Jogos históricos

O melhor Hamburgo da história relegou uma Juve recheada de craques ao vice europeu, em 1983

Se em sua primeira final da Copa dos Campeões, a Juventus deu azar de enfrentar o histórico Ajax de Johan Cruyff, na seguinte, uma década depois, a sorte não sorriu novamente para os bianconeri. Um dos mais tradicionais times alemães, o Hamburgo, vivia seus tempos dourados, nos quais era impensável cogitar seu rebaixamento para a segunda divisão da Bundesliga. Em 1980, o HSV não foi páreo para o Nottingham Forest na decisão da competição. Amadurecido e com o seu melhor plantel em toda a sua existência, triunfou sobre a Vecchia Signora, que não fez valer o elenco recheado de figuras lendárias.

A base bianconera, então bicampeã italiana, contava com o mitológico goleiro Dino Zoff em sua última temporada como profissional. Na defesa, outro personagem icônico: o líbero Gaetano Scirea, que liderava a linha formada ainda por Sergio Brio, Antonio Cabrini e Claudio Gentile. No meio-campo, Marco Tardelli e Massimo Bonini davam o suporte necessário para Michel Platini, Zbigniew Boniek e Roberto Bettega brilharem na frente. E, claro, também para Paolo Rossi, o carrasco da seleção brasileira e ídolo nacional, colocar as bolas nas redes. Desde 1976, o time era treinado por Giovanni Trapattoni.

O começo do caminho da Juventus foi tranquilo. Enfrentando o Hvidovre, da Dinamarca, na primeira eliminatória, uma goleada por 4 a 1 fora de casa praticamente sacramentou a classificação. Na sobra de um escanteio, Platini abriu o placar. E antes dos 15 minutos do segundo tempo, Rossi e Brio ampliaram. No fim do confronto, Cabrini fez o quarto, porém, Henrik Jensen diminuiu a dura derrota com uma bela jogada. Na volta, o festival de gols – 3 a 3 – serviu de um bom espetáculo a quem foi ao Comunale de Turim.

Contra o Standard Liège, a Juve conseguiu um bom empate por 1 a 1 na Bélgica, com um gol de cabeça de Tardelli. O tento fora de casa já obrigava o adversário a correr atrás do resultado na Itália. Duas semanas depois, a sensacional doppietta de Rossi foi o ponto alto do retorno – e mais do que suficiente para garantir a vaga dos bianconeri nas quartas de final.

Os capitães Hrubesch e Zoff trocam flâmulas antes da decisão (imago)

O Aston Villa, adversário seguinte da Juve, era o detentor do título europeu. No entanto, vivia o primeiro ano de sua decadência, pouco após o auge de sua história – os leões terminaram rebaixados para a segunda divisão em 1987. Foi o único duelo com duas vitórias dos bianconeri. Na bola área mortal do futebol de Trapattoni, mais uma vez Rossi apareceu, abrindo o placar marcando pela quarta vez na competição. Gordon Cowans chegou a empatar, também de cabeça, no Villa Park. Porém, perto do fim, Boniek recebeu uma assistência mágica de trivela, por parte de Platini, e deu números definitivos à partida.

O craque francês estava muito a fim de jogo contra os leões de Birmingham. Marcando mais duas vezes na segunda partida, ajudou a construir o triunfo por 3 a 1. Mais discreto nas semis, contra o Widzew Lódz, time anterior de Boniek, Michel viu Tardelli e Bettega abrirem uma vantagem de dois gols na ida, possibilitando que a Juve pudesse apenas segurar um empate por 2 a 2 na volta, em Turim, e garantisse a vaga na finalíssima.

O oponente vivia uma crescente. Sob o comando do austríaco Ernst Happel, o Hamburgo era campeão alemão e havia batido na porta de duas finais continentais: perdeu a Copa do Campeões para o Nottingham Forest de Brian Clough, em 1980, e a Copa Uefa, em 1982, para o IFK Göteborg, da Suécia, dirigido por Sven-Göran Eriksson. Desta vez, mais sóbrios e experientes, os germânicos superaram Dynamo Berlin (3 a 1 no placar agregado), Olympiacos (5 a 0), Dynamo Kyiv (4 a 2) e Real Sociedad (3 a 2) para enfrentar a Juventus na decisão.

Logo no início, um belo chute de Magath encobriu Zoff e encaminhou a vitória do Hamburgo sobre a Juventus (imago)

Em Atenas, capital da Grécia, a maior parte da torcida era italiana e o favoritismo recaía sobre os bianconeri, mas isso não foi problema para Felix Magath, o grande craque do Dino. Se, em 1973, o Ajax precisou de quatro minutos para abrir o placar que sacramentou o primeiro vice da Velha Senhora, em 1983 a derrota também foi construída antes dos 10.

Os italianos chegaram primeiro, com uma excelente defesa de Uli Stein em uma cabeçada forte de Bettega. No troco, o craque Magath mostrou porque é o maior de todos os tempos do HSV: carregando pela esquerda, acertou um chute de rara felicidade, indefensável. A bola morreu no ângulo de Zoff, surpreendido pela trajetória em diagonal. O arqueiro até ameaçou pular, mas nunca chegaria. Um toque de magia do camisa 10 alemão.

A equipe de Trapattoni se enrolava com a bola. Scirea quase cometeu um pênalti aos 12 minutos, depois de perder a posse próximo à linha de fundo. Mais confortáveis, os alemães não faziam questão de ter muita pressa, enquanto os bianconeri tentavam transições mais rápidas.

Boniek foi um dos jogadores mais ativos da Juventus na decisão contra o Hamburgo (imago/Colorsport)

O segundo quase saiu na bola parada. Em levantamento dentro da área, Manfred Kaltz emendou um arremate cruzado que ia no cantinho, mas Boniek intuiu a trajetória da pelota e cortou em cima da linha. A pressão do Hamburgo era constante e contrastou com uma chance esporádica da Juventus, aos 18 minutos: Platini mergulhou de cabeça e Stein conseguiu segurar a finalização de forma tranquila, apesar de ter sido efetuada de curta distância. E isso fez bem para a Juve.

Crescendo no jogo, novamente a equipe italiana chegou com perigo, na tentativa de igualar o placar. Cabrini aproveitou a espirrada de um cruzamento para emendar de primeira, com a esquerda. Ali, sim, o goleiro alemão foi exigido de forma contundente e fez uma ponte plástica, evitando o empate. Depois, o Hamburgo chegou a ter um gol de Wolfgang Rolff anulado por impedimento – contudo, os atacantes Horst Hrubesch e Lars Bastrup estavam apagados na peleja.

Perto do intervalo, os ânimos se esquentaram. Cabrini, que já havia levado uma dura entrada, devolveu o troco com um carrinho forte em Jürgen Groh. Os dois se estranharam e terminaram amarelados por Nicolae Rainea. O lateral-esquerdo ainda deu tapa na cara do adversário que, obviamente, valorizou a jogada.

Rossi foi o artilheiro da competição, mas teve atuação apagadíssima na final de Atenas (imago)

Tudo estava em aberto para o segundo tempo. Por conta das faíscas entre os jogadores, o árbitro chegou a pedir calma aos dois times antes de apitar o início da reta final. Pelo lado da Juve, a torcida se empolgou rapidamente, com dois lançamentos terminados em impedimento logo nos primeiros cinco minutos, e um arremate de Cabrini, que exigiu bons reflexos de Stein.

Apesar de precisar do resultado, Trapattoni efetuou uma substituição ousada: sacou Rossi e colocou Domenico Marocchino na ponta, centralizando Bettega no ataque. A verdade é que o grande artilheiro do torneio, com seis gols marcados, estava completamente irreconhecível e não tinha participado da partida até ali.

Sem estar satisfeito com o golaço, Magath quase anotou outro antológico, aos 58 minutos. Dando uma levantadinha na pelota antes de finalizar a cerca de 25 metros, o camisa 10 acertou uma sapatada, que passou zunindo sobre o travessão de Zoff. O goleiro não ia chegar na bola, definitivamente.

Platini bem que tentou, mas não conseguiu evitar a derrota da Juventus para o Hamburgo, na Grécia (Getty)

Faltando pouco tempo para o fim da partida, Boniek arriscou um chute perigoso, que foi para fora. Depois, Platini conseguiu desviar um cruzamento na área e tentou chapelar o goleiro. Entretanto, o seu movimento não foi perfeito e Stein se recuperou na jogada, trombando com o francês. A torcida, em maior parte italiana, não gostou da decisão da arbitragem de não marcar um pênalti no lance – nem o próprio camisa 10 bianconero, que reclamou veementemente.

Apesar das tentativas da Juventus, por muito pouco não saiu o 2 a 0 do Hamburgo. Em ótima troca de passes, Groh tabelou com Rolff e saiu cara a cara com Zoff. O arqueiro da Juve esperou até o último momento antes de se mexer para fazer a defesa, dando ainda esperanças de um ataque final para a Velha Senhora. Porém, a bola caiu nos pés do HSV, e Magath levou azar ao tentar colocar no ângulo, tendo apenas o goleiro em sua frente, e arrematou por cima da baliza.

Estava consumada a segunda frustração para a Juventus na final da competição mais cobiçada pelos bianconeri, e nem mesmo o título da Coppa Italia, obtido cerca de um mês depois, teria efeito compensatório. A torcida fanática do Hamburgo pode celebrar sua primeira – e única, até aqui – Copa dos Campeões. Somente dois anos depois chegaria a vez do clube italiano, que bateu o Liverpool e conseguiu levantar o troféu num dia triste – o da tragédia de Heysel.

Hamburgo 1-0 Juventus

Hamburgo: Stein; Hieronymus; Kaltz, Jakobs, Wehmeyer; Groh, Rolff, Milewski; Magath; Bastrup (Von Heesen), Hrubesch. Técnico: Ernst Happel.
Juventus: Zoff; Gentile, Brio, Scirea, Cabrini: Tardelli, Bonini; Bettega, Platini, Boniek; Rossi (Marocchino). Técnico: Giovanni Trapattoni.
Gol: Magath (9’)
Árbitro: Nicolae Rainea (Romênia)
Local e data: estádio Olímpico, Atenas (Grécia), em 25 de maio de 1983

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