Um dos maiores ídolos da história da Juventus, o francês Michel Platini levantou três Bolas de Ouro consecutivas em Turim. A primeira delas foi obtida no ano de 1983, enquanto a Velha Senhora fazia uma temporada quase perfeita, que culminou na conquista de um scudetto e de um título inédito: o da Recopa Uefa, competição disputada pelos times campeões das copas nacionais. Aquele troféu ganho em final com o Porto foi mais um elemento que abrilhantou uma década de 1980 praticamente perfeita para a agremiação.
Antes desse momento fantástico, uma frustração fez com que a Juventus tivesse de se contentar em disputar a Recopa. Em 1983, o esquadrão de Giovanni Trapattoni parou no Hamburgo, na final da Copa dos Campeões. Se tivesse superado os alemães, jogaria o principal torneio de clubes da Europa novamente. Como também não ganhou a Serie A – ficou com o vice – e celebrou a conquista da Coppa Italia naquele ano, a equipe bianconera se classificou para representar a Bota na competição dedicada aos ganhadores de taças nacionais. O ressurgimento da Velha Senhora se deu com uma dobradinha: scudetto faturado em grande estilo, com direito a artilharia de Platini, e troféu continental.
A Juventus teve um caminho relativamente tranquilo na Recopa. O primeiro passo foi certamente o mais fácil de todos. Logo de cara, uma sapatada no Lechia Gdansk, da Polônia: 7 a 0. Domenico Penzo deixou um poker, balançando as redes quatro vezes, e foi o grande destaque da goleada. Na volta, com algumas pequenas mudanças, outra vitória, dessa vez por 3 a 2, sacramentou a classificação com dois dígitos de gols marcados na soma dos placares dos dois jogos.
O time era parecido com o vice-campeão da Copa dos Campeões anterior. Com a aposentadoria de Dino Zoff, a jovem aposta Stefano Tacconi assumiu a meta. O quarteto defensivo continuava o mesmo: o líbero Gaetano Scirea liderava a linha, que era formada ainda por Sergio Brio, Antonio Cabrini e Claudio Gentile. No meio-campo, a maior novidade era o já citado Penzo, que depois perdeu posição para o talentoso Beniamino Vignola. Marco Tardelli e Massimo Bonini continuavam a dar o suporte necessário para que o trio estrelado composto por Platini, Zbigniew Boniek e Paolo Rossi brilhasse na frente.
Nas oitavas de final, o polonês Boniek foi o cara. O susto contra o Paris Saint-Germain veio aos 39 minutos, no primeiro jogo daquela fase, realizado na França. Tacconi saiu mal e Alain Couriol aproveitou para abrir o marcador. E então, Zibi apareceu: o Belo da Noite fez valer seu apelido ao marcar um golaço, tabelando com Rossi. Depois, assistiu Cabrini com uma cobrança de falta primorosa.
Isso foi o suficiente para garantir a classificação. O PSG chegou a empatar o confronto de ida por 2 a 2, mas as duas equipes ficaram no zero em Turim. Na fase seguinte, duas partidas sem ter a meta vazada, em duas vitórias magras sobre o Haka, da Finlândia, pelo placar mínimo, colocaram a Juve nas semifinais contra um gigante europeu.
O Manchester United seria o grande desafio antes da finalíssima. O primeiro duelo foi no Teatro dos Sonhos, o Old Trafford. Só que o pesadelo inglês começou aos 14 minutos: Boniek puxou um contra-ataque veloz e tocou para Rossi na entrada da área. O camisa 9 finalizou e contou com um desvio na trajetória para matar o goleiro Gary Bailey – na súmula foi dado gol contra de Graeme Hogg. Ainda antes do intervalo, Alan Davies aproveitou o rebote da ótima defesa de Tacconi e se antecipou aos rivais para marcar, no meio de uma confusão na área bianconera. E ficou assim. Um ótimo empate para os italianos, que fizeram um péssimo segundo tempo.
No jogo de volta, também nos 15 minutos iniciais, Boniek trocou a assistência de Old Trafford pela bola na rede no Comunale. Platini deixou o polonês cara a cara com o goleiro e, sem nenhum nervosismo, Zibi limitou-se apenas a tocar na pelota para deslocar o oponente e abrir o placar. Os Red Devils voltariam para o duelo graças ao gol de Norman Whiteside, antecipando Brio. Porém, viria um balde de água fria para os visitantes: nos acréscimos, Rossi aproveitou a respingada de uma finalização de Scirea e não perdoou. Após o sofrimento, o 2 a 1 punha a Juventus na final.
Seu oponente seria o Porto. Os portugueses tiveram um caminho aparentemente mais tranquilo, e não precisaram passar por gigantes europeus. No entanto, nas duas primeiras fases, eliminaram o croata Dinamo Zagreb, que representava a Iugoslávia na época, o Glasgow Rangers, da Escócia, graças ao gol qualificado – ambos os placares agregados foram de 2 a 2.
Em seguida, o Porto eliminou o ucraniano Shakhtar Donetsk, na época da União Soviética, por um agregado de 4 a 3, e, mais um clube escocês: nas semifinais, superaram o Aberdeen de Sir Alex Ferguson, graças a duas vitórias magras. O cara dos dragões lusitanos era Fernando Gomes. Artilheiro da equipe na Recopa, com quatro gols, viria a ser tornar o maior goleador do clube português, com 355 bolas nas redes.
Em sua estreia em finais continentais, os azarões teriam pela frente um desafio enorme. Nos minutos iniciais, pareciam nervosos, enquanto a Juve tentava imprimir um ritmo mais intenso à decisão, realizada na Basileia, uma das maiores cidades da Suíça. Apesar disso, a primeira finalização que movimentou o jogo no St. Jakob-Park foi do capitão Gomes, caindo pela direita da grande área e batendo para fora. Fez falta para o Porto.
Na jogada seguinte, aos 12 minutos, Vignola fez valer sua titularidade. Sozinho, carregou pelo meio da defesa portuguesa e chutou forte, cruzado, rasteiro, no ladinho da rede. Zé Beto nem pulou. Chamou atenção a facilidade que o italiano teve para se movimentar entre quatro marcadores.
Crescendo no duelo, Porto começou a ditar mais as ações, ao passo que a Vecchia Signora assumia uma postura reativa – o que lhe custou a vantagem, aos 29 minutos. De pé em pé, João Pinto encontrou António Frasco de frente para a defesa bianconera. O meio-campista lançou Gomes, que fez um belo pivô, dando um passe. Jaime Magalhães teve calma de ajeitar para António Sousa bater de primeira e contar com a ajuda de um morrinho artilheiro para vencer Tacconi.
Três minutos depois, Sousa quase fez seu segundo, cobrando falta com perigo por cima da meta. A Juve devolveu logo na sequência, em escanteio: Rossi recebeu curto, cruzou na área e o arqueiro saiu mal. No bate e rebate, Boniek quase colocou pra dentro, mas Zé Beto recuperou e agarrou a bola.
Aos 41 minutos, de novo, o goleiro português teve que sair do gol, porém, saiu mal. Boniek recebeu um lançamento longo de Vignola e antecipou a defesa adversária. O polonês precisou de apenas um toque leve para fazer o segundo da Juventus na noite, empurrando para a baliza desguarnecida, enquanto arqueiro e zagueiros trombavam. O lance também ficou marcado por uma polêmica: na disputa com João Pinto, Zibi colocou o braço por cima do ombro do defensor. Adolf Prokop não viu infração.
Antes do intervalo, Tacconi operou milagres. Sim, no plural: primeiro Fernando Gomes deu um tiro de cabeça no contra pé de o arqueiro, que pegou com apenas um braço. No rebote, Jaime Pacheco chutou mascado e a segunda defesa do italiano foi realizada com o pé direito. O Porto foi para o vestiário com uma sensação de injustiça, considerando o que aconteceu dentro das quatro linhas.
Sendo pressionada, a Juve aproveitou para fazer mais ligações diretas na segunda etapa. Uma delas foi para Boniek, aos 48 minutos: o polonês distribuiu para Rossi, que parou em boa defesa de Zé Beto. Na bola parada, Platini quase ampliou a vantagem após sobra de escanteio. Os bianconeri focavam seus ataques pelas beiradas do campo e também em ganhar tempo.
O Porto seguia valente e novamente viria a reclamar da arbitragem. Em cruzamento na área, Gentile furou e a bola foi direto no braço de Scirea. No entanto, nada de penalidade máxima assinalada pelo árbitro da Alemanha Oriental. Do outro lado, a Juve também pode reclamar de infração não marcada sobre Platini. A pelota ainda sobrou para Brio, cara a cara com o arqueiro, desperdiçar.
Quem teve a última grande chance de marcar foi Rossi. Platini deixou o companheiro livrinho, na cara do gol, mas o bomber parou nas mãos do goleiro adversário, que fechou bem o ângulo. O camisa 9 ainda tentou de novo no rebote e desperdiçou mais uma vez. Não fez falta para a Velha Senhora.
Um ano após a frustração tremenda na final da Copa dos Campeões, a torcida da Juventus voltou a ver seu time levantar uma taça internacional: pela primeira e única vez, os bianconeri ganharam a Recopa. Na temporada seguinte, Trapattoni e seus pupilos ainda faturaram a Supercopa Uefa e o principal torneio do continente, em ambas as oportunidades sobre o Liverpool, e puderam fechar o ciclo, colocando todos os canecos possíveis do continente na sala de troféus da agremiação de Turim. E Platini, é claro, adicionou mais uma Bola de Ouro a sua coleção.
Juventus 2-1 Porto
Juventus: Tacconi; Gentile, Brio, Scirea, Cabrini; Vignola (Caricola), Bonini, Tardelli; Platini; Boniek, Rossi. Técnico: Giovanni Trapattoni.
Porto: Zé Beto; João Pinto, Lima Pereira, Eurico, Eduardo Luís (Costa); Frasco, Pacheco, António Sousa; Magalhães (Walsh), Fernando Gomes, Vermelhinho. Técnico: José Maria Pedroto.
Gols: Vignola (12’) e Boniek (41’); António Sousa (29’)
Árbitro: Adolf Prokop (Alemanha Oriental)
Local e data: St. Jakob-Park, Basileia (Suíça), em 15 de maio de 1984