargo: derrota na prorrogação, de virada, para o Real Madrid de Alfredo Di Stéfano (3 a 2).
A reação do Milan não demorou muito: os anos 1960 foram dourados, ou melhor, rossoneri. Nereo Rocco chegou ao clube em 1961 e promoveu uma verdadeira revolução, com futebol baseado no catenaccio e na quebra de estereótipos. Logo em sua primeira temporada, o Parón venceu a Serie A e levou o Diavolo a ter, de longe, o ataque mais positivo da competição. Foram 83 gols anotados em 34 jogos – 21 tentos a mais do que a Roma, dona do segundo melhor desempenho no quesito.
O catenaccio e a influência no Milan
O significado de catenaccio é “ferrolho”, o que dá uma dimensão do que esse estilo de futebol prega. Já dizia Jonathan Wilson, em “A Pirâmide Invertida”: a ideia de “acorrentar” o jogo dava um ar brutal e negativo ao estilo praticado pelos italianos. Entretanto, Rocco provou que era possível ser vitorioso e ao mesmo tempo contar com uma muralha na defesa – o que não impedia o seu time de ser uma máquina ofensiva, como ficou claro na Serie A 1961-62.
Rocco não foi apenas um treinador vitorioso, mas uma grande influência para a implantação do catenaccio. Isso vinha desde os tempos de Triestina, clube de sua cidade e no qual começou a se valer dessa mentalidade para o jogo. O objetivo do esquema era sempre fechar os espaços e contar com a superioridade numérica para bater os adversários. Essa visão foi suficiente não apenas para Rocco e o Milan, mas para uma característica intrínseca ao futebol italiano: saber se defender em primeiro lugar.
O Benfica de Eusébio
O Benfica era o time do momento no início dos anos 1960. Comandados pelo húngaro Béla Guttmann, que passara pelo Milan na década anterior, os encarnados contavam com um onze inicial composto majoritariamente por atletas portugueses. E foi com a chegada do novo treinador que as Águias passaram a não apenas serem vitoriosas dentro de Portugal, mas também em âmbito internacional. Na temporada 1960-61, o Benfica conquistou sua primeira Copa dos Campeões.
No caminho, o Benfica passou por Hearts, Újpesti Dósza, Aarhus e Rapid Vienna até chegar à grande final. Do outro lado, um adversário que havia superado o grande Real Madrid, detentor de cinco títulos na época, chegava com moral ao jogo. O Barcelona chegou a abrir o placar, mas não conseguiu se manter na frente por muito tempo. José Águas, Antoni Ramallets (contra) e Mário Coluna foram os atletas que garantiram o primeiro título do time da capital portuguesa: 3 a 2 em Berna.
Na temporada 1961-62, o Benfica levantou novamente a taça. Guttmann descobriu um jogador que viria a ser um dos mais importantes da história do futebol: Eusébio. Com dois gols dele, um de Coluna, um de Domiciano Cavém e outro de José Águas, os portugueses garantiram o bicampeonato em cima do Real Madrid de Ferenc Puskás, superado por 5 a 3 em Amsterdã. Na temporada seguinte, o treinador magiar pediu aumento salarial e, após a negativa da diretoria, deixou Lisboa. Sob o comando do chileno Fernando Riera, os encarnados iriam em busca do terceiro título europeu consecutivo.
Conquistar a vitória não seria tão fácil
Quase 46 mil pessoas foram até o histórico Wembley para acompanhar a final entre Milan e Benfica, que começava às 11 horas, no horário de Londres. Todos se juntaram atrás do melhor lugar para assistirem o espetáculo entre duas equipes que, apesar de trajetórias diferentes, sonhavam com a mesma glória: a conquista da Europa. Após a troca de bandeiras entre Maldini e Coluna, a batalha em campo começou.
O pontapé inicial foi dado pelo Benfica, mas o Milan subiu com a marcação a fim de não deixar espaços para a equipe portuguesa. Porém, o ponta-esquerda António Simões aplicou velocidade numa arrancada pelo flanco e, na tentativa de um cruzamento, ganhou um escanteio após a chegada forte de Víctor Benítez. Na cobrança, a bola foi afastada pela defesa e sobrou para a finalização central de Fernando Cruz.
Logo após uma chegada forte do Milan, o Benfica abriu o placar com Eusébio, aos 19 minutos. O camisa 10 disparou em direção ao gol, deixou toda a ideia de muralha defensiva italiana para trás e mandou um chute cruzado para dentro das redes. Com os brasileiros Dino Sani e Altafini (o Mazola) em campo, a equipe rossonera seguia em busca de um equalizador e teve a chance quando David lançou na área – o centroavante sul-americano, porém, furou. O Diavolo, que apostou em muitos chuveirinhos, ainda teve muita dificuldade para conter os portugueses e contou com defesas de Giorgio Ghezzi para se manter vivo no jogo.
A reação veio na segunda etapa. David fazia sua parte pelo flanco direito, sempre visando as jogadas em velocidade para superar o adversário. No entanto, o gol saiu pelo meio. Altafini recuperou uma bola bloqueada pela defesa e deixou tudo igual com uma finalização no canto da baliza defendida por Costa Pereira. O Benfica fazia jus aos títulos conquistados nos dois anos anteriores, já que apresentava perigo em cada descida e conseguiu “destrancar” o ferrolho italiano. Apesar disso, Giovanni Trapattoni limitava os danos com uma forte marcação sobre Eusébio e contribuiu para que os rossoneri tivessem um almoço saboroso.
Na outra ponta do gramado, quem garantiu a festa foi Altafini. Durante um contra-ataque, o atacante carregou a bola livremente do meio-campo até a área, enganou Costa Pereira e anotou o seu 14º gol na competição, ampliando a sua vantagem na artilharia e decretando a virada do time italiano aos 69 minutos. A expectativa de levantar a taça crescia a cada minuto e a torcida vibrava a cada lance, cada defesa de Ghezzi e cada chegada do potente ataque milanista. No fim, não deu outra: a vitória rossonera foi consumada.
A torcida invadiu o campo enquanto um clube italiano abraçava a Europa pela primeira vez na história do futebol. Um capitão chamado Maldini, que daria origem a uma dinastia incontestável de idolatria no Milan, foi o responsável por levantar a orelhuda pela primeira vez. Cesare, ao lado de Mario Trebbi, Luigi Radice e Trapattoni, era um dos remanescentes do grupo que fora derrotado pelo Real Madrid, em 1958. Cinco anos depois, eles podiam liberar o grito de campeão que estava preso em suas gargantas.
Milan 2-1 Benfica
Milan: Ghezzi; David, Maldini, Trebbi; Benítez, Trapattoni; Pivatelli, Sani, Rivera, Mora; Altafini. Técnico: Nereo Rocco.
Benfica: Costa Pereira; Cavém, Humberto, Raúl, Cruz; Coluna, Santana; Augusto, Eusébio, Simões; Torres. Técnico: Fernando Riera.
Gols: Altafini (58’, 69’); Eusébio (19’)
Árbitro: Arthur Holland (Inglaterra)
Local e data: estádio Wembley, Londres (Inglaterra), em 22 de maio de 1963