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Borja Valero, o espanhol que se tornou ‘prefeito’ de Florença

Nas últimas horas de junho de 2021, Borja Valero anunciou sua aposentadoria dos gramados de futebol. Aos 36 anos, o meio-campista espanhol, que havia retornado à Fiorentina para encerrar a carreira, agradeceu em suas redes sociais a todos clubes que defendeu, tal qual a sua família e aos fãs em Florença. Revelado pelo Real Madrid, Valero despontou no Villarreal, mas foi na cidade símbolo do Renascimento que atingiu o ápice de seu desempenho. Além disso, a conexão estabelecida entre o jogador e a torcida violeta foi tamanha, que rendeu a ele o apelido de “Sindaco” (“prefeito”, em português).

Entre 2012 e 2017, com a malha lilás, o carequinha franzino e cerebral viveu seus melhores anos. Coração e alma de uma equipe constantemente presente no topo da tabela, Borja exibiu um estilo único, distribuiu passes para gols e bateu marcas importantes. Depois, acabou forçado a deixá-la. Se juntou à Inter por três temporadas, mas jamais esqueceu os encantos de Florença. De volta à Toscana para sua “última dança”, não conseguiu entregar grandes atuações dentro de campo pela Viola, mas somente seu retorno já foi motivo de celebração para os adeptos mais fervorosos. Como tinha de ser, Valero pendurou as chuteiras vestido com a camisa que mais defendeu na carreira, feito considerado por ele mesmo como sua “maior vitória”.

Como uma daquelas injustiças da vida, Borja Valero terminou sua trajetória de atleta sem vencer títulos importantes – quando estava no Real Madrid, não pisou no gramado quando os merengues faturaram La Liga, em 2007. O espanhol chegou perto duas vezes, como titular da Fiorentina no vice da Coppa Italia de 2013-14, e, na reserva da Inter nas campanhas de segundo posto na Serie A e na Europa League de 2019-20. Pela seleção de seu país, compartilhou o mesmo período de uma geração fantástica de meio-campistas, o que certamente limitou suas oportunidades: foram apenas 25 minutos em campo num amistoso contra os Estados Unidos, em 2011. Apesar disso, Valero foi um maestro discreto e muito eficiente enquanto seu corpo o permitiu. Com a cabeça erguida, terminou sua carreira de números relevantes sendo amado pela cidade que abraçou – e pela qual foi abraçado.

O meia espanhol chegou à Fiorentina na maturidade da carreira e rapidamente se tornou ídolo (imago/Ulmer/Lingria)

O início de carreira e a chegada à Fiorentina

“Para mim, quando era criança, o futebol era divertido, mas tudo começou a mudar quando cheguei ao Real Madrid”. Essas são palavras de Borja Valero em entrevista à Gazzetta dello Sport, em 2016. Aos 11 anos de idade, o espanhol, natural de Madri, chegou às categorias de base do gigante clube da capital, onde permaneceria por um bom tempo. Formado no Castilla, Borja conviveu com centenas de garotos que tinham o mesmo sonho que o dele – e viu muitos jamais progredirem em suas carreiras.

Pela equipe principal dos merengues, jogou somente em duas oportunidades (totalizando 46 minutos) na temporada 2006-07. Aos 21 anos, entrou em campo contra o Dynamo Kyiv, na Champions League, e diante do Écija, pela Copa do Rei. De certa forma, Valero foi mais um dos tantos jovens que não conseguiram despontar pelo Real Madrid. Em agosto de 2007, o meia assinou por cinco épocas com o Mallorca. Com o status de “jovem estrela” renegada pelo Real, foi bem em seu novo clube, atuando em 78 oportunidades, com direito a nove gols e 15 assistências. O desempenho chamou a atenção do West Bromwich, e após tentativas fracassadas do presidente do Mallorca em segurá-lo, Borjita, então, foi-se aventurar na Premier League.

No entanto, a passagem pelo futebol inglês não foi nada memorável: somou apenas três passes decisivos em 36 jogos com os Baggies e amargou o rebaixamento para a segunda divisão ao final da temporada 2008-09. Inserido em um elenco limitadíssimo, Valero chegou a ser improvisado como falso nove na equipe inglesa ao longo da campanha. Após dizer que seguiria no Bromwich, mesmo relegado à Championship, Borja voltou atrás e preferiu retornar ao Mallorca, dessa vez por empréstimo. Mais uma vez no time balear, teve atuações ainda melhores do que na primeira época, ajudando o Mallorca a alcançar a quinta colocação em La Liga uma vaga na Europa League. De quebra, seus cinco gols e nove assistências lhe renderam o prestigiado Prêmio Don Balón de melhor jogador espanhol do campeonato em 2009-10.

Sem conseguir pagar para mantê-lo em definitivo, o Mallorca devolveu Valero ao West Bromwich, algo que durou pouquíssimo tempo. Isso porque, a essa altura, diversas equipes espanholas estavam interessadas em Borja – inclusive o Barcelona, que chegou a especular sua contratação. No entanto, quem levou a melhor foi o Villarreal, que firmou um contrato de cinco anos com o meia franzino, de 1,75 m de altura, mas de técnica apurada e passes primorosos. Àquela altura, o Submarino Amarelo estava investindo alto em contratações para aprimorar o elenco. Só que a sua passagem por lá teve momentos completamente opostos.

Na primeira temporada, o Villarreal teve excelente desempenho no campeonato local, no qual conquistou a quarta colocação, e ainda alcançou as semifinais da Europa League. Entretanto, o bom momento de Valero e da equipe no geral não foi mantido para a edição seguinte de La Liga, em 2011-12. De forma inesperada, o Submarino Amarelo entrou na zona vermelha do certame somente na rodada derradeira e acabou rebaixado, em 18º lugar. Um vexame de proporções grandiosas, e que chacoalhou com todo o planejamento do clube, que contava com jogadores caros. Borja não teve um desempenho destacadamente negativo, mas acabou fazendo parte da barca que deixou a pequena cidade da província de Castellón.

Impondo respeito, Valero chegou a ser capitão da Fiorentina em algumas oportunidades (imago/Marca)

O recomeço na Fiorentina

Ainda perplexo com o rebaixamento, o espanhol chegou a Fiorentina no dia 3 de agosto de 2012. A temporada de 2011-12 havia sido caótica para a Viola. Com um elenco ruim, envelhecido e desmotivado, o time lutou até o fim da Serie A contra a queda de divisão. Para piorar, estampou as manchetes italianas por conta de uma briga bizarra entre jogador e treinador: contra o Novara, em 2 de maio de 2012, o jovem sérvio Adem Ljajic e Delio Rossi foram as vias de fato no banco de reservas, o que resultou na demissão do comandante. Diante da bagunça nos bastidores e dos pífios resultados em campo, a diretoria composta pelos irmãos Della Valle decidiu fazer uma reformulação completa pelos lados do Artemio Franchi.

O elenco foi praticamente todo alterado. E Borja Valero fez parte de um “pacotão” de reforços da Fiorentina, que buscou três atletas no rebaixado Villarreal. Além do meia espanhol, o zagueiro argentino Gonzalo Rodríguez e o atacante Giuseppe Rossi, se recuperando de lesão, trocaram o amarelo pelo violeta. Junto a eles, David Pizarro, vindo da Roma, Alberto Aquilani, do Liverpool, Matías Fernández, do Sporting, e Juan Cuadrado, da Udinese, foram outras aquisições notáveis.

Possivelmente, por conta deste grande número de contratações, Borja Valero passou despercebido à princípio. Mas não demorou nada para que o espanhol começasse a demonstrar seu valor. O time montado por Vincenzo Montella, que também chegava para o início da temporada 2012-13, era extremamente dinâmico. No meio-campo, Pizarro era o grande responsável pela saída de bola. Ao seu lado, um volante mais marcador, como Rômulo, mais “pensador” como Fernández ou finalizador, como Aquilani – que transitava bem entre defesa e ataque e pisava bastante na área ofensiva. E, claro, Valero.

Como terceiro homem no meio, Borja era figura imprescindível no esquema de Montella. O camisa 20 mesclava as características de Pizarro e Aquilani. Com um passe mais qualificado, era capaz de contribuir na construção das jogadas, ao mesmo tempo em que tinha liberdade para cair pelas beiradas. Embora não tivesse um grande arremate entre os seus principais atributos, era capaz de arrancar um drible ou outro pelos flancos.

À frente, a linha ofensiva contava com talentos jovens. Cuadrado, forte no mano a mano pelas laterais, e os balcânicos Ljajic e Stevan Jovetic, finalizadores natos. Com essa formação bastante ofensiva, a Fiorentina fez a melhor temporada de sua história na Serie A em termos de pontuação: somou 70. De qualquer forma, o quarto lugar em 2012-13 foi notável. E poderia ter sido ainda melhor, caso o Milan não tivesse virado a partida final do campeonato contra o Siena. A vitória por 2 a 1 dos rossoneri impediu a Viola de se classificar para a Champions League, mesmo goleando o Pescara, fora de casa, por 5 a 1 – naquele ano apenas os três melhores times italianos se credenciavam à disputa do torneio continental.

O ataque gigliato foi destaque em meio a essa campanha notável. Fez nada menos que 72 gols e consolidou a melhor marca do time em qualquer divisão desde 1958-59 – quando anotou impressionantes 95 tentos em 34 jogos. No centro deste sucesso ofensivo, estava Valero, com 13 assistências no campeonato e a liderança disparada da equipe neste quesito. E isso se repetiu ao longo dos anos seguintes: Borja foi também o maior garçom da Viola em três das quatro temporadas seguintes.

Valero se transferiu à Inter aos 32 anos e viveu altos e baixos pela equipe (IPA)

O destaque europeu e o vice na Coppa Italia

A dinâmica ofensiva da Fiorentina, instaurada por Montella, se manteve quase intacta por mais duas épocas em Florença. Em ambas, a equipe novamente encerrou o Campeonato Italiano na quarta posição, conseguindo o feito, portanto, por três temporadas consecutivas. A constante presença na Liga Europa também deu experiência ao time, que beliscou uma semifinal em 2014-15, deixando Tottenham e Roma pelo caminho e parando somente no vitorioso Sevilla. Um ano antes, na Coppa Italia, a Viola se beneficiou de um chaveamento amigável para chegar à decisão. Contra o Napoli, a derrota por 3 a 1 passou pela ausência de Cuadrado, suspenso, e pelos problemas físicos de Rossi, que jogou os minutos finais. Valero disputou a partida inteira e amargou o vice.

Ainda assim, sua temporada 2013-14 foi, de novo, excelente em termos de números. Além das 12 assistências, Borja também anotou sete gols, mostrando um lado seu ainda inexplorado. Àquela altura, o espanhol já havia desenvolvido um ímpeto ofensivo maior, se aproximando mais da baliza adversária e aproveitando lances de oportunismo.

Esse era o grande trunfo da Fiorentina de Montella. Com um meio-campo composto por jogadores técnicos, o trio se revezava nas investidas ao ataque. Não havia, na maioria das vezes, um volante marcador, limitado a exercer essa função, como, por exemplo, Marco Donadel ou Valon Behrami em anos anteriores. No mais, Borja também demonstrava ser um grande líder no gramado, apesar de utilizar a faixa de capitão esporadicamente. Enérgico, discutia com árbitros e não aliviava diante dos adversários – o que, muitas vezes, trazia a torcida da Viola para junto do time.

Após mais um quarto lugar na Serie A de 2014-15, Montella deixou o comando da Fiorentina. Esta foi a temporada mais fraca em termos de números para Valero, que deu apenas quatro assistências e marcou dois gols. Já sem Aquilani, Jovetic e Cuadrado, era claro que chegava ao fim o modelo de jogo notório da Viola entre 2012 e 2015. Borja, contudo, foi um remanescente e viu seu futebol crescer de novo sob o comando de Paulo Sousa.

Na temporada 2015-16, o espanhol voltou a liderar a estatística de passes para gol no time violeta. Embora o treinador português da Fiorentina também utilizasse uma linha de três na defesa, como Montella, sua equipe não tinha mais o poderio ofensivo de outrora. Para tentar dar mais qualidade no terço final do campo, Valero passou a atuar mais vezes como trequartista – e não meia central. Sendo assim, ficava mais próximo da meta rival e corria um pouco menos, já que a formação não se expunha tanto como a esquadra do antigo técnico.

De toda forma, Valero seguiu sendo útil durante 2016-17. Na tabela, o desempenho da Fiorentina já não era mais o mesmo de algumas temporadas atrás, e a sensação de que uma grande chance havia sido perdida pairava pelo Artemio Franchi. A diretoria, então, viu a necessidade de romper com certos estigmas para começar uma nova caminhada. Assim, Borja foi negociado no meio de 2017, quando já era um dos jogadores mais queridos pela torcida florentina. Foi apelidado de “Sindaco” por ser costumeiramente visto andando por Florença, visitando parques e pontos turísticos da cidade, em supermercados e até participando de ações beneficentes. Discreto, mas ao mesmo tempo muito carismático, o “prefeito” cativou muita gente por conta de seu jeito tranquilo e simplicidade ao lado da esposa, Rocío, e dos filhos Álvaro e Lúcia.

Em 2017, pouco antes de deixar a Fiorentina, Valero eternizou seu amor pela cidade na pele, com uma tatuagem no braço direito que exibe as coordenadas geográficas de Florença. Não à toa, quando os rumores de seu adeus aumentaram, a torcida da Viola foi até a frente de seu apartamento para suplicar pela permanência do ídolo. Emocionando, Borja e Rocío acenaram de volta, demonstrando que, dessa vez, ser “prefeito” não seria suficiente para determinar seu próprio futuro.

O “prefeito” Borja Valero retornou à Fiorentina para se aposentar com a camisa violeta (IPA)

Os anos de Inter e o retorno a Florença

Negociado com a Inter para a temporada 2016-17, por 5,5 milhões de euros, o espanhol – então com 32 anos – estreou pelos nerazzurri justamente contra a Fiorentina. Em San Siro, Borja levou a melhor e bateu sua antiga equipe por 3 a 0. Transitando entre a titularidade e o banco de reservas, fez 36 jogos na Serie A em sua primeira época com a gigante de Milão, mas marcou apenas dois gols.

Ao longo do tempo, Valero foi perdendo cada vez mais espaço, à medida que a idade ia lhe castigando fisicamente. Algumas pequenas lesões foram surgindo, e o meia começou a ser figura frequente na lista de suplentes. Depois de exibições ruins nas chances que teve ao longo de 2018-19, o espanhol voltou a jogar bem com Antonio Conte quando chamado em causa para substituir colegas lesionados e fez o clube chegar a cogitar a renovação do seu contrato, antes dada como muito improvável.

Borja não renovou, mas conseguiu alcançar a notável marca de 100 partidas pela Inter – a atingiu em sua derradeira aparição pelo time, diante do Napoli, na penúltima rodada da Serie A 2019-20. Um mês depois, do banco, acompanhou a derrota dos nerazzurri para o Sevilla na decisão da Liga Europa. Mais uma vez vice-campeão, se despediu da Beneamata sem deixar grandes saudades nos torcedores: afinal, fez apenas cinco gols e não contribuiu com assistências, justamente a sua especialidade.

Tão logo ficou livre no mercado, Valero começou a ser alvo de especulações quanto a um retorno nostálgico à Fiorentina, com tom de despedida. Rocco Commisso, o presidente da Viola, obteve o “sim” do espanhol, para a alegria dos torcedores em Florença. Aos 35 anos, com limitações físicas bem conhecidas, Borja seria o tutor de uma equipe jovem, já que a experiência se mesclava ao fato de que ele era um símbolo recente do clube e da cidade. Mesmo que não pudesse ajudar em campo, o meia exerceria certa influência nos bastidores. E, depois, quem sabe, teria uma vaga no corpo técnico dos toscanos.

O ano de despedida passou longe de ser marcante: no total, fez 21 partidas, sem gols ou assistências. Sem jogar os 90 minutos em nenhuma ocasião sequer, o Sindaco ainda conviveu com mais uma lesão que o afastou dos gramados entre abril e maio de 2021. Contra o Crotone, na 38ª rodada da Serie A, atuou durante a segunda etapa e fez a sua última aparição como profissional.

Após o término da temporada, criou-se a expectativa a respeito do futuro do meio-campista, que poderia renovar por mais um ano com a Fiorentina. Caso contrário, ele mesmo já havia dito que não buscaria outro time e que, portanto, se aposentaria do futebol. Foi o que aconteceu. Sem o sinal verde da diretoria a respeito de uma extensão de vínculo, Borja Valero optou por colocar um ponto final em sua trajetória como jogador. Com a camisa violeta, atuou em 233 partidas, ocupando o 26º posto no ranking do clube e o quarto entre os estrangeiros – atrás apenas de outros ícones, como Kurt Hamrin, Gabriel Batistuta e Rui Costa. Pelos gigliati, Borjita marcou 17 gols e forneceu 45 assistências.

O prefeito interrompeu as suas atividades, mas permanece em Florença. Como ele mesmo disse em seu anúncio de despedida dos campos, continuará a ver os fãs pela cidade. Resta saber se é de interesse do espanhol se manter próximo ao futebol e ao clube, como tantos outros jogadores importantes da história da Fiorentina fizeram. Até porque, em meio a uma temporada turbulenta, sem público nos estádios, mas com incertezas quanto ao comando técnico e a atenção geral pela reconstrução do elenco, a sua aposentadoria, infelizmente, acabou ficando em segundo plano. De qualquer forma, Valero é uma lenda da Viola; um dos gigantes de sua história.

Borja Valero Iglesias
Nascimento: 12 de janeiro de 1985, em Madri, Espanha
Posição: meio-campista
Clubes: Real Madrid (2004-07), Mallorca (2007-08 e 2009-10), West Bromwich (2008-09), Villarreal (2010-12), Fiorentina (2012-17 e 2020-21) e Inter (2017-2020)
Títulos: Euro Sub-19 (2004) e La Liga (2007)
Seleção espanhola: 1 partida

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