Se em sua primeira final da Copa dos Campeões, a Juventus deu azar de enfrentar o histórico Ajax de Johan Cruyff, na seguinte, uma década depois, a sorte não sorriu novamente para os bianconeri. Um dos mais tradicionais times alemães, o Hamburgo, vivia seus tempos dourados, nos quais era impensável cogitar seu rebaixamento para a segunda divisão da Bundesliga. Em 1980, o HSV não foi páreo para o Nottingham Forest na decisão da competição. Amadurecido e com o seu melhor plantel em toda a sua existência, triunfou sobre a Vecchia Signora, que não fez valer o elenco recheado de figuras lendárias.
A base bianconera, então bicampeã italiana, contava com o mitológico goleiro Dino Zoff em sua última temporada como profissional. Na defesa, outro personagem icônico: o líbero Gaetano Scirea, que liderava a linha formada ainda por Sergio Brio, Antonio Cabrini e Claudio Gentile. No meio-campo, Marco Tardelli e Massimo Bonini davam o suporte necessário para Michel Platini, Zbigniew Boniek e Roberto Bettega brilharem na frente. E, claro, também para Paolo Rossi, o carrasco da seleção brasileira e ídolo nacional, colocar as bolas nas redes. Desde 1976, o time era treinado por Giovanni Trapattoni.
O começo do caminho da Juventus foi tranquilo. Enfrentando o Hvidovre, da Dinamarca, na primeira eliminatória, uma goleada por 4 a 1 fora de casa praticamente sacramentou a classificação. Na sobra de um escanteio, Platini abriu o placar. E antes dos 15 minutos do segundo tempo, Rossi e Brio ampliaram. No fim do confronto, Cabrini fez o quarto, porém, Henrik Jensen diminuiu a dura derrota com uma bela jogada. Na volta, o festival de gols – 3 a 3 – serviu de um bom espetáculo a quem foi ao Comunale de Turim.
Contra o Standard Liège, a Juve conseguiu um bom empate por 1 a 1 na Bélgica, com um gol de cabeça de Tardelli. O tento fora de casa já obrigava o adversário a correr atrás do resultado na Itália. Duas semanas depois, a sensacional doppietta de Rossi foi o ponto alto do retorno – e mais do que suficiente para garantir a vaga dos bianconeri nas quartas de final.
O Aston Villa, adversário seguinte da Juve, era o detentor do título europeu. No entanto, vivia o primeiro ano de sua decadência, pouco após o auge de sua história – os leões terminaram rebaixados para a segunda divisão em 1987. Foi o único duelo com duas vitórias dos bianconeri. Na bola área mortal do futebol de Trapattoni, mais uma vez Rossi apareceu, abrindo o placar marcando pela quarta vez na competição. Gordon Cowans chegou a empatar, também de cabeça, no Villa Park. Porém, perto do fim, Boniek recebeu uma assistência mágica de trivela, por parte de Platini, e deu números definitivos à partida.
O craque francês estava muito a fim de jogo contra os leões de Birmingham. Marcando mais duas vezes na segunda partida, ajudou a construir o triunfo por 3 a 1. Mais discreto nas semis, contra o Widzew Lódz, time anterior de Boniek, Michel viu Tardelli e Bettega abrirem uma vantagem de dois gols na ida, possibilitando que a Juve pudesse apenas segurar um empate por 2 a 2 na volta, em Turim, e garantisse a vaga na finalíssima.
O oponente vivia uma crescente. Sob o comando do austríaco Ernst Happel, o Hamburgo era campeão alemão e havia batido na porta de duas finais continentais: perdeu a Copa do Campeões para o Nottingham Forest de Brian Clough, em 1980, e a Copa Uefa, em 1982, para o IFK Göteborg, da Suécia, dirigido por Sven-Göran Eriksson. Desta vez, mais sóbrios e experientes, os germânicos superaram Dynamo Berlin (3 a 1 no placar agregado), Olympiacos (5 a 0), Dynamo Kyiv (4 a 2) e Real Sociedad (3 a 2) para enfrentar a Juventus na decisão.
Em Atenas, capital da Grécia, a maior parte da torcida era italiana e o favoritismo recaía sobre os bianconeri, mas isso não foi problema para Felix Magath, o grande craque do Dino. Se, em 1973, o Ajax precisou de quatro minutos para abrir o placar que sacramentou o primeiro vice da Velha Senhora, em 1983 a derrota também foi construída antes dos 10.
Os italianos chegaram primeiro, com uma excelente defesa de Uli Stein em uma cabeçada forte de Bettega. No troco, o craque Magath mostrou porque é o maior de todos os tempos do HSV: carregando pela esquerda, acertou um chute de rara felicidade, indefensável. A bola morreu no ângulo de Zoff, surpreendido pela trajetória em diagonal. O arqueiro até ameaçou pular, mas nunca chegaria. Um toque de magia do camisa 10 alemão.
A equipe de Trapattoni se enrolava com a bola. Scirea quase cometeu um pênalti aos 12 minutos, depois de perder a posse próximo à linha de fundo. Mais confortáveis, os alemães não faziam questão de ter muita pressa, enquanto os bianconeri tentavam transições mais rápidas.
O segundo quase saiu na bola parada. Em levantamento dentro da área, Manfred Kaltz emendou um arremate cruzado que ia no cantinho, mas Boniek intuiu a trajetória da pelota e cortou em cima da linha. A pressão do Hamburgo era constante e contrastou com uma chance esporádica da Juventus, aos 18 minutos: Platini mergulhou de cabeça e Stein conseguiu segurar a finalização de forma tranquila, apesar de ter sido efetuada de curta distância. E isso fez bem para a Juve.
Crescendo no jogo, novamente a equipe italiana chegou com perigo, na tentativa de igualar o placar. Cabrini aproveitou a espirrada de um cruzamento para emendar de primeira, com a esquerda. Ali, sim, o goleiro alemão foi exigido de forma contundente e fez uma ponte plástica, evitando o empate. Depois, o Hamburgo chegou a ter um gol de Wolfgang Rolff anulado por impedimento – contudo, os atacantes Horst Hrubesch e Lars Bastrup estavam apagados na peleja.
Perto do intervalo, os ânimos se esquentaram. Cabrini, que já havia levado uma dura entrada, devolveu o troco com um carrinho forte em Jürgen Groh. Os dois se estranharam e terminaram amarelados por Nicolae Rainea. O lateral-esquerdo ainda deu tapa na cara do adversário que, obviamente, valorizou a jogada.
Tudo estava em aberto para o segundo tempo. Por conta das faíscas entre os jogadores, o árbitro chegou a pedir calma aos dois times antes de apitar o início da reta final. Pelo lado da Juve, a torcida se empolgou rapidamente, com dois lançamentos terminados em impedimento logo nos primeiros cinco minutos, e um arremate de Cabrini, que exigiu bons reflexos de Stein.
Apesar de precisar do resultado, Trapattoni efetuou uma substituição ousada: sacou Rossi e colocou Domenico Marocchino na ponta, centralizando Bettega no ataque. A verdade é que o grande artilheiro do torneio, com seis gols marcados, estava completamente irreconhecível e não tinha participado da partida até ali.
Sem estar satisfeito com o golaço, Magath quase anotou outro antológico, aos 58 minutos. Dando uma levantadinha na pelota antes de finalizar a cerca de 25 metros, o camisa 10 acertou uma sapatada, que passou zunindo sobre o travessão de Zoff. O goleiro não ia chegar na bola, definitivamente.
Faltando pouco tempo para o fim da partida, Boniek arriscou um chute perigoso, que foi para fora. Depois, Platini conseguiu desviar um cruzamento na área e tentou chapelar o goleiro. Entretanto, o seu movimento não foi perfeito e Stein se recuperou na jogada, trombando com o francês. A torcida, em maior parte italiana, não gostou da decisão da arbitragem de não marcar um pênalti no lance – nem o próprio camisa 10 bianconero, que reclamou veementemente.
Apesar das tentativas da Juventus, por muito pouco não saiu o 2 a 0 do Hamburgo. Em ótima troca de passes, Groh tabelou com Rolff e saiu cara a cara com Zoff. O arqueiro da Juve esperou até o último momento antes de se mexer para fazer a defesa, dando ainda esperanças de um ataque final para a Velha Senhora. Porém, a bola caiu nos pés do HSV, e Magath levou azar ao tentar colocar no ângulo, tendo apenas o goleiro em sua frente, e arrematou por cima da baliza.
Estava consumada a segunda frustração para a Juventus na final da competição mais cobiçada pelos bianconeri, e nem mesmo o título da Coppa Italia, obtido cerca de um mês depois, teria efeito compensatório. A torcida fanática do Hamburgo pode celebrar sua primeira – e única, até aqui – Copa dos Campeões. Somente dois anos depois chegaria a vez do clube italiano, que bateu o Liverpool e conseguiu levantar o troféu num dia triste – o da tragédia de Heysel.
Hamburgo 1-0 Juventus
Hamburgo: Stein; Hieronymus; Kaltz, Jakobs, Wehmeyer; Groh, Rolff, Milewski; Magath; Bastrup (Von Heesen), Hrubesch. Técnico: Ernst Happel.
Juventus: Zoff; Gentile, Brio, Scirea, Cabrini: Tardelli, Bonini; Bettega, Platini, Boniek; Rossi (Marocchino). Técnico: Giovanni Trapattoni.
Gol: Magath (9’)
Árbitro: Nicolae Rainea (Romênia)
Local e data: estádio Olímpico, Atenas (Grécia), em 25 de maio de 1983