A seleção italiana tetracampeã do mundo em 2006 contava com muitos craques dos principais times do país. Em meio a tantos jogadores de grife, no entanto, o técnico Marcello Lippi convocou também alguns atletas que se destacavam por equipes de menor expressão. Foi o caso de Cristian Zaccardo. Em meados dos anos 2000, o defensor, que podia atuar como lateral-direito, zagueiro e até volante, foi um dos grandes nomes do Palermo e, assim, cavou sua vaga na Nazionale. Mas, apesar do status de campeão mundial, o versátil atleta recorreu, na reta final de sua carreira, à rede social LinkedIn para buscar um novo clube. E conseguiu.
Garoto tímido e humilde, Zaccardo cresceu em Castelvetro, cidade localizada em Módena, na Emília-Romanha. Porém, passava grande do parte do dia na vizinha Spilamberto, sob as asas de seus pais e na companhia de sua avó Lice. Foi lá, aliás, que ele deu os primeiros passos para se tornar um jogador. Enquanto frequentava as aulas do ensino fundamental, se matriculou em uma escolinha de futebol.
Em 1991, o adolescente Cristian foi descoberto por olheiros do Bologna enquanto disputava o torneio Enzo Ferrari, em Maranello. Assim, passou a fazer parte das categorias de base dos felsinei. Seis temporadas depois, aos 15 anos, começou a frequentar a seleção italiana sub-16. Em abril de 1998, disputou o Europeu da categoria, realizado na Escócia, e marcou o gol decisivo que levou os azzurrini às semifinais – a Itália terminou o torneio como vice-campeã, após perder da Irlanda, por 2 a 1.
No mesmo ano, começou a fazer parte do time Primavera do Bologna e, enquanto trilhava a última etapa das divisões de base antes de ascender à equipe principal, até participou de alguns treinos com o plantel profissional, comandado por Carlo Mazzone – além disso, foi relacionado, como reserva, para jogos dos rossoblù. Entretanto, se 1998 começou com altas expectativas para Zaccardo, o final daquele ano deixou o jovem apreensivo. Isso porque, em novembro, ele rompeu o osso escafoide do pé direito e, em março de 1999, operou a patela bipartida do joelho esquerdo, visando remover uma leve malformação óssea. Por isso, o lateral perdeu a temporada 1998-99 inteira.
Após completar o processo de recuperação, Zaccardo voltou à ativa pela Primavera rossoblù e recebeu suas primeiras convocações para defender a seleção italiana sub-18. No verão de 2000, aceitou ser emprestado ao Spezia, onde estrearia como profissional, na Serie C1. O esquema base do time da Ligúria na temporada era um 3-4-3 que variava para o 4-3-3, com Cristian quase sempre utilizado como zagueiro ou lateral pela direita. Os bianconeri chegaram a jogar os playoffs de acesso à segunda divisão, mas sucumbiram ao Como, nas semifinais.
Na temporada seguinte, Cristian retornou ao Bologna e ganhou oportunidade sob a batuta de Francesco Guidolin. Ao fim da época, o camisa 2 contabilizou 21 presenças entre Serie A e Coppa Italia, marcou um gol – de cabeça, no empate em 2 a 2 com a Lazio, na Cidade Eterna, pelo campeonato – e viu sua equipe terminar a liga na sétima posição.
Ao mesmo tempo em que ganhava mais chances pelo clube emiliano, o defensor era chamado também às seleções de base da Itália. Em 2001, ganhou a medalha de prata nos Jogos do Mediterrâneo, sediado na Tunísia, com o esquadrão sub-20. Já em 2004, foi campeão do Europeu Sub-21, despachando Sérvia e Montenegro, por 3 a 0, na final. No mesmo ano, Zaccardo foi chamado pela primeira vez para representar a Squadra Azzurra, então treinada por Lippi. Ali começava seu percurso, que resultaria na convocação à Copa do Mundo de 2006.
O jogador, contudo, alcançou a confiança de Lippi por, primeiro, se sobressair na defesa do Bologna e das seleções italianas de base e, depois, atingir o auge no Palermo. O emiliano, aliás, se juntou ao clube rosanero, em julho de 2004, após ter seu nome ligado a Juventus e Parma no verão anterior. A agremiação siciliana pagou 680 mil euros e cedeu o romeno Valentin Nastase aos felsinei para contar com o promissor defensor.
No Palermo, Zaccardo reencontrou Guidolin, seu antigo treinador no Bologna. O comandante havia se demitido em outubro de 2003 e, três meses depois, desembarcou na Sicília. Sob as ordens do técnico, Cristian logo se firmou como titular. Em sua primeira temporada com as águias, mostrou toda sua versatilidade ao atuar em quatro posições, já que o professor utilizou vários esquemas táticos no desenrolar da Serie A – os rosanero oscilaram entre 4-4-1-1, 3-5-2, 3-4-2-1 e 4-3-2-1. O atleta jogou como lateral-direito nos sistemas com quatro defensores; beque pela direita, ala-direito e volante em plataformas com três zagueiros.
O primeiro gol de Zaccardo pelo Palermo saiu no empate em 1 a 1 contra a Juventus, em Turim, pela quarta rodada da Serie A 2004-05. Ele perdeu apenas três jogos naquela edição da liga, sendo peça essencial na campanha que levou os rosanero a se classificarem à Copa Uefa devido à sexta colocação via campeonato. Os sicilianos estreariam na competição continental, que, em 2009, se transformaria em Liga Europa.
Na temporada seguinte, Cristian entrou em campo pela primeira vez por um torneio continental: o Palermo alcançou as oitavas de final da Copa Uefa, perdendo para o Schalke 04. Em 2005-06, o comando do time mudou: Guidolin acreditou que não era possível fazer trabalho superior ao da campanha anterior e, assim, pediu para sair, dando lugar a Luigi Delneri. Com o novo técnico, o camisa 2 atuou mais como lateral-direito. Ele manteve a regularidade e, com isso, foi premiado com a convocação para a Copa do Mundo de 2006.
No Mundial, Zaccardo disputou os 90 minutos da partida de estreia, ante a seleção ganesa, na qual os italianos venceram por 2 a 0. Também foi titular no segundo jogo, mas, ao tentar afastar a bola da própria meta, “espirrou o taco” e marcou um bisonho gol contra a favor dos Estados Unidos. O confronto terminou empatado em 1 a 1, o camisa 2 foi substituído na etapa complementar e perdeu a posição para Gianluca Zambrotta – que estava sem condições físicas no início do torneio. Assim, até a final da Copa, Zambrotta e Fabio Grosso, companheiro de Cristian no Palermo, se consolidaram nas laterais da Nazionale. Nos pênaltis, a Itália bateu a França e se tornou tetracampeã, tendo em Grosso um herói improvável.
Campeão mundial, Zaccardo superou o erro na Copa e fez mais uma boa temporada vestindo a camisa rosanero. Com a chegada do lateral-direito Mattia Cassani ao elenco, porém, o emiliano atuou mais na zaga, ao lado de Andrea Barzagli, deixando o novo contratado tomar conta do lado destro da defesa. Curiosamente, Cristian teve uma boa contribuição ofensiva, tendo em vista suas obrigações na retaguarda: seis gols e duas assistências em 42 jogos em 2006-07.
O Palermo atravessou um período de graça em meados da década de 2000, passou a figurar na parte de cima da tabela da Serie A e se classificou três vezes consecutivas à Copa Uefa. Ao mesmo tempo, Zaccardo ganhava mais relevância dentro do plantel rosanero. Não à toa, o camisa 2 foi alçado ao posto de vice-capitão da equipe siciliana, na temporada 2007-08. Por outro lado, o jogador parou de ser convocado à seleção. Realizou seu último jogo em outubro de 2007 – vitória por 2 a 0 no amistoso contra a África do Sul, em Siena, na Toscana. Foram 17 partidas e um gol a serviço da Squadra Azzurra.
No verão europeu de 2008, o Wolfsburg pescou dois destaques do Palermo: Zaccardo e Barzagli, pilares defensivos das águias. O lateral custou 7 milhões, e o zagueiro, 12,9 milhões de euros. O investimento trouxe resultados quase que imediatos, já que a dupla ajudou os lobos a conquistarem um inédito título da Bundesliga. Cristian, entretanto, não jogou com tanta regularidade quanto o compatriota e, na temporada seguinte, arrumou as malas para rumar à Itália. Mais precisamente, desembarcou em sua Emília-Romanha, onde assinaria contrato de cinco anos com o Parma.
De volta à sua região de nascimento, Zaccardo se encaixou como uma luva no time treinado (advinha?) por Guidolin. O técnico tinha muita confiança no futebol do atleta, que novamente atuaria em várias posições sob o seu comando: zagueiro, lateral-direito, ala-direito, ala-esquerdo e até mesmo volante. Titular absoluto, o camisa 5 encerrou sua primeira temporada pelos crociati com 34 jogos, cinco tentos e dois passes para gol.
Um ponto negativo sobre sua passagem pelo Parma ocorreu em 17 de outubro de 2010. Os ducali perdiam do Cesena, fora de casa, por 1 a 0, quando Zaccardo empatou o duelo: após cruzamento de Francesco Valiani, o defensor foi no segundo andar para cabecear e igualar o marcador. O jogador, então, foi comemorar em frente ao setor onde estavam sua esposa e seu filho, que, no entanto, acabaram sendo atingidos com objetos atirados por torcedores do Cesena.
Nessa temporada em questão, a 2010-11, o Parma flertou com a zona de rebaixamento, mas venceu quatro duelos e empatou outros dois nas últimas seis jornadas do campeonato; assim, conseguiu se afastar do descenso – e Cristian foi peça essencial na defesa. Algo semelhante ocorreu na campanha seguinte: os gialloblù chegaram à 30ª rodada ocupando a 17ª colocação, uma acima da região perigosa, mas venceram a Lazio, por 3 a 1, perderam a partida posterior (3 a 1 para a Udinese), engataram uma sequência de sete triunfos consecutivos e concluíram a Serie A no oitavo lugar. Na derradeira peleja daquele certame – vitória de placar mínimo no dérbi contra o Bologna, em casa –, Zaccardo utilizou a braçadeira de capitão.
Todavia, depois de 123 jogos, dez gols e cinco assistências, Cristian deixou os ducali, no fim da janela de janeiro de 2013. A próxima casa do defensor seria em Milão. Parma e Milan entraram em acordo e trocaram jogadores: Zaccardo partiu para o San Siro, ao passo que Djamel Mesbah e Rodney Strasser chegaram ao Ennio Tardini. “Nunca estive em um clube de ponta e estou feliz. Muitas pessoas me parabenizaram”, celebrou o reforço milanista no mercado de inverno, em entrevista ao Milan Channel. “Esta é uma realidade muito maior em relação ao Parma. Chegar aqui, para mim, é uma segunda juventude. Após muitas experiências na Itália e uma na Alemanha, tenho esta oportunidade. […]”, completou.
No entanto, a experiência de Zaccardo no Milan não foi das melhores – pelo contrário. Do fim de janeiro até maio de 2013, ele entrou em campo somente uma vez – triunfo por 3 a 0 sobre a Lazio, em Milão – ao substituir Cristián Zapata no intervalo do embate. Além disso, o então técnico rossonero, Massimiliano Allegri, não o incluiu na lista de 24 jogadores para o mata-mata da Liga dos Campeões. A falta de oportunidades no Diavolo até fez a imprensa italiana relatar especulações de que o atleta poderia voltar ao Parma ou reforçar a Fiorentina. Porém, ele continuou na Lombardia e até ganhou mais chances na temporada seguinte. Fez valer, inclusive, a “lei do ex” ao balançar as redes dos crociati, na vitória por 3 a 1, no San Siro, em 2014-15.
Contudo, o emiliano realmente não caiu nas graças da torcida e não estava nos planos de Allegri. Assim, no verão de 2015, o já veterano atleta deixou o time milanês. Foram apenas 17 partidas, um tento e um passe para gol em dois anos de clube. Ele, então, trocou um gigante por um recém-promovido à elite italiana: o Carpi. Zaccardo chegou com pompa aos biancorossi, a ponto de ostentar a faixa de capitão logo no início da Serie A 2015-16. Jogando mais como zagueiro, ele não conseguiu evitar que sua equipe voltasse à categoria inferior um ano depois de ingressar na primeira divisão.
Para a temporada 2016-17, o Carpi emprestou o defensor ao Vicenza, que seria adversário dos biancorossi na segundona. Na equipe do Vêneto, Zaccardo surpreendeu e escolheu o número 9 para utilizar. Assim como ocorrera na época anterior, o veterano amargou mais uma queda, dessa vez à terceira divisão, e não permaneceu com os berici.
Livre no mercado, ele tomou uma decisão inusitada: procurar um novo clube através do LinkedIn. Aos 35 anos, Cristian publicou na rede social voltada a quem busca emprego: “Eu rescindi o contrato que me ligava ao Vicenza até junho de 2018. Atualmente sou um jogador livre. Ainda estou bem fisicamente [e] posso jogar ainda dois anos em alto nível. Na minha opinião, quem me levar fará um bom negócio”, escreveu o atleta, que finalizou a publicação garantindo ser um “jogador sério, profissional e forte”.
A procura por um novo clube via LinkedIn deu resultado, e, em outubro de 2017, o emiliano assinou com o Hamrun Spartans, de Malta. A aventura pelo novo país durou apenas uma temporada. Em maio de 2018, deixou a equipe. Mais uma vez livre no mercado, ele firmou o último vínculo de sua carreira, com o Tre Fiori, time de San Marino, em janeiro de 2019. Seis meses depois, anunciou que estava pendurando as chuteiras. Curiosamente – ou não –, Cristian se aposentou 13 anos após o tetra da Itália conquistado na Alemanha.
Zaccardo pode até ficar longe das quatro linhas, mas segue mergulhado no mundo da bola. Agora, é procurador esportivo. Em entrevista ao Tutto Mercato Web, em outubro de 2021, admitiu que chegou a pegar algumas patentes para virar treinador, mas o que ele gosta mesmo é de calciomercato. Como mostra sua bio no LinkedIn, ele está preparado para o próximo jogo.
Cristian Zaccardo
Nascimento: 21 de dezembro de 1981, em Formigine, Itália
Posição: zagueiro e lateral-direito
Clubes: Bologna (1998-2000 e 2001-04), Spezia (2000-01), Palermo (2004-08), Wolfsburg (2008-09), Parma (2009-13), Milan (2013-15), Carpi (2015-16), Vicenza (2016-17), Hamrun Spartans (2017-18) e Tre Fiori (2019)
Títulos: Europeu Sub-21 (2004), Copa do Mundo (2006), Bundesliga (2009) e Copa Titano (2019)
Seleção italiana: 17 jogos e um gol