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Romeo Benetti encarnou os papeis do bom, do feio e do vilão em seu faroeste particular

Era 20 de outubro de 1945, na cidade de Albaredo d’Adige, uma comuna com cerca de 5000 habitantes localizada na província de Verona, na região do Vêneto. Um município pequeno e pacato, que fora assolado pela Segunda Guerra Mundial, quando ali se instalaram tropas nazistas que ocuparam a ponte sobre o rio Adige e que, em sua retirada, violentaram civis locais. Naquele dia e local, nasceram gêmeos, últimos de oito irmãos. A menina foi batizada como Giulietta e o menino, claro, ganhou o nome de Romeo, em alusão ao casal da famosa tragédia do escritor inglês William Shakespeare, ambientada justamente na província onde viviam os recém-nascidos. O homem Romeo Benetti, contudo, seria muito menos romântico do que seu xará ficcional.

Força, robustez, seriedade e dureza são características que fizeram parte da personalidade, inclusive futebolística, do jogador que viria a ser um dos meio-campistas mais notórios da Itália na década de 1970. Com esses atributos e o seu famoso e espesso bigode ao estilo do ator Lee Van Cleef, Benetti encarnou muito mais as características dos protagonistas (tanto os anti-heróis quanto os vilões) dos famosos faroestes italianos, os chamados spaghetti westerns. Esses filmes explodiram nas décadas de 1960 e 1970, com suas violentas histórias de sobrevivência de pistoleiros, xerifes e bandidos em meio a ambientes inóspitos e normalmente abalados por conflitos territoriais – verdadeiras releituras cinematográficas dos horrores da Segunda Guerra e de seus efeitos na Itália.

O gênero se tornou aclamado pelas mãos de Sergio Leone, diretor italiano de uma das maiores obras da época: “Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo”, cujo título no Brasil fugiu da tradução literal (“O bom, o mau e o vilão”) e foi “Três Homens em Conflito”. O filme, produzido em 1966, narra a história de três pistoleiros que disputam um tesouro escondido no meio do deserto, em plena Guerra Civil dos Estados Unidos. A mesma década de 1960 e também a de 1970 viram a estreia e a ascensão de Benetti no futebol italiano, onde desempenhou o papel de bom, feio e vilão de acordo com o que cada partida pedia – o que lhe rendeu várias atuações com a camisa da seleção italiana e muitos títulos da mais alta importância com Juventus e Milan.

A preparação do astro

Romeo Benetti teve que passar por um longo processo de lapidação antes de estrear nos grandes palcos do futebol italiano. Nascido em família simples, teve que ser dedicado nos estudos e, já aos 14 anos, trabalhava em uma gráfica na cidade de Bolzano. Ainda na escola, já demonstrava extrema disciplina e paixão pelo futebol, além de exibir forte capacidade física e a sua característica mais marcante com a bola no pé: o chute violento como um tiro de um pistoleiro do oeste selvagem.

O jovem amava a bola e queria seguir a carreira do irmão mais velho – o ponta Bruno Benetti, que fez carreira nas divisões inferiores e teve breve passagem pela Fiorentina. Romeo aproveitou a oportunidade quando um olheiro se interessou por seu futebol e o levou para iniciar a trajetória na inóspita Serie D. A sua estreia se daria pelo modesto Bolzano, clube local, na temporada 1963-64. Apesar de time biancorosso não ter alcançado o acesso, Benetti se destacou, balançando as redes 10 vezes em 32 partidas.

Ao menos individualmente Romeo foi promovido, pois atuou na temporada 1964-65 pelo Siena, na Serie C, divisão em que ainda atuaria por mais duas campanhas. Benetti até interessou ao Foggia, da elite, mas como perderia alguns meses de 1965 no serviço militar obrigatório, acabou acertando com o Taranto. Pelos bianconeri, fez sete gols em 31 partidas e pelos rossoblù, somou 11 tentos em 63 jogos.

Movido para função mais recuada no meio-campo, Benetti passou a se destacar no Milan e virou carrasco da Inter (imago/Buzzi)

Atuando como segundo atacante nesse início de carreira, Benetti foi angariando respeito dos adversários, que tinham dificuldade em ganhar divididas contra um jogador com jeito de durão, que sempre entrava firme e era dono de uma potência impactante em ambos os pés. Na temporada 1967-68, o vêneto foi contratado pelo Palermo por 50 milhões de liras e fez parte da excelente campanha dos rosanero, sendo um dos pilares da equipe que foi campeã da Serie B e acabou promovida para a divisão de elite do futebol italiano. Pelo clube siciliano, Romeo fez três gols em 37 jogos e esteve presente em 35 das 40 partidas da Serie B. Considerado um dos melhores jogadores do certame, chamou a atenção da Juventus, que o contratou para disputar a Serie A em 1968-69.

Na Juventus, Benetti chegou correspondendo às expectativas, jogando boa parte das partidas na Serie A e também na Coppa Italia, torneio onde teve uma de suas melhores exibições nessa primeira passagem pela Velha Senhora. Em jogo contra a Sampdoria, anotou uma tripletta na vitória por goleada por 5 a 0 – e já tinha marcado um gol no torneio, na primeira partida contra o Foggia. Na Serie A, disputou 24 das 30 jornadas possíveis, anotando uma vez. Ao fim da temporada, entre o desinteresse do técnico Heriberto Herrera e a antipatia dos líderes daquele elenco bianconero, como Sandro Salvadore, Giampaolo Menichelli e Luis del Sol, o introspectivo e lacônico Romeo se despediu de Turim rumo ao clube contra o qual tinha feito sua atuação de destaque na temporada, a Sampdoria.

No clube genovês, guardou dois gols em 27 partidas pela Serie A e anotou outros dois pela Copa Italia, em 1969-70. Com apenas 24 anos, Benetti já somava passagens por seis clubes diferentes. Não à toa era conhecido na imprensa local como uma espécie de valdevino do futebol italiano, que não criava identidade com clube ou cidade alguma. A fama reforçada pela forma como jogava: Romeo era um verdadeiro gladiador, que lutava pela bola a partida inteira e entrava duro em qualquer disputa, sem proferir muitas palavras ou reclamações em campo. Corria para todo lado e, por vezes, rompia o esquema tático preestabelecido em prol do controle da pelota.

Sem esbanjar simpatia e diplomacia, Benetti sobrava em doação. Somada à sua juventude e talento, essa característica encheu os olhos de Nereo Rocco, técnico do Milan, particularmente em uma partida contra os rossoneri. Na ocasião, Benetti ganhou uma dividida contra três jogadores milanistas: ninguém menos que os defensores Giovanni Trapattoni e Karl-Heinz Schnellinger e o goleiro Fabio Cudicini, que ficaram no chão, nas palavras do próprio Romeo, “como pinos de boliche derrubados”. Ali mesmo Rocco se agitou e pediu do banco de reservas que contratassem o meia-atacante blucerchiato.

Até mesmo os mais tenazes bandoleiros do faroeste que percorriam cidades em busca de recompensas e missões, em algum momento encontravam um lugar em que queriam ficar por mais tempo e fincar raízes. Para aquele másculo jovem de Albaredo d’Adige, Milão seria essa localidade a partir de 1970.

Em Milão, o meio-campista bigodudo ganhou destaque internacional com o título da Recopa Uefa (imago)

Romeo, o bom

Não há dúvidas de que foi em Milão que Romeo Benetti mostrou o seu melhor futebol, encontrando a sua posição e se projetando internacionalmente. Ao chegar ao Milan, foi de pronto adaptado pelo técnico para jogar mais recuado no meio-campo, o que se constituiu em uma grande virada na sua carreira. Naquele setor, equilibrava robustez defensiva, capacidade de trocar passes com agilidade e a incrível facilidade de pisar no ataque.

Como regista arretrato, ou seja, como um articulador de jogadas que atuava mais perto da linha de defensores, Benetti teria suas características aproveitadas de maneira mais eficiente e viveria o seu auge. Nos anos seguintes, o meio-campo do Milan seria sustentado pela sua segurança e a habilidade de Gianni Rivera, em uma simbiose que anos mais tarde Stefano Borgonovo definiria em livro como “água de colônia misturada com sangue”.

Já no início da temporada 1970-71, a sua importância para o Milan foi consolidada. O seu primeiro gol na Serie A, em primorosa cabeçada, foi marcado ironicamente contra a Samp, seu ex-clube. Nos dois jogos seguintes, em vitória por 2 a 0 contra a Juventus e no triunfo por 3 a 0 contra a Inter, Benetti deixaria uma assistência em cada partida. Ao fim da campanha, o meio-campista já colecionava seis gols e cinco passes decisivos na primeira divisão italiana, enquanto na Coppa Italia tinha anotado três tentos e cedido cinco assistências. Apesar do início avassalador de Romeo, em companhia de lendas como Pierino Prati, Rivera e Trapattoni, os rossoneri terminaram com dois amargos vices nas competições.

Em 1971, o meio-campista já era uma realidade, notabilizada pela forte aplicação tática e, sobretudo, pela virilidade com a qual derrubava adversários nos gramados e pelos tiros poderosos de pé direito e esquerdo. Não à toa, ganhou o apelido de Panzer, em referência aos tanques de guerra alemães da Segunda Guerra: ao longo dos anos foram comuns os tentos anotados com canhões de média e longa distância por Benetti.

Sua mira ficava bastante apurada em duelos tensos e ele marcaria assim em um Derby della Madonnina de 1972, que terminou em 1 a 1 pela Serie A. Foi o seu primeiro gol contra a Inter, fato que se tornaria comum daí em diante: nos 19 jogos que disputou contra os nerazzurri enquanto vestiu a camisa do Diavolo, Romeo anotou cinco gols e deu quatro assistências.

Nessa temporada, a de 1971-1972, o scudetto não veio – como não viria em suas seis temporadas com a camisa rossonera. Mas, ainda assim, o Panzer conseguiria o seu primeiro título pelo Milan: o da Coppa Italia, competição em que foi decisivo, principalmente na fase de grupos que antecedia a final. Naquela etapa, garantiu um empate por 1 a 1 com o Torino ao chamar a responsabilidade e converter uma cobrança de pênalti, além de ter sido o autor da assistência para o gol decisivo de Alberto Bigon contra a Inter. Na finalíssima, os milanistas fizeram 2 a 0 contra o Napoli.

Com uma projeção tão fantástica, a convocação para a seleção italiana não demoraria. Ainda em setembro de 1971, Benetti fora convocado por Ferruccio Valcareggi para estrear pela Nazionale, em amistoso contra o México. No mesmo ano, a Itália terminou em primeiro lugar do seu grupo das eliminatórias da Eurocopa, certame em que Romeo disputou duas partidas, contra Áustria e Suécia. Avançando em seu grupo, a Squadra Azzurra foi às quartas de final em 1972 e enfrentou a Bélgica em partidas de ida e volta por uma das vagas no quadrangular final da Euro. O meio-campista jogou a segunda peleja, que começou com gol de pênalti de Luigi Riva, mas aquela boa geração belga virou o placar e eliminou a Itália – no fim, seria vice-campeã do torneio, perdendo para a Alemanha de Gerd Müller.

Benetti não se firmou em Turim numa primeira passagem, mas retornou ao Piemonte para fazer história nos anos 1970 (Arquivo/Juventus)

No Milan treinado por Cesare Maldini, 1972-73 seria fantástico. Já no início da temporada, na partida de volta contra o Differdange, clube de Luxemburgo, válida pela Recopa Uefa – disputada pelos campeões das copas nacionais –, Benetti anotou um golaço em chute de longa distância e deu uma assistência para Luciano Chiarugi marcar. Pela competição, o Milan ainda passaria por Legia Varsóvia, Spartak Moscou (com o único gol da partida de ida marcado por Romeo) e Sparta Praga. Na final, derrotou o Leeds por 1 a 0, em um jogo que, por conta das muitas disputas físicas e até violentas, terminou com duas expulsões. Em muitos desses duelos corpo a corpo, Benetti estava presente, usando da sua imposição física e abusando dos seus característicos tackles, fossem eles na bola ou nas pernas dos adversários.

Se na final da Recopa o Panzer usou sua força bruta, na final da Coppa Italia da mesma temporada ele esbanjou eficiência no ataque, quando arquitetou sua grande vendetta contra aquela Juventus que não tinha aproveitado seu talento anteriormente. Na decisiva partida do torneio, a Velha Senhora estava vencendo por 1 a 0 quando, aos 40 minutos, Benetti converteu pênalti que igualou o placar.

Como vingança é um prato que se come frio, o jogo foi decidido nas penalidades e o meio-campista foi um dos cinco cobradores rossoneri que balançaram as redes, sendo protagonista no título de bicampeão da Coppa Italia, conquistado pelo Milan contra a forte Juventus de Helmut Haller, Pietro Anastasi, Antonello Cuccureddu, Roberto Bettega e companhia. Na Serie A, o clube lombardo terminaria pela terceira temporada consecutiva com o vice, novamente com apenas um ponto atrás da Juve, como já tinha acontecido em 1971-1972.

Com a camisa da seleção italiana, Benetti disputou a Copa do Mundo de 1974 e anotou o terceiro gol da Nazionale na vitoriosa estreia, num 3 a 1 contra o Haiti. Após um cruzamento afastado pela defesa haitiana, a bola sobrou para o Panzer, que dominou de pé direito: de fora da grande área, em sua finalização característica, emendou um forte tiro, que morreu nas redes após desvio na zaga adversária. Apesar da boa estreia, a Itália seria eliminada ainda na fase de grupos, após empate com a Argentina e derrota para a Polônia de Grzergorz Lato. Ainda assim, as boas partidas de Romeo pela Itália fariam dele um dos remanescentes do elenco – e um dos cinco que disputariam o Mundial de 1978.

Pelo Milan, as temporadas de 1973-74, 1974-75 e 1975-76, embora individualmente muito boas para Benetti em termos de atuações, gols e assistências, não trouxeram títulos – o Diavolo terminou a Serie A em nono, quinto e terceiro, respectivamente. Em 1973-74, na disputa pela Supercopa Uefa, os rossoneri amargariam ainda uma clamorosa derrota por 6 a 0 para o Ajax e seriam vice-campeões da Recopa, perdendo a final por 2 a 0 para o Magdeburgo. Aqueles anos viam a ascensão de uma poderosa Juventus. Uma Juve que não desprezaria novamente o talento de Romeo: em 1976, retornaria a Turim, em negociação que levava Fabio Capello para Milão.

Dotado de muita virilidade e técnica, Benetti mandou no meio-campo de uma Juventus multivencedora (Arquivo/Juventus)

Romeo, o feio e o vilão

Se Benetti possuía os ótimos atributos de um certeiro e firme atirador do Velho Oeste, trazia consigo também as características mais brutas do arquétipo. No Milan, ficou famosa a sua reputação de jogador inescrupuloso, que entrava em disputas de bola para levar a melhor, sem amansar para o adversário – o que impunha um misto de medo e respeito aos jogadores que o enfrentavam.

Os apelidos pelos quais era chamado falam por si: El Tigre, Gladiador, Rocha, Animal e até mesmo Assassino. Um dos mais icônicos foi cunhado pelo jornalista Gianni Brera, que o chamou de Maultier, em alusão a uma invenção de guera nazista: um caminhão com eixo traseiro de um tanque de guerra, capaz de se mover pelo rigoroso inverno russo. Eram tantas as alcunhas que Romeo poderia até se esquecer de seu nome.

Tais epítetos revelam que, ao lado das qualidades criativas e de definição de Benetti, o controle de meio-campo exercido por ele passava também pelo jogo duro e, por vezes, violento – embora Romeo nunca tenha sido expulso em sua carreira. Tais características eram reconhecidas até mesmo por outros jogadores que se destacaram pelo jogo físico, como Giuseppe Furino. O famoso (e também durão) meio-campista que marcou época na Juventus entre 1969 e 1984 revelou em entrevista como era lidar com El Tigre como adversário dentro de campo.

“Benetti era um jogador muito duro. Quando jogávamos contra o Milan, eu marcava Rivera e Capello ficava com Romeo. Uma vez, antes de um jogo, Salvadore nos disse que a gente teria que fazê-lo entender o que era jogar contra a Juventus. Então nos pediu que, durante a partida, alguém o desequilibrasse enquanto outro jogador lhe daria uma entrada forte e foi o que fizemos, mas Benetti era muito forte”, conta o ex-capitão juventino.

“Ele apenas levantou sem fazer expressão de aborrecimento, bateu o pé duas, três vezes no gramado e continuou a jogar como se nada tivesse acontecido”, completou o volante. Segundo Furino, dali em diante, ninguém mais chegou perto de Benetti depois daquilo. Se o Maultier despertava esse tipo de comportamento de respeito num marcador que, durante a sua carreira, ficou conhecido como “Fúria”, o que seria capaz de despertar em jogadores de esquadras mais modestas?

Entretanto, o jogo bruto e frio de Benetti lhe trouxera a aura de vilão em uma partida contra o Bologna, válida pela Serie A da temporada 1970-71, quando chegou atrasado e de forma altamente perigosa em uma dividida e quebrou o joelho do jogador Francesco Liguori, que quase encerrou a carreira ali e só voltou aos gramados em 1972 – sem que, no entanto, retomasse o nível anterior. Liguori lesionou o menisco interno, a cápsula posterior e os ligamentos cruzados e colaterais da articulação direita.

O fato extrapolou as quatro linhas e Benetti foi denunciado ao Ministério Público de Milão e também foi alvo de um relatório policial enviado ao Tribunal Distrital de Bologna. Em entrevista ao Guerin Sportivo, perguntado sobre a ocasião, não demonstra muito arrependimento: “O futebol é feito de contrastes. Em todos os jogos, eram onze adversários que queriam vencer o Benetti, sempre: sabiam que me matando teriam resolvido um grande problema. Sabe quantos conseguiram? Nenhum. Nunca me machuquei”. Pela resposta, se percebe o quanto seu estilo de jogo mais agressivo se dava também por uma questão de sobrevivência e adaptação a um futebol de muito contato e de muita força na década de 1970 na Itália.

Pela seleção, Benetti disputou as Copas de 1974 e 1978, ambas como protagonista (imago)

O camisa 10 bianconero e da Nazionale

Com o histórico de bom, mau e feio, Romeo chega à Juventus de Trapattoni para comandar o meio-campo de um time muito forte. O vêneto vestiria a 10, que pertencia a Capello, e atuaria em uma trinca central com Furino e Marco Tardelli, municiando um trio de ataque com alto poder de fogo composto por Bettega, Franco Causio e Roberto Boninsegna. O time conquistou a Copa Uefa de 1976-77 com importante contribuição de Benetti, que jogou todas as partidas e marcou dois gols, um contra o Manchester United, no jogo de volta da segunda fase, e outro contra o Magdeburgo, na ida das quartas de final.

Na Velha Senhora, o meio-campista conquistou também o seu primeiro scudetto também na temporada 1976-77, quando terminou a Serie A com 29 partidas jogadas e quatro gols, um deles inclusive contra o Milan, seu antigo clube. Em um clássico que a Juventus venceu de virada por 3 a 2, o Panzer anotou o segundo gol do time bianconero.

Ainda assim, esse não seria o tento inesquecível marcado por Benetti naquela temporada, mas sim o golaço que anotado contra a Fiorentina, em partida vencida pela Juve por 3 a 1. Em cobrança de falta de Tardelli, a bola voou na direção da defesa da Fiorentina e o goleiro da Viola, Massimo Mattolini, espalmou para fora da grande área. Dali mesmo, sem deixar a bola quicar, Benetti acertou um canhão de canhota, que foi parar no fundo das redes. A obra de arte recebeu o prêmio de gol mais bonito da temporada, mas no fim das contas, a grande comemoração do Panzer foi maior pela contribuição dada ao título: arrebatadora, a equipe de Turim conquistou 51 dos 60 disponíveis.

A dose seria repetida em 1977-78, quando os bianconeri se faturaram novamente a Serie A, com Romeo terminando a temporada com oito gols, somando todas as competições. Além disso, o ano de 1978 também foi um marco para o Maultier, já que ele foi convocado para a Nazionale treinada por Enzo Bearzot para disputar a Copa do Mundo. Naquele Mundial, a Itália começou em um grupo complicado, no qual enfrentou a França de Michel Platini, a Argentina de Mario Kempes e uma modesta Hungria.

A Itália de 1978 tinha como base a Juventus, era uma seleção bastante renovada e contava com jogadores jovens que estavam em alto nível, como Gaetano Scirea, Claudio Gentile, Antonio Cabrini, Tardelli e Paolo Rossi. A essa talentosa juventude, somava-se a experiência de Dino Zoff, Bettega, Causio e do próprio Benetti, que vestiu a camisa 10. A Squadra Azzurra disputou a fase de grupos de forma empolgante e venceu os três confrontos, com Benetti fazendo seu típico golaço na vitória por 3 a 1 contra a Hungria, em uma bomba de pé direito efetuada a partir da meia-lua. No quadrangular final, contra Áustria, Alemanha Ocidental e Holanda, a Nazionale não faria feio. Empatou sem gols com os alemães, venceu os austríacos pelo placar mínimo e foi para o último jogo, contra a Laranja Mecânica, para disputar a vaga na final do torneio.

Embora sem Johan Cruyff, o carrossel holandês ainda funcionava de maneira eficiente e contava com a base vice-campeã em 1974, com Ruud Krol, Johan Neeskens, Rob Rensenbrink, Johnny Rep, Willy van de Kerkhof e outros. Logo aos 18 minutos de partida, Ernie Brandts fez um gol contra, colocando a Itália na frente – resultado que os azzurri conseguiram segurar durante a primeira etapa. Para Benetti, no entanto, o primeiro tempo terminou de maneira negativa. Aos 40 minutos, após fazer falta em Rep, o italiano levou o seu segundo cartão amarelo na Copa, o que significava sua suspensão automática para a próxima partida, fosse ela a disputa por terceiro lugar ou a própria final.

Seria um mau agouro, pois no segundo tempo a Holanda voltou melhor e empatou logo nos minutos iniciais, com um chute de fora da área, à Benetti, do mesmo Brandts que havia feito contra. A Nazionale tentou parar o ritmo da partida com várias faltas, criou algumas chances, mas sem sucesso. Aos 75, Arie Haan acertou um verdadeiro petardo de longa distância, noutra grande ironia para Romeo, e definiu o placar final. A Itália ainda perderia por 2 a 1 para o Brasil na disputa do terceiro lugar, assistida por Romeo de fora do campo, e ficaria em quatro no torneio. Foi a última Copa do Mundo de El Tigre, que ainda disputaria a Eurocopa de 1980.

Na fase final de sua carreira, Benetti conquistou títulos na Roma do sueco Liedholm (Rivista La Roma)

O belo fim de carreira de Romeo

O Maultier ainda ficou em Turim por mais uma temporada, a de 1978-79, mas já em fase descendente. Aos 33 anos, seu físico não era o mesmo de antes, tanto pela idade quanto pelo esforço exigido por seu estilo de jogo lutador. Ainda assim, foi titular da equipe bianconera e, em 1979, rumou para o último desafio da carreira, na Roma do técnico Nils Liedholm. Em 1979-80, o vêneto compôs um forte meio de campo com Carlo Ancelotti e Agostino Di Bartolomei, servindo um ataque comandado por Bruno Conti e Roberto Pruzzo. Naquele time, Benetti foi essencial na conquista da primeira das duas taças seguidas que a loba capitolina conquistou na Coppa Italia.

Do alto dos seus 34 anos, fez partidas notáveis contra o Milan, no jogo de ida das quartas de final da Coppa de 1979-80, e também contra a Ternana na semifinal do mesmo torneio: anotou um gol em cada uma dessas partidas. Benetti fez também uma grande final contra o Torino, cuja definição ocorreu nas penalidades.

Na temporada 1980-81, passou a maioria dos jogos no banco de reservas (afinal, havia chegado na Roma um mágico Paulo Roberto Falcão), mas na Coppa Italia jogou as quartas contra a Fiorentina e a decisão, novamente contra o Torino, quando formou um icônico quarteto de meio-campo com Di Bartolomei, Ancelotti e Falcão. O título de bicampeão veio também nos pênaltis. Dessa forma, Benetti se despedia dos gramados da melhor forma, conquistando títulos. Sua carreira pela seleção terminara um ano antes, quando defendeu a Itália na Eurocopa de 1980.

Aquela Euro foi disputada em solo italiano, o que garantiu à Nazionale uma vaga direta na fase final. Diferentemente das edições anteriores, quando apenas quatro seleções participavam, a versão de 1980 contaria pela primeira vez com oito seleções, divididas igualmente em dois grupos. A Itália disputou o torneio com a base que havia jogado a Copa de 1978, adicionando alguns jovens talentos, como Giuseppe Baresi, Alessandro Altobelli e Fulvio Collovati. Romeo Benetti fazia parte da turma mais experiente, junto com Causio, Bettega e o interminável Zoff. Ainda se tinha a vantagem da continuidade do trabalho de Bearzot como técnico.

No grupo da seleção italiana estavam Inglaterra, Bélgica e Espanha. Defensivamente, a Itália fez uma competição exemplar. Em seus três jogos na chave, não levou nenhum gol. A defesa, que era composta por Gentile, Scirea e Collovati, dava segurança atrás, contando com a marcação dura no meio exercida pelo próprio Benetti. Por outro lado, o sistema ofensivo da Nazionale não foi dos melhores, com apenas um gol anotado por Tardelli na fase de grupos.

Esse desequilíbrio custou caro, pois tendo empatado com a Espanha em 0 a 0, vencido os ingleses por 1 a 0 e empatado a última partida com a Bélgica, também sem gols, a Itália perdeu a vaga na final para os Diabos Vermelhos justamente no critério dos gols marcados, visto que as seleções tinham a mesma quantidade de pontos. Na disputa pelo terceiro lugar, a equipe da casa foi derrotada nos pênaltis pela Checoslováquia, após empate por 1 a 1 em tempo normal. Como seu último tiro certeiro pela seleção, Benetti converteu a sua penalidade. O Panzer se despedia da Squadra Azzurra sem ser campeão, mas podendo se orgulhar de ter contribuído com o amadurecimento de jogadores que, em 1982, fariam os italianos serem tricampeões mundiais.

Romeo deixou a Nazionale após a disputa da Euro 1980 (imago/WEREK)

Em 1981, Benetti se despediu da Roma e do futebol. Com um feito a mais: conseguiu atuar em todos os clássicos que envolviam uma mesma cidade italiana na época. Entrou em campo pelos dérbis de Turim, Gênova, Milão e, por último, da Cidade Eterna. Poucos conseguiram tal feito.

Como técnico, Romeo trabalhou na Primavera da Roma já na temporada 1981-82. Lá conquistou a Copa Viareggio, em 1983, e o nacional sub-19 do ano seguinte. Após essas conquistas com os giallorossi, assumiu como treinador do time principal da Cavese na temporada 1984-85, na Serie C1, onde não obteve sucesso. Em janeiro de 1986, dirigiu-se para o comando técnico do Carrarese, em substituição aolendário Corrado Orrico. Benetti manteve a equipe toscana na Serie C1 e garantiu a continuidade no cargo para o campeonato de 1986-87, no qual acabou vendo seu time ser rebaixado para a quarta divisão. Encerrou, ali, sua trajetória como treinador de clubes. Porém, entrou no estafe ddas seleções de base italianas e da escola de treinadores de Coverciano, onde teve alunos como Massimiliano Allegri e Antonio Conte.

Como qualquer protagonista das histórias de faroeste, Romeo Benetti reuniu muitas contradições em sua carreira. Exuberantes recursos técnicos misturados a brutalidade; ar taciturno e o hobby de criar canários de canto; constantes foguetes disparados dos seus pés e classe finíssima para encontrar colegas em campo; capacidade defensiva em seus carrinhos contrastando com o talento ofensivo e assistências precisas; entradas duríssimas de um lado, nenhum cartão vermelho recebido do outro. Tudo isso era Benetti.

Tantas dualidades habitavam o jogador que foi ídolo em Milão, bandido em Bolonha, xerife em Turim e um experiente delegado em Roma. Ao fim de tudo, sobrava sempre a sua enorme qualidade dentro de campo. Em 2008, o tablóide britânico The Sun fez uma lista com os jogadores mais difíceis de todos os tempos, na qual Benetti ficou em quarto. Já em 2018, o Daily Mail colocou o meio-campista entre os 20 jogadores europeus mais duros da história. Herói e vilão, criativo e destruidor, tranquilo e agressivo, brutamontes e mágico. Difícil rotular quem nasceu Romeu e, loirinho nos gramados pesados do futebol italiano de outrora, se tornou uma espécie de pistoleiro sem nome. Bang bang.

Romeo Benetti
Nascimento: 20 de outubro de 1945, em Albaredo d’Adige, Itália
Posição: meio-campista
Clubes como jogador: Bolzano (1963-64), Siena (1964-65), Taranto (1965-67), Palermo (1967-68), Juventus (1968-69 e 1976-79), Sampdoria (1969-70), Milan (1970-76) e Roma (1979-81)
Títulos como jogador: Serie A (1977 e 1978), Serie B (1968), Coppa Italia (1972, 1973, 1979, 1980 e 1981), Recopa Uefa (1973) e Copa Uefa (1977)
Clubes como técnico: Roma (sub-19; 1981-84), Cavese (1984-85) e Carrarese (1986-87)
Títulos como técnico: Copa Viareggio (1983) e Campeonato Primavera (1984)
Seleção italiana: 55 jogos e 3 gols

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