Todo grande time na história do futebol tem pelo menos um jogo que funciona como sua assinatura. Um cartão de visitas que sintetize, em 90 minutos, as capacidades de uma equipe num ciclo vencedor. No caso do Milan de Arrigo Sacchi, a amostra mais expressiva de seu potencial ocorreu na partida de volta da semifinal da Copa dos Campeões de 1988-89: um 5 a 0 sobre o Real Madrid.
No jogo de ida do torneio, que foi reformulado e se tornou a atual Liga dos Campeões, as duas equipes empataram por 1 a 1, na Espanha, com gols de Hugo Sánchez e Marco van Basten. Em Milão, a equipe mandante precisava apenas de um 0 a 0 para se classificar para a final da competição europeia. Porém, o time comandado por Arrigo Sacchi não era de ficar satisfeito com confrontos sem gols e protagonizou um dos jogos mais emblemáticos da história dos torneios Uefa.
A equipe merengue era comandada pelo holandês Leo Beenhakker, treinador que já havia levado o time de Madri a dois títulos espanhóis seguidos e alcançaria o tricampeonato exatamente na temporada 1988-89 – entre 1985-86 e 1989-90, o Real Madrid foi pentacampeão nacional. No seu elenco, Beenhhakker contava com nomes como Hugo Sánchez, Emilio Butragueño e Bernd Schuster, mas não conseguia sucesso nos torneios continentais. Antes de encarar o Milan, os blancos já haviam caído em duas semifinais de Copa dos Campeões.
Se na capital espanhola havia um holandês, no time de Milão os nascidos nos Países Baixos eram três. O trio formado por Van Basten, Ruud Gullit e Frank Rijkaard havia se formado naquela temporada, após o volante ter se juntado à dupla de atacantes, contratada por Silvio Berlusconi em 1987. Sua sintonia beirava a perfeição e levava o Milan, capitaneado pela lenda Franco Baresi, a um patamar altíssimo.
A volta da semifinal da Copa dos Campeões aconteceu no dia 19 de abril de 1989, em San Siro, e, quando a partida começou, foi possível ver dois times com modelos de jogo completamente distintos. Os 15 primeiros minutos foram de domínio dos merengues, que comandaram as ações ofensivas. O Real gostava de fazer uma transição lenta, cautelosa e bastante trabalhada, tendo em Schuster o principal elo entre a defesa e o ataque. O meio-campista alemão teve uma atuação de gala, apesar da derrota amarga do time visitante. No começo do jogo, a equipe de Beenhakker apostava em Hugo Sánchez se apresentando para fazer o pivô e na velocidade de Paco Llorente pelo lado do campo.
Os merengues gostavam de uma saída de bola curta e trabalhada, enquanto o Milan preferia um jogo mais vertical e uma saída mais longa. Quando a bola não ia diretamente do goleiro Giovanni Galli para o ataque, procurando Gullit ou Van Basten, ela passava por Baresi. O capitão italiano, com muita qualidade técnica, era o responsável pelo início das jogadas dos milanistas. Eram de Franco os lançamentos e as viradas de jogo mais importantes dos rossoneri no começo da partida.
O primeiro gol do jogo surgiu em um momento de controle madridista. Aos 18 minutos, Gullit se livrou de três marcadores na lateral direita e passou para Carlo Ancelotti. O meio campista italiano deu dois dribles curtos, secos, e acertou um lindíssimo chute, encobrindo Paco Buyo. Depois do gol, o Milan manteve a sua postura mais reativa. O time italiano gostava de recuperar a bola e sair rápido, chegando em poucos toques à meta adversária.
Menos de seis minutos após o primeiro gol o Milan voltaria a marcar, dessa vez com Rijkaard. Um dos maiores pesadelos do Real Madrid nessa partida foram os cruzamentos na área. Três gols dos rossoneri saíram de bolas alçadas sobre a defesa merengue, que sucumbiu à fragilidade que Chendo, Manuel Sanchís, Ricardo Gallego, Rafael Gordillo e Míchel apresentavam neste fundamento. No segundo tento, aos 24 minutos, o Milan cobrou um escanteio curto com Roberto Donadoni, que passou a bola a Mauro Tassotti perto da linha de fundo. O lateral italiano cruzou na cabeça do craque holandês, que não deu chances a Buyo.
Apesar dos cinco gols marcados, o ataque rossonero não foi a principal arma da equipe na partida. O sistema defensivo de Sacchi funcionava perfeitamente. A equipe de Milão marcava junto, com linhas de impedimentos muito bem executadas pelos jogadores, que se faziam valer da regra da época: se houvesse qualquer adversário em posição irregular, mesmo sem que participasse da jogada, o auxiliar deveria assinalar a infração.
Além disso, o Milan efetuava uma grande pressão no homem da bola, chegando a colocar três homens em cima de um adversário. Quando a pelota passava do meio-campo, os movimentos feitos pelos jogadores do Milan para apertarem os madridistas era ainda maior. O time do norte da Itália marcava bem, adiantava os seus defensores e desarmava de forma bastante agressiva, se antecipando aos atletas da equipe espanhola.
Na hora de marcar a saída de bola madridista, Sachhi avançava Rijkaard e formava uma linha de três com Van Basten e Gullit. Gullit, por sinal, era a encarnação do que o treinador desejava dos atletas em campo – e acabou sendo um dos destaques do jogo. O holandês se movimentava intensamente, aparecendo na esquerda, na direita e marcando com muita disposição. Toda a entrega de Simba seria recompensada aos 46 minutos do primeiro tempo, quando Donadoni cruzou na área e o camisa 10 se adiantou ao zagueiro, fazendo, de cabeça, o terceiro gol do Milan na partida.
O segundo tempo começou com o Milan controlando a posse de bola e tocando com calma entre os zagueiros, sem a menor pressa. O Real Madrid, por sua vez, não pressionava mais quando o time rossonero tinha a pelota e, quando a recuperava, não demonstrava a mesma paciência que no primeiro tempo. Se nos 45 minutos iniciais o time espanhol tinha calma e esperava o momento certo para acelerar a jogada, depois do intervalo os merengues buscavam acelerar o jogo com passes mais agudos, o que resultava em desarmes facilitados para os italianos.
Com 14 minutos do segundo tempo, o Milan chegou ao seu quarto gol na partida. Talvez o tento mais simbólico de toda a peleja, pois envolveu, do início ao fim, o trio de craques holandeses que Sacchi tinha à disposição. Rijkaard efetuou um lançamento longo para Gullit, que escorou de cabeça para Van Basten. O camisa 9 dominou a bola, limpou um adversário e chutou de canhota. Forte, no ângulo, sem oferecer qualquer reação a Buyo.
O bom posicionamento defensivo do Diavolo, somado à pressão e às interceptações agressivas, fizeram com que o Real Madrid fosse completamente anulado no segundo tempo. E mesmo sem a contribuição de Gullit, que saiu machucado aos 58 minutos e deu lugar a Pietro Paolo Virdis, um veterano que dava menos mobilidade ao ataque e oferecia menos contribuição defensiva. Aos 59 minutos saiu o quinto e último gol milanista na partida. O time de Sacchi cobrou, mais uma vez, um escanteio curto com Donadoni, que tabelou com Tassotti e voltou a ter a bola na diagonal. O meia italiano avançou com ela e chutou rasteiro, no canto, para selar a goleada rossonera.
A vitória sobre o temível Real Madrid levou o time de Milão para a Catalunha, já que a grande final da Copa dos Campeões acontecia em Barcelona, no Camp Nou. Na final, o time de Sacchi enfrentou os romenos do Steaua Bucareste e aplicou mais uma goleada. Com dois gols de Gullit e dois gols de Van Basten, o time italiano venceu a equipe liderada por Gheorghe Hagi por 4 a 0 e se sagrou campeão europeu pela terceira vez, a primeira de forma invicta.
O título europeu foi o primeiro do Milan após um jejum de 20 anos, período em que a equipe chegou a amargar dois rebaixamentos na Serie A. Com as categóricas goleadas sobre Real Madrid e Steaua Bucareste, o time de Sacchi abriu um período de seis anos de glórias internacionais para os rossoneri, que mantiveram a hegemonia com Fabio Capello no papel de comandante. No total, entre 1989 e 1995, o Diavolo levantou sete taças internacionais e ainda somou cinco vice-campeonatos. O bastante para que esses times fiquem eternamente na memória dos amantes do futebol.
Milan 5-0 Real Madrid
Milan: G. Galli; Tassoti, Costacurta, Baresi, Maldini; Colombo (F. Galli), Rijkaard, Ancelotti, Donadoni; Gullit (Virdis); Van Basten. Técnico: Arrigo Sacchi.
Real Madrid: Buyo; Chendo, Gallego, Sanchís; Míchel, Schuster, Martín Vázquez, Gordillo; Paco Llorente; Butragueño, Hugo Sánchez. Técnico: Leo Beenhakker.
Gols: Ancelotti (18′), Rijkaard (24’), Gullit (44’), Van Basten (48′) e Donadoni (60′)
Árbitro: Alexis Ponnet (Bélgica)
Local e data: estádio Giuseppe Meazza (Milão, Itália), em 19 de abril de 1989