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De prodígio a príncipe: a trajetória de Kaká no Milan

No último final de semana, o mundo do futebol se despediu de Kaká, que decidiu encerrar sua carreira, aos 35 anos. O craque foi perseguido por problemas físicos na parte final de sua trajetória como profissional, mas sempre será lembrado pelos grandes momentos que teve com a camisa do Milan, clube com o qual chegou ao topo da Itália, da Europa e do mundo, tanto em nível coletivo quanto individual. Kaká, inclusive, foi o último brasileiro a ser ídolo dos rossoneri e o principal jogador de uma geração milanista absolutamente vitoriosa.

Kaká teve um início de carreira marcado por uma ascensão meteórica. Em 2000, quando tinha 18 anos, precisou superar uma fratura na espinha dorsal, que quase o deixou paraplégico, e no ano seguinte já estreava pela equipe profissional do São Paulo. Em menos de um mês, o meia-atacante marcou gol e quebrou tabu no clássico contra o Santos, anotou duas vezes em dois minutos, virou o jogo sobre o Botafogo e deu o primeiro Torneio Rio-São Paulo para o tricolor.

Galã e bom moço, o sucessor de Raí ainda voaria nos dois anos seguintes. Kaká disputaria o Mundial Sub-20 pela Seleção, ganharia as primeiras convocações para a seleção principal, faria parte do elenco do pentacampeonato canarinho em 2002 e também seria eleito o Bola de Ouro do Brasileirão do mesmo ano. Com 21 anos recém-completados, em agosto de 2003, o Milan pagaria 8,5 milhões de euros para contar com o garoto prodígio. O brasileiro chegava com a chancela de Leonardo, que havia sido seu companheiro no São Paulo e era muito respeitado em Milão.

Houve quem acreditasse que Kaká pudesse ser emprestado antes de poder se juntar ao elenco do Milan, mas Carlo Ancelotti logo descartou a possibilidade. Don Carletto sabia do potencial do garoto, por quem a história de amor dos torcedores começou cedo: ainda em sua primeira temporada no clube, em 2003, o jovem meia superou Rui Costa e Rivaldo em número de camisas vendidas. Ali já dava para perceber o surgimento de um novo xodó rossonero, que rapidamente deixaria o status de prodígio para integrar a realeza do clube. Logo em seu primeiro dérbi de Milão, peitou Kily González e marcou um gol na vitória por 3 a 1: uma bela maneira de iniciar sua contagem de gols pelo Diavolo. Kaká deixaria o dele outra vez no clássico do segundo turno.

Kaká comemora o seu primeiro gol pelo Milan, justo no dérbi (AFP/Getty)

Em seu primeiro ano vestindo rossonero, Ricky (como ficou conhecido pela torcida) não desbancou Rui Costa somente em venda de camisas. Kaká ganhou massa muscular, aliou a potência física a seu talento, rapidamente se adaptou à nova realidade e desenvolveu aquilo que se tornaria sua marca registrada: as arrancadas. Com sua velocidade, começou a ser utilizado mais vezes do que o português no 4-3-2-1 de Ancelotti e terminou a temporada como titular e protagonista do Milan, com arranques fundamentais para a transição de jogo da equipe de Ancelotti.

Kaká foi peça importante para o scudetto que o Milan conquistou em 2004, com 11 pontos de vantagem sobre a Roma, segunda colocada. Em 30 partidas na Serie A, o brasileiro marcou 10 gols e foi o terceiro artilheiro do time, ficando atrás apenas de Jon Dahl Tomasson (12) e Andriy Shevchenko (24). Oito destes tentos foram marcados a partir da 15ª rodada, época em que o Diavolo tomou a liderança e arrancou rumo ao título. Graças a este desempenho, o Ricky foi escolhido como melhor estrangeiro e melhor jogador do campeonato.

Tão importante quanto Dida, Cafu, Paolo Maldini, Andrea Pirlo, Gennaro Gattuso e Clarence Seedorf, Kaká manteve o ótimo nível do ano de debute e fez parte da campanha do vice-campeonato europeu em 2004-05: o Milan abriu 3 a 0 sobre o Liverpool, mas viu os Reds protagonizarem o “milagre de Istambul” e lhe superar nos pênaltis. Após ser eleito outra vez como melhor estrangeiro da Serie A (graças aos 14 gols anotados em 2005-06) e também como melhor meia da Europa, o brasileiro acabou por se tornar o grande nome dos rossoneri após a venda de Shevchenko para o Chelsea, em 2006. Antes disso, não conseguiu evitar o naufrágio da Seleção na Copa do Mundo, disputada na Alemanha.

Kaká é o segundo maior goleador brasileiro no Dérbi de Milão, ao lado de Ronaldo: ambos têm cinco gols (Omega)

Após voltar da fracassada campanha do Brasil no Mundial, Kaká jogou seu melhor futebol pelos rossoneri. Ricky e conduziu o Milan ao título da Liga dos Campeões de 2007, mesmo após a punição que o clube sofreu por envolvimento no Calciopoli. Com 10 gols, Kaká foi o artilheiro e o melhor jogador da competição: pudera, marcou gols e decidiu a classificação do Milan contra o Celtic, nas oitavas, o Bayern de Munique, nas quartas, e o Manchester United, nas semifinais. Na final, não deixou a sua marca, mas mereceu todos os aplausos possíveis por fazer a equipe italiana ir à forra diante do Liverpool, em vitória por 2 a 1.

As atuações memoráveis, com arrancadas imparáveis pelo meio e chutes incríveis do meio da rua, lhe renderam o título de melhor jogador do mundo em 2007. Além de ter sido o último brasileiro a receber a premiação da Fifa, Kaká foi o último jogador a ter a honra de ser considerado como o melhor do globo antes de Cristiano Ronaldo e Messi darem início a sua era de competição.

Embora o Milan tenha sido campeão europeu – e depois tenha garantido o título mundial, sobre o Boca Juniors, com mais um gol de Kaká –, as consequências econômicas do Calciopoli atingiram a agremiação. Em 2007-08 e 2008-09, os rossoneri não tiveram desempenho tão forte na Serie A e em outras competições, mas Kaká continuou em alta. O brasileiro anotou 15 gols no Italiano e, com 19 no total, igualou a marca de 2005-06, a melhor da carreira. Na seguinte, Ricky foi o autor de 16 tentos no campeonato e foi o artilheiro do time.

O assédio de clubes europeus mais endinheirados só aumentava e Kaká conquistava a torcida após recusar as ofertas que chegavam: duas vezes, multidões se reuniram na frente de sua casa em Milão para convencê-lo a ficar. Em janeiro de 2009, o brasileiro quase foi negociado, de fato. O Manchester City ofereceu um valor entre 100 e 120 milhões de euros pelo brasileiro, que foi aceito pelo Milan, mas Kaká optou por ficar no clube que amava após a transferência parecer certa. No entanto, cinco meses depois, a situação ficou insustentável e Ricky, a contragosto, deixou o Diavolo para se transferir ao Real Madrid. A transação foi avaliada em cerca de 67 milhões de euros.

Meia-atacante brasileiro foi o último “melhor do mundo” antes de Cristiano Ronaldo e Messi se alternarem no posto (AFP/Getty)

Na Espanha, Kaká nem de longe repetiu o bom futebol dos tempos de Milão. Pelos merengues, nunca conseguiu espaço cativo no time titular, principalmente por causa de problemas físicos, que comprometeram a continuidade de sua carreira: além de uma cirurgia no joelho, o brasileiro sofria com pubalgia crônica. Tais questões não o impediram de ser convocado para a Copa de 2010, mas mudaram drasticamente as suas características e diminuíram o tempo em que ele conseguiu render em seu mais alto nível.

Após quatro anos em que nunca conseguiu ser realmente “galático”, Kaká retornou ao Milan em 2013, no último dia da janela de transferências. Em um equipe redimensionada técnica e economicamente, Ricky seria uma espécie de salvador da pátria, um farol de experiência e qualidade técnica, que tentaria guiar os rossoneri a um caminho de dias melhores.

O brasileiro chegou com status de vice-capitão, conseguiu jogar em quase todas as partidas na temporada e marcou nove gols, mas não tirou o Milan da mediocridade: o Diavolo foi apenas oitavo colocado na Serie A e foi eliminado nas quartas de final da Coppa Italia e nas oitavas da Liga dos Campeões – na ocasião, foi goleado pelo Atlético de Madrid, vice-campeão do torneio.

Ao final da fraca temporada do Milan, Kaká e o clube optaram por antecipar em um ano o término do contrato que os ligava. Com isso, o meia-atacante encerrou sua trajetória pelo Diavolo com 307 partidas e 104 gols: Ricky é um dos 30 jogadores que mais vezes vestiram a camisa rossonera e é o nono maior artilheiro da história do clube. Carrasco da Inter, com cinco gols anotados em clássicos, Kaká está empatado com Ronaldo como o segundo maior artilheiro brasileiro do Derby della Madonnina, atrás apenas de José Altafini (7).

Kaká deixou o Milan para acertar sua ida ao Orlando City, dos Estados Unidos. À espera da regularização da franquia na MLS, Ricky acabou retornando ao futebol brasileiro, mais precisamente à sua casa, o São Paulo. O meia-atacante fez um excelente Brasileirão pelo tricolor do Morumbi em 2014, mas não teve o empréstimo renovado pelo clube da Flórida.

Entre o início de 2015 e o final deste ano, Kaká atuou pelo clube violeta, do qual foi capitão. Pelo Orlando City, Ricky anotou 26 gols em 79 partidas, sendo o principal jogador da franquia no período em que lá esteve. O brasileiro até poderia ter optado por continuar jogando (pelo São Paulo ou em outro mercado endinheirado e de menor nível técnico, como o chinês), mas preferiu parar antes de se arrastar em campo. A partir de agora, o craque projeta o seu futuro como dirigente.

Ricardo Izecson dos Santos Leite, o Kaká
Nascimento: 22 de abril de 1982, no Gama (DF)
Posição: meia-atacante
Carreira: São Paulo (2001-03 e 2014), Milan (2003-09 e 2013-14), Real Madrid (2009-13), Orlando City (2015-17)
Títulos conquistados: Torneio Rio-São Paulo (2001), Supercampeonato Paulista (2002), Copa do Mundo (2002), Copa das Confederações (2005 e 2009), Serie A (2004), Supercopa Italiana (2004), Liga dos Campeões (2007), Mundial de Clubes (2007), Supercoppa Uefa (2003 e 2007), La Liga (2012), Supercopa da Espanha (2002) e Copa do Rei (2011)
Seleção brasileira: 92 jogos e 32 gols

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