Jogos históricos

Na Champions League 2002-03, a Inter eliminou o Leverkusen, então vice-campeão europeu

O futebol, tal qual a arte, imita a vida e, não à toa, tem a efemeridade como um de seus maiores atributos. Os cenários no esporte podem mudar muito rapidamente e um dos inúmeros exemplos disso ocorreu com Inter e Bayer Leverkusen, entre os anos de 2002 e 2003. Naquela época, ambos ficaram muito próximos das glórias, mas amargaram grandes decepções. Para os alemães, o baque foi ainda pior – e os nerazzurri acabaram tirando uma casquinha disso.

A Inter treinada pelo argentino Héctor Cúper chegou ao fim da temporada 2001-02 feliz pelo retorno de Ronaldo aos gramados após duas seríssimas lesões e disputando dois títulos. Na Copa Uefa, o sonho foi por água abaixo nas semifinais, por obra do futuro campeão Feyenoord. Na Serie A, os nerazzurri eram os líderes na última rodada e só precisavam ganhar de uma Lazio desinteressada para ficarem com o scudetto. Porém, a derrota por 4 a 2 fez o Fenômeno chorar, deu o título à Juventus e jogou a Beneamata para a terceira posição, já que a Roma também a ultrapassaria. O 5 de maio de 2002 se transformou em motivo de pesadelo para a torcida.

Para o Bayer Leverkusen, o fim da temporada 2001-02 podia ter sido histórico, mas foi ainda mais melancólico. O time de Klaus Toppmöller, que contava com os brasileiros Lúcio e Zé Roberto, liderava a Bundesliga até o fim de abril, quando foi derrotado por Werder Bremen e Nürnberg. Assim, entregou a ponta para o Borussia Dortmund, que se sagrou campeão em 4 de maio. A perda da inédita salva de prata abalou os aspirinas, que acabaram levando a virada do Schalke 04, tomaram 4 a 2 e ficando também com o vice da Copa da Alemanha.

Ao Leverkusen, entretanto, restava o maior sonho: o título da Champions League, visto que os Schwarzroten fariam a decisão com o gigante Real Madrid. Na Escócia, contudo, um golaço antológico de Zinédine Zidane deu a orelhuda aos merengues, que eram favoritos. Dessa maneira, uma possível tríplice coroa para o clube alemão se transmutou em um amargor de dificílima digestão. Pior: os fracassos renderam ao time o jocoso apelido de Neverkusen, que ganhou fama mundial.

Para a temporada seguinte, a Inter teve a saída de Ronaldo, que vivia em rota de colisão com Cúper, para o Real Madrid. Outra transferência importante foi a de Clarence Seedorf ao Milan. Em contrapartida, chegou dos rossoneri o lateral-esquerdo Francesco Coco e os nerazzurri também foram buscar Carlos Gamarra no AEK, Hernán Crespo na Lazio e Fabio Cannavaro e Matías Almeyda no Parma. A equipe seguia fortíssima e ainda contava com nomes como Francesco Toldo, Javier Zanetti, Iván Córdoba, Marco Materazzi, Luigi Di Biagio, Álvaro Recoba e Christian Vieri.

Vice-campeão europeu em 2002, o Bayer Leverkusen parecia um adversário duro para a Inter, mas foi dominado no confronto (Bongarts/Getty)

O Bayer Leverkusen também tinha um time forte e teve somente duas perdas relevantes: dois de seus principais nomes, Michael Ballack e Zé Roberto rumaram ao Bayern de Munique. Os aspirinas, em contrapartida, tinham vários jogadores que representaram a Alemanha na campanha do vice-campeonato mundial de 2002 e Lúcio, pentacampeão pelo Brasil. Peças como Hans-Jörg Butt, Jens Nowotny, Diego Placente, Carsten Ramelow, Bernd Schneider, Yildiray Bastürk, Dimitar Berbatov, Oliver Neuville e Ulf Kirsten continuavam à disposição de Toppmöller, que seguia no comando. Além disso, Juan, do Flamengo, e França, do São Paulo, reforçaram os rubro-negros – em janeiro de 2003, Cris, do Cruzeiro, também chegaria ao clube renano.

Por conta da qualidade de seus elencos e do que tinham ficado perto de conquistar em 2001-02, Inter e Leverkusen começaram 2002-03 como candidatos a todos os títulos que disputariam. A equipe de Milão, em linhas gerais, cumpria com esta promessa, visto que chegou a liderar a Serie A no primeiro turno e se manteve sempre na briga pelo scudetto. Entretanto, escorregões – como a eliminação na Coppa Italia para o Bari, da segundona – deixavam dúvidas sobre o trabalho de Cúper. Os alemães, por sua vez, decepcionavam, e um péssimo início de temporada já os colocou como carta fora do baralho na Bundesliga. Por incrível que pareça, o Werkself lutaria pela permanência na elite.

Na Champions League, a Inter foi sorteada num grupo complicado, ao lado de um histórico Lyon – campeão francês com o destaque dos brasileiros Cláudio Caçapa, Edmílson, Juninho Pernambucano e Sonny Anderson –, do Ajax que foi campeão holandês e tinha Zlatan Ibrahimovic, Maxwell, Wesley Sneijder, Cristian Chivu e outros nomes, e ainda do traiçoeiro Rosenborg, campeão norueguês.

A Inter se classificou na primeira posição do Grupo D, mas só se garantiu na última rodada. Ao longo de uma disputa equilibrada, o Rosenborg tirou pontos de todos os adversários e os nerazzurri chegaram a perder uma invencibilidade caseira que durava quase 40 anos na Champions League, graças a uma derrota por 2 a 1 para o Lyon. Na derradeira jornada, porém, a equipe italiana ganhou do Ajax pelo mesmo placar, em Amsterdã, e ficou com a liderança – os holandeses passaram em segundo, mesmo com a derrota, os franceses foram relegados à Copa Uefa e os noruegueses terminaram eliminados.

O Bayer Leverkusen, por sua vez, caiu numa chave muito mais simples: o Grupo F contava com o Manchester United, terceiro colocado da Premier League, e Olympiacos e Maccabi Haifa, campeões da Grécia e de Israel. Poderia ser um passeio, mas os alemães perderam seus dois primeiros jogos e ainda tomaram 6 a 2 dos helênicos. Com a reação a partir da terceira rodada, o Werselkf ganhou três das quatro partidas restantes e avançou na vice-liderança, atrás dos Red Devils – os israelenses ficaram com um lugarzinho na Copa Uefa.

Jogando em Milão, os nerazzurri obtiveram um triunfo relativamente fácil sobre os germânicos (Bongarts/Getty)

Na época, a Champions League tinha duas fases de grupos, ao invés de ir logo para oitavas de final – o mata-mata começava nas quartas. Nessa fórmula exaustiva, as chaves eram formadas por dois líderes da etapa anterior e dois segundos colocados. A Inter caiu no Grupo A, ao lado de Barcelona, Newcastle e Leverkusen. Em suas estreias, apenas duas semanas após o primeiro estágio da competição, ainda antes da virada de 2002 para 2003, italianos e alemães tiveram resultados díspares: enquanto os nerazzurri golearam os ingleses por 4 a 1, fora de casa, os Schwarzroten levaram 2 a 0 do Barça na BayArena. Na segunda rodada, eles se encontrariam em Milão, num confronto inédito em jogos oficiais.

Sem Materazzi, lesionado, e Cannavaro, suspenso, Cúper escalou a Inter com Córdoba e Gamarra no centro da zaga, e optou por um 4-3-1-2 que tinha Recoba, Crespo e Vieri no comando do ataque. Cauteloso, Toppmöller respondeu com um 3-4-1-2, com o versátil volante Ramelow utilizado na função de zagueiro central. Não deu muito certo para os alemães, que tiveram dificuldade de controlar o meio-campo desde os minutos iniciais.

Apesar desse entrave, foi o Bayer Leverkusen que teve a primeira chance do jogo. Depois de escanteio, Berbatov cabeceou e acertou o poste nerazzurro. Aos 15 minutos, a Inter devolveu na mesma moeda. Recoba bateu o corner na quina da pequena área e Di Biagio apareceu, se antecipando a Ramelow e a Schneider, para testar para as redes. Na casa dos 27, a dupla voltou a interagir de maneira positiva. O capitão Zanetti iniciou a jogada e passou em profundidade para o meia-atacante uruguaio cruzar para trás e o volante italiano encher o pé. A pelota ainda tocou no travessão antes de entrar e Butt nada pôde fazer.

Com uma expressiva vantagem construída tão cedo, ficou fácil para a Inter dominar o jogo. Aos 30 minutos, um atordoado Leverkusen errou na saída de bola e levou sorte na sequência do lance, porque a cabeçada de Crespo passou por cima da baliza. Os times foram para o descanso com esse placar e os alemães agradeceram por isso.

No segundo tempo, a Inter voltou a levar perigo com uma boa jogada individual do esforçado Giovanni Pasquale e com um chute cruzado de Emre Belözoglu, que tirou tinta da trave de Butt. Porém, indo na contramão do roteiro da partida, Neuville cobrou escanteio aos 63 minutos e Boris Zivkovic se antecipou a Di Biagio para escorar, com o pé direito, e mandar a pelota no ângulo de Toldo.

No confronto de volta, Morfeo perdoou os alemães (Bongarts/Getty)

O Leverkusen até poderia tentar se aproveitar das fragilidades psicológicas que a Inter daqueles tempos costumeiramente apresentava e buscar a reação, mas não foi o que ocorreu. Os nerazzurri seguiram levando vantagem nas jogadas mais agudas e quase marcaram o terceiro numa arrancada de Emre, que chegou à linha de fundo e conseguiu um cruzamento rasteiro entre Butt e a trave. Do outro lado da área, Crespo chegou atrasado na bola e carimbou o poste, de carrinho.

Em lance similar, porém pelo flanco direito, o goleirão mostraria insegurança novamente aos 80 minutos. O garoto Nicola Beati, que entrou no lugar de Di Biagio, buscou Crespo com um passe rasteiro, mas o arqueiro acabou se assustando com a chegada veloz do argentino e errando ao tentar agasalhar a pelota: assim, fez um gol contra que decidiu a peleja. Nos acréscimos, o brasileiro França até descontou com uma bela cabeçada. Entretanto, era tarde.

O jogo realizado no Giuseppe Meazza foi o último dos dois times pela Champions League em 2002. Inter e Bayer Leverkusen só voltariam a se enfrentar em março de 2003, na derradeira jornada do Grupo A, quando o contexto da temporada já era bem diferente. Ao menos para os alemães, que estavam entranhados numa crise de grandes proporções.

O Grupo A da Liga dos Campeões estava praticamente resolvido. O Barcelona, já classificado, tinha 13 pontos e visitava o Newcastle (terceiro colocado, com 7). A Inter, segunda, tinha 8 e só precisava superar o zerado (e eliminado) Leverkusen para seguir adiante. Na Serie A, os nerazzurri ainda brigavam pelo título, ainda que a derrota para a Juventus no Derby d’Italia tenha feito a Velha Senhora abrir três pontinhos de vantagem. Em comparação, a situação do Werkself na Bundesliga evidenciava que o duelo europeu era uma mera distração para o então vice-campeão continental.

O técnico Toppmöller tinha sido demitido cerca de um mês antes, após derrota em casa para o Hansa Rostock. Naquele momento, o Leverkusen estava na antepenúltima posição, dentro da zona de rebaixamento e com apenas dois pontos a mais que o Kaiserslautern, lanterna – que, mais tarde, arrancaria para se salvar do descenso e ainda descolaria uma vaga na Copa Uefa devido ao vice da Copa da Alemanha, competição em que o Werkself foi eliminado pelo Bayern nas semifinais. O ex-zagueiro Thomas Hörster, nome histórico do clube, sendo o segundo com mais aparições (453) pelos rubro-negros, assumiu a bronca e, no momento em que ocorreria o duelo com a Inter, levara o time ao 15º lugar no certame nacional.

Num jogo praticamente protocolar na BayArena, Martins e Emre definiram a vitória da Inter sobre o Leverkusen (Getty)

A prioridade do Bayer Leverkusen, sem sombra de dúvidas, era evitar o rebaixamento. E, pensando nisso, Hörster escalou um mistão contra uma Inter que não tinha os lesionados Materazzi e Crespo, além do suspenso Vieri. Cúper também dosou energias do seu elenco e deu oportunidades a alguns jogadores que tinham menos espaço, como Okan Buruk, Domenico Morfeo e o garoto Obafemi Martins.

A partida ocorria de forma simultânea ao jogo entre Newcastle e Barcelona, na Inglaterra, e ganhou ares ainda mais protocolares aos 36 minutos, graças a dois presentaços do Leverkusen. Jan Simák errou ao inverter a jogada e Sérgio Conceição engatilhou um contra-ataque, apesar de Di Biagio também ter se equivocado ao tentar devolver a bola ao português. Para sua sorte, o estabanado Bastürk falhou feio na recuperação e entregou a pelota de bandeja à Inter novamente. Oba Oba Martins ficou com ela, bateu no cantinho e marcou o seu primeiro gol como profissional.

A Inter poderia ter ampliado o placar antes do intervalo, mas Morfeo parou em Butt numa cobrança de pênalti. Não fez falta. Em St. James’ Park, Patrick Kluivert, aos 60 minutos, e Thiago Motta, aos 75, colocaram o Barcelona com uma expressiva vantagem sobre o Newcastle. A segunda vaga nas quartas de final era dos nerazzurri e Emre ainda desferiu o golpe de misericórdia no Leverkusen no apagar das luzes – após uma bonita tabelinha entre Martins e Coco.

Eliminado, o Leverkusen focou na Bundesliga e, já com Klaus Augenthaler no comando, manteve a 15ª posição, se salvando do descenso por quatro pontos. A Inter, por sua vez, perdeu terreno para a Juventus na Serie A e teve que se contentar com o vice-campeonato nacional. Na Champions League, os nerazzurri eliminaram o Valencia nas quartas de final e caíram, devido ao gol qualificado, para o Milan, seu rival local, nas semifinais.

A temporada terminou de forma inglória para a Beneamata, já que os rossoneri levariam a melhor na decisão europeia perante a Velha Senhora, que passara pelo embalado Barcelona e pelo Real Madrid até chegar a Old Trafford. Com os maiores rivais em festa, o lado azul e preto de Milão dispõe de razões bastante sólidas para não guardar lembranças positivas de 2002-03.

Inter 3-2 Bayer Leverkusen

Inter: Toldo; J. Zanetti, Córdoba, Gamarra, Pasquale; Almeyda, Di Biagio (Beati), Emre; Recoba; Crespo (Kallon), Vieri (Conceição). Técnico: Héctor Cúper.
Bayer Leverkusen: Butt; Kleine, Ramelow, Juan; Zivkovic, Balitsch (Bierofka), Schneider, Placente; Bastürk (Simák); Berbatov (França), Neuville. Técnico: Klaus Toppmöller
Gols: Di Biagio (15′ e 27′) e Butt (contra; 80′); Zivkovic (63′) e França (90′)
Árbitro: Hugh Dallas (Escócia)
Local e data: estádio Giuseppe Meazza, Milão (Itália), em 10 de dezembro de 2002

Bayer Leverkusen 0-2 Inter

Bayer Leverkusen: Butt; Ojigwe, Kaluzny, Kleine, Placente; Ramelow; Brdaric (Neuville), Bastürk (Schneider), Simák (Cris), Bierofka; França. Técnico: Thomas Hörster.
Inter: Toldo; J. Zanetti, Córdoba, Cannavaro, Coco; Conceição (Guly), Di Biagio, Buruk (C. Zanetti), Emre; Morfeo, Martins. Técnico: Héctor Cúper.
Gols: Martins (36′) e Emre (90′)
Árbitro: Valentin Ivanov (Rússia)
Local e data: BayArena, Leverkusen (Alemanha), em 19 de março de 2003

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